sábado, 14 de novembro de 2009

O SUS E A OS


Na última quinta-feira, 12, estive presente num fórum sobre gestão do SUS no Distrito Federal.


Na primeira etapa, pela manhã, o debate foi sobre o papel da Organizações Sociais num novo modelo de gestão pública.
Basicamente este novo modelo difere do modelo tradicional de participação única do Estado por ser um modelo misto Estado/Terceiro Setor.

OS's por conceito seriam entidades do Terceiros Setor. Não se trataria, portanto, como denunciado por muitos, inclusive trabalhadores da saúde, como uma "privatização" da Saúde Pública brasileira.

Este é um debate que nos interessa diretamente, pois trás para a luz do dia o tema do papel do Estado, políticas públicas sociais etc...

Para mim, pessoalmente, o modelo de parceria Estado/Terceiro Setor, que podemos, desde já, definir como segmento de instituições privadas, não lucrativas, com finalidades públicas, cabe perfeitamente na proposta do SUS.

O Terceiro Setor da economia tem convergências com a ação de Estado.

Durante o governo FHC a Presidência de República e o movimento Comunidade Solidária produziram um extenso documento sobre as OSCIPs -Organizações Sociais Civis de Interesse Público.

Numa excelente introdução ao texto, de autoria de Ruth Cardoso, a socióloga comenta a relação Estado/Terceiro Setor e afirmava que o TS tem importante contribuição a dar nas políticas públicas, pois além de agregar o Capital Social ele também poderia chegar onde o Estado teria limitações de flexibilidade e velocidade para chegar.

Augusto de Franco, que não é apenas nosso teórico das redes, mas importante analista político e sociólogo, comenta também com muita propriedade, aliás, foi um dos redatores do documento que citei sobre as OSCIPs, o papel do Capital Social.

Em linhas muito gerais, Capital Social é o conjunto de bens tangíveis, mas na maior parte das vezes intangíveis, está presente como uso potencial no último caso.

Uma ação solidária entre pessoas diversas, para, por exemplo, faxinar um terreno urbano abandonado e degradado, que seria função do governo, é um bom exemplo de uso efetivo de capital potencial.

No caso o serviço voluntário das pessoas pode ser contabilizado como um valor que o Estado deveria desembolsar para exercer seu papel.

Então, numa área onde o Estado deveria estar presente e não está, a cidadania assume o seu papel e executa um serviço próprio da função de governo. É disto que estamos falando.

Um formato tangível, seria um prédio construído com recursos da comunidade. O melhor exemplo são as igrejas, que são cedidas ao uso público, apropriadas pelas estruturas religiosas, mas são resultado dos recursos da comunidade.

A complexidade e o volume de demandas sobre o Estado brasileiro são de tal envergadura que não se trata apenas de um problema de gestão e eficiência. Mesmo com boa gestão e eficiência muito provavelmente o Estado não tem pernas para cumprir integralmente seu papel.

Na área das políticas públicas sociais pode ser extremamente importante, e talvez seja na verdade a saída de curto e médio prazo, pelo menos, a agregação do Capital Social via Terceiro Setor.

Falar em serviço de saúde feito única e exclusivamente pela gestão pública pode ser um discurso bastante palatável, mas não responde à demanda.

Modelos de gestão compartilhada precisam sim ser implementados.

Muito bem, até aqui nós chegamos.

Na realidade o que difere um modelo de gestão compartilhada Setor Público/Terceiro Setor de uma simples privatização dos serviços de saúde não é tanto o formato da entidade que fará a parceria com o setor público, mas sim o formato da própria parceria.

Eu me explico. Se a entidade parceira da gestão pública, tenha lá o nome que queiram dar, não agregar Capital Social não será Terceiro Setor e estaremos de fato frente a um processo de financiamento de interesses privados com recursos públicos.

E não me digam que o fato da Diretoria não poder partilhar “lucro” é prova de que a entidade tem fins sociais.

Da mesma forma, argumentar que prédios e instalações podem ser vistos como Capital Social tem que ser documentado. Pois a maioria das instalações de saúde no Brasil é feita com recursos públicos. Então, entrar na parceria e oferecer ao SP instalações que foram parcial ou totalmente financiadas pelo próprio SP não é exatamente agregação de CS.

Nestas parcerias agregar capital social é agregar instalações de fato criadas a partir de recursos voluntários da sociedade, como também pode ser via agregação de redes de trabalho voluntário.

Enfim, sempre será necessário considerar se os Contratos de Gestão olham para esta questão da agregação de Capital Social.

Da mesma forma deveremos nos perguntar como é que será feito o Controle Social dessas parcerias.

Certamente não será como imaginavam as palestrantes da tarde, na parte sobre Controle Social.

Não serão os Conselhos de Saúde que farão este controle. Até porque são paritários. Viveríamos a curiosa situação do auto-controle.

Demetrio Carneiro