Nossas ilustres autoridades estão se especializando em tirar coelhos da cartola para “garantir” o superávit primário. A piada mais recente, perdão, mágica, foi transformar nada no maior superávit nunca jamais havido nesse país.
Abaixo da Miriam Leitão tece explicações bem lúcidas.
De meu lado só deixo no ar uma questão: Alguns analistas tendem a imaginar esse jogo como uma ação pré-eleitoral e não uma real mudança de rumos no que se refira às políticas fiscais.
Supondo uma vitória de Dilma não acho que sua viagem à Nova Iorque, devidamente escoltada por ninguém menos que Palocci, seja suficiente para indicar que essa ação é apenas pré-leitoral.
O comportamento do mercado futuro de juros, alta, parece indicar uma leitura de que talvez estejamos mesmo vivendo uma inflexão duradoura.
O quanto duradoura fica em parte respondido pelos argumentos com relação à nossa Dívida Líquida, considerada baixa. Muitas autoridades olham para a DL de outros países e até para a Bruta e talvez imaginem que há muito espaço, principalmente tendo em vista a janela de oportunidades que está aberta para os emergentes. Aproveitar rapidamente esta oportunidade num contexto onde não há muito suporte de poupança interna deveria, então justificar coisas como a transação Tesouro/BNDES e todas as maquiagens possíveis, já que isso bagunça as contas.
Não deixa de ser uma atitude bastante pragmática de quem aposta que haverá custo, mas serão suportáveis.
Elegendo Dilma, mesmo sem saber, toda sua imensa base eleitoral estará confirmando uma escolha. Presidentes podem fazer muito mais que autorizar bolsa-família ou pensões e benefícios.
O resto é aguardar.
Demetrio Carneiro
Miriam Leitão
O governo Lula está produzindo o maior retrocesso na História recente do país na transparência das contas públicas. Ontem foi um dia de não se esquecer. Dia em que o governo fez a mágica de transformar dívida em receita. E assim produziu o maior superávit primário do país em setembro, quando, na verdade, o Tesouro teve um déficit de R$ 5,8 bilhões.
O passo a passo do governo nessa confusão é o seguinte: 1) o Tesouro emitiu dívida no valor de R$ 74,8 bilhões. 2) transferiu uma parte, R$ 42,9 bilhões, diretamente à Petrobras, para subscrever as ações da empresa. 3) entregou o resto, R$ 31,9 bilhões, ao BNDES e ao Fundo Soberano. 4) BNDES e FSB repassaram esses títulos à Petrobras para pagar pelas ações que também compraram. 5) a Petrobras pegou todos esses títulos que recebeu e com eles pagou a cessão onerosa dos barris de petróleo do pré-sal. 6) o governo descontou o dinheiro que gastou na subscrição e considerou que o resto, R$ 31,9 bilhões, era receita.
De acordo com o secretário do Tesouro, Arno Augustin, isso é igualzinho à receita de concessão que o governo Fernando Henrique registrou no seu superávit primário quando vendeu a Telebrás. Não é não. Aquele momento o governo estava vendendo ativos e recebendo em dinheiro. Agora ele está transferindo petróleo, ainda não retirado, e recebendo de volta títulos da dívida que ele mesmo emitiu. Se fosse igual à receita de privatização, como Augustin fala, por que então o governo precisou que o dinheiro passasse pelo BNDES? É para que na passagem acontecesse a mágica de o título de uma dívida do Tesouro virar receita.
O secretário disse que “essa ideia de que o BNDES participou por causa do superávit é errada.” Segundo ele, se o BNDES não entrasse o Tesouro perderia participação na Petrobras. Conversa. O governo não fez diretamente porque ficaria mais explícito o truque de fazer sopa de pedra.
Para completar a confusão, os R$ 24 bi em títulos que foram para o BNDES — o resto dos R$ 31,9 bi foi para o Fundo Soberano — entraram na conta da dívida pública bruta, mas não na dívida líquida porque o governo alega que é “empréstimo” e um dia o BNDES vai pagar. Portanto, a dívida líquida não sobe, apesar de o governo ter se endividado. Foi assim com outros R$ 180 bi em títulos transferidos para o BNDES.
O governo está desmoralizando os indicadores de superávit primário e dívida líquida. Pelos números, está tudo bem: superávit na meta e dívida com tendência de queda.
Maílson da Nóbrega acha que o governo não está apenas fazendo mágica, está destruindo a transparência e a solidez das estatísticas do país pelas quais vários governos trabalharam:
— Eles produziram artificialmente receitas públicas para simular um superávit inexistente, que não resulta de esforço de austeridade fiscal. Além disso, zombam dos analistas. Será que acham que jornalistas, economistas, consultores não perceberam a manobra? Esse truque não tem fim, porque eles podem agora vender petróleo futuro e dizer que é receita.
O assunto “contas públicas” é considerado o mais árido da economia. Mas quanto mais transparentes forem as contas mais capaz é a sociedade de saber o que o governo está fazendo com o dinheiro coletivo e mais poder tem de influir no destino dos recursos. A névoa nas contas públicas retira esse poder.
Esse não é o primeiro truque, é apenas o mais extravagante. Em agosto do ano passado, a MP 468 permitiu que o governo usasse depósitos judiciais como receita. Contribuinte que entra na Justiça discutindo a legalidade de um imposto tem que depositar a quantia contestada. Esse valor pode ser do governo, ou não. Mas pela MP, R$ 5 bi entraram como receita em 2009 e R$ 6,4 bi, em 2010.
No final do ano passado, outra MP, a 478, permitiu ao Tesouro vender antecipadamente os dividendos que tem a receber de estatais e empresas de economia mista. O BNDES comprou e repassou ao Tesouro R$ 5,2 bilhões que ele teria de dividendos da Eletrobrás.
O governo decidiu excluir os investimentos do PAC da contabilidade das despesas. Alguns gastos já estavam excluídos da conta porque estavam no Plano Piloto de Investimentos. Só que para entrar no PPI o investimento tem seguir várias regras e ter metas de desempenho. O governo fez o PPI perder suas qualidades e enquadrou o PAC na mesma brecha fiscal. Na série estatística está registrado que o governo cumpriu a meta. Só cumpriu por manobras assim.
No governo militar inventou-se uma fórmula que criava dinheiro. Era a conta conjunta entre Banco Central e Banco do Brasil. O governo mandava o Banco do Brasil pagar e depois pegar no BC. Assim surgiu o “orçamento monetário”, uma espécie de orçamento do B no qual cabiam todas as despesas. Essas e outras maluquices deixaram uma montanha de dívida não contabilizada. O governo Fernando Henrique tirou as dívidas do armário e pôs na conta.
Foi com mágicas como a do orçamento monetário que o Brasil produziu uma inflação alta, longa e que virou hiperinflação. Já vimos esse filme, morremos no final. O problema é que quando chega o final, quem fez o mal não está aí para responder por ele.