quarta-feira, 31 de março de 2010

EM DEFESA DA LIVRE CONCORRÊNCIA

Por Patrícia Parra*

O presente artigo versa sobre o papel do Estado no domínio econômico, com oposição entre livre concorrência e intervenção estatal, para demonstrar que há uma opção política sobre qual papel o Estado deve desempenhar. Este tema perpassa toda a discussão sobre desenvolvimento econômico a ser travada pelos candidatos à presidência.
A Constituição Brasileira, art.173, faz uma opção clara pela não exploração direta de atividade econômica pelo Estado, que só será permitida “quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo”. Como o constituinte não definiu claramente o que seria relevante interesse coletivo, os governos democraticamente eleitos podem interpretar a constituição e, na prática, atuar em qualquer setor da economia alegando “relevante interesse coletivo”.
Portanto, é opção do governo a intervenção direta na economia, atuando como agente econômico tanto em regime de monopólio estatal como em concorrência com a iniciativa privada; a intervenção indireta via regulação de mercados ou a não intervenção, deixando que os mercados se auto-regulem pela concorrência entre agentes privados. O debate sobre crescimento econômico e desenvolvimento passa necessariamente por essa opção: qual o papel que o Estado deve desempenhar.
Ao tentar ressuscitar a Telebrás para atuar como uma empresa estatal para oferecer serviços de banda larga, o governo promove a intervenção direta na economia, julga que a iniciativa privada, mesmo em regime de regulação (intervenção indireta) como é o caso do mercado de comunicação no Brasil, não é capaz de oferecer o serviço para a população. Esse é apenas um exemplo do pensamento que move o atual governo: o estatismo.
O estatismo considera que a iniciativa privada não é capaz de oferecer os produtos e serviços que a população deseja. Esse pensamento considera que os mercados são ineficientes e propõe-se a substituir o mercado pelo Estado. A concorrência é substituída pelo planejamento central, os governantes decidem o que o país precisa produzir e a que preço vender. O planejamento central foi feito pela União Soviética e ainda é feito por Cuba. A China ainda utiliza muito o planejamento central, mas boa parte de sua economia já está em livre concorrência.
É óbvio que nenhum candidato defenderá a extinção da livre concorrência e da livre iniciativa, até porque são valores escritos no art. 170 que define os princípios da nossa ordem econômica. Mas há nuances entre o planejamento central e a livre concorrência.
Quando um governo opta por colocar dinheiro público via fundos de pensão estatais e via BNDES para criar “gigantes nacionais”, ou monopolistas estatais ou semi-estatais, está fazendo uma opção por restringir a concorrência. Quando um governo opta por criar empresas estatais para oferecer serviços e produtos, também está restringindo a concorrência, já que o preço, elemento central da livre concorrência, não será mais definido pela interação entre agentes econômicos, mas pela burocracia estatal. Até quando o governo regula mercados também restringe a concorrência (são mercados altamente regulados energia, petróleo, telecomunicações, saúde, educação, transportes, entre outros).
A livre concorrência é o regime em que atores privados disputam entre si a preferência do consumidor. Para conquistar o consumidor, as empresas lutam para oferecer preços mais baixos, maior qualidade de produtos e serviços, e inovação tecnológica. O resultado é uma maior oferta de produtos e serviços e maior possibilidade de escolha.
Pense no mercado de canetas, é um mercado totalmente livre: há empresas que ofertam canetas a preços que variam de centavos há milhares de reais. A liberdade de escolha do consumidor é imensa.
Agora pense no mercado de gasolina: no Brasil há um agente estatal, a BR Distribuidora, que é quase monopolista. Ela sozinha define o preço da gasolina no Brasil. O consumidor não tem nenhuma opção, já que todos os outros agentes do mercado seguem o preço definido pela BR Distribuidora. Esse é o exemplo de intervenção direta na economia.
Agora pense no mercado de telefonia fixa, é um mercado altamente regulado. O governo define quem pode ou não atuar nesse mercado. O consumidor conta com poucas empresas e a concorrência é diminuta. Esse é um exemplo de intervenção indireta na economia.
No entanto, o mercado de canetas é diferente do mercado de gasolina, que também é diferente do mercado de telefonia. Há mercados que funcionam bem em livre concorrência, há mercados nos quais há as chamadas falhas de mercado, portanto são mercados que merecem algum tipo de intervenção estatal.
Uma falha de mercado é, por exemplo, um monopólio natural: não é possível existirem duas redes de energia elétrica na mesma cidade, ou seja, uma só empresa será proprietária da rede elétrica e ofertará esse serviço à população. No caso, pode-se optar por ofertar diretamente o serviço via empresa estatal ou deixar uma empresa privada ofertar o serviço regulado pelo Estado, ou seja, a tarifa de energia não será definida livremente pela empresa.
Os liberais defendem a livre concorrência em todos os mercados. Advogam até que as falhas de mercado são preferíveis às falhas de governos, como captura de agências reguladoras por agentes privados.
Os estatistas defendem a intervenção direta na economia. Preferem o planejamento estatal à livre concorrência, advogando que o Estado representa o bem comum e não a busca de lucro, e, portanto sabe melhor o que a população precisa do que ela própria.
Os sociais democratas entendem que há mercados que podem funcionar em livre concorrência e outros que merecem regulação estatal. Também defendem o regime de serviços públicos para mercados essenciais, como saúde e educação.
Claro é que somente a concorrência permite a liberdade de escolha do consumidor diariamente, portanto deve ser defendida contra a visão estatista, seja por liberais seja por sociais democratas.

*Patrícia Parra Ferreira dos Santos, graduada em Direito pela USP, é especialista em políticas públicas e gestão governamental, carreira do Ministério do Planejamento, desde 2006. Atuou na assessoria do CADE de 2004 a 2008, tendo ocupou cargo de confiança antes de ingressar na carreira de gestão.