sábado, 2 de outubro de 2010

O QUE VIRÁ PELA FRENTE...

Miriam Leitão, texto integral abaixo, ontem, 1°, comentou sobre a maquiagem destinada a dar uma falsa reforçada ao Superávit Primário de 2010. Seguindo a linha das outras críticas questiona a maquiagem propriamente e mostra que na realidade trata-se de maior gasto público disfarçado por macetes contábeis.
Comenta o mau caminho que vai desmoralizando as finanças públicas e o tamanho do abacaxi que será segurado por quem suceder Lula e mais: A inevitável transformação de toda essa operação em tributos.
 
A questão do Superávit é antiga. Já na votação da Lei de Responsabilidade Fiscal o PT, incluindo Lula, e outros grupos postaram-se contra a lei. Consideravam uma proposta “neoliberal” imposta pelo FMI. Na leitura desses grupos a poupança no orçamento dos governos iria impedir que fossem feitos investimentos na área social. É preciso esclarecer que em paralelo esses grupos não reconheciam a Dívida Pública como legítima, portanto não consideravam importante uma poupança com a finalidade de reduzir o tamanho da dívida. Bom lembrar que, na época, a carga tributária era de cerda de 25% do PIB, contra os atuais 38%.

Enfim não foi o que aconteceu. Durante seus dois mandatos Lula desdisse o que disse. Nisso ele é muito bom. Prevaleceu a lei. Primeiro por conta da crise e agora por conta de nada, na reta final, parece ter havido uma forte mudança de postura.

Difícil saber se é um recado para o futuro e este é o futuro ou um recado para os setores mais radicais, buscando coesionar o PT.

Ainda tentam disfarçar e manter o ar de legalidade. Forjada, mas legalidade. Quer dizer, ainda admitem que o Superávit é um conceito de finanças públicas aceitável. Bom não desconhecer os diversos discursos sobre o quanto a nossa Dívida Líquida é baixa comparativamente com a Europa Ocidental. O que explica todo o peso das políticas de criação de dívida pública.

Talvez dê para ver nisto tudo uma postura de ciclo político-eleitoral: Gasta-se no período pré-eleitoral. Economiza-se no pós-eleitoral. Talvez não.

Na mensagem enviada ao Congresso Nacional, por conta da apresentação do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2011, o atual Ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, se mostra incomodado com o fato de que 80% das despesas pública previstas em orçamento estão carimbadas. Mais à frente se mostra inconformado por não ser possível incluir novos projetos na Lei Orçamentária por falta de recursos. Arremata informando à platéia a possibilidade de aumento dos tributos, dependendo da negociação política, focada no “bem estar” da população.



Há sinais preocupantes: Na mesma Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2011, a que se refereria a mensagem do ministro criou-se meios de tocar o PAC sem os “incômodos” do TCU, ao estabelecer que as obras só são interrompidas por decisão da justiça e do SICONV, ao estabelecer que os ministérios estão livres de ter que usar o sistema para obrigatória publicização dos Convênios.

É votar para ver...

Demetrio Carneiro

 

Míriam Leitão e Valéria Maniero



O governo decidiu confundir a todos. Aproveita a pouca paciência que as pessoas têm em relação ao assunto "contas públicas" para criar um rolo compressor que está tornando os números vazios de significado. A conta baterá sobre nós contribuintes. As despesas aumentaram este ano 17,2%; a dívida emitida para capitalizar a Petrobras, por mágica, virará receita do governo.
Dívida é dívida; receita é receita. Toda pessoa sabe disso. Mas não as estatísticas do governo. Como uma sucessão de truques fiscais, o Ministério da Fazenda está tornando artificialmente superavitárias as contas públicas.
Como é possível a emissão de título que é dívida, vira capitalização do BNDES, aumento de capital da Petrobras e, no fim, entra no caixa do Tesouro como receita? Pois foi essa mágica que ele fez desta vez. Diariamente, sai um truque desses da cartola do Ministério da Fazenda. Todos eles juntos escondem que o governo está gastando demais. Além disso, o Brasil está perdendo um dos avanços das últimas décadas, que foi o aumento da transparência das contas públicas. Hoje, já é impossível seguir uma série histórica de superávit primário, porque ele mede coisas diferentes; não se confia mais na dívida líquida, porque ela virou biombo que esconde o aumento da dívida bruta.
Esse assunto nos diz respeito diretamente. Transparência em gasto público é democracia. Ajuste fiscal não é burrice, como diz Dilma Rousseff, é sensatez. Sem ele, o contribuinte será chamado a pagar mais ao governo.
O regime fiscal do país mudou neste final do governo Lula. O equilíbrio comemorado nos anos Palocci começou a mudar lentamente, mas o regime fiscal se transformou radicalmente durante a crise. O abalo externo foi usado como pretexto para uma licença para gastar e para maquiar números. Assim está sendo feito um superávit primário para inglês ver, mas que não pode enganar a nós mesmos que pagamos a conta.
Veja-se o que foi feito no caso da Petrobras. A União emitiu dívida de R$ 75 bilhões para capitalizar a Petrobras; R$ 30 bilhões foram entregues ao BNDES. O banco pegou esses papéis e pôs na Petrobras para acompanhar o aumento de capital. Os outros R$ 45 bilhões foram transferidos diretamente para a estatal como aumento de capital da União.
Primeira parte da mágica é dizer que essa emissão de título não entra na conta da dívida líquida. A mentira que pregam aqui é dizer que se trata de um empréstimo e que o BNDES, um dia, vai pagar. E se vai pagar, ficam elas por elas. O problema é que o governo se endivida a 10,75% por ano por um prazo curto, e o BNDES, se pagar, o fará nas calendas. Esses R$ 30 bilhões não são empréstimo, como não foram os R$ 180 bilhões que o governo já pôs no banco desde a crise.
A segunda parte da mágica é a seguinte: a União vendeu cinco bilhões de barris de petróleo para a estatal, que levará décadas para tirá-los do fundo do mar, e há poucas informações técnicas sobre a existência, possibilidade de exploração e custo real desses barris.
Na terceira parte, a Petrobras devolve os R$ 75 bilhões como pagamento ao Tesouro desses barris futuros. A diferença entre os R$ 45 bilhões que foram dados para a Petrobras e os R$ 30 bilhões que passaram pelo BNDES virarão receita em setembro. Essa é a melhor parte da mágica: um papel que saiu por uma porta e entrou por outra. Papel de mil e uma utilidades: era dívida, deixa de ser, aumenta o patrimônio do BNDES, aumenta a participação que a União tem na Petrobras e ainda vai virar milagrosamente receita em setembro.
Por que o governo faz essa circunavegação fiscal? Para esconder o fato de que está gastando de forma espantosa. Em 2009, era a tal política anticíclica. Gastar para evitar a crise. O ciclo mudou, a gastança continua. E não é verdade que está gastando para aumentar os investimentos. O setor público federal continua investindo em torno de 1% do PIB apenas.
O superávit conseguido em agosto, de R$ 4 bilhões, só é superávit, porque as estatais anteciparam dividendos no valor de quase R$ 7 bilhões. Um dos truques é assim: o governo vendeu ao BNDES dividendos da Eletrobras. Isso entrou como aumento de capital do banco para emprestar mais. O banco pagou esses dividendos ao Tesouro e — kabrum! — virou receita em agosto.
Esses contorcionismos fiscais são diários e vão transformando em circo a contabilidade oficial brasileira. Está ficando difícil entender. Esse caminho de esvaziar os indicadores de significados é o escolhido pela Argentina para a inflação. É um perigo. As verdades econômicas não desaparecem por causa das falsificações.
O economista Alexandre Marinis gosta de usar os dados da Receita Líquida total (receita, menos as transferências para estados e municípios). Ele derruba com dados a tese de que os gastos foram para aumentar investimentos.
Por essa medida, o superávit primário caiu de 15,8% da receita em outubro de 2008 para 6,7% em julho de 2010. Os investimentos cresceram apenas de 3,9% para 4,8%. "Os dados mostram que toda a economia gerada com a redução do superávit primário foi queimada com pessoal, previdência e custeio, ao invés de aplicada em investimentos num país com uma infraestrutura à beira do colapso", diz ele, num relatório. Em reais, a queda do superávit em 12 meses foi de R$ 91 bilhões para R$ 45 bilhões no período.
No mês que vem, o governo vai "bombar" o superávit primário com essa receita inventada, inexistente, fruto de ilusionismo fiscal. Na hora que a conta chegar ao nosso bolso, ela será real e concreta.