terça-feira, 14 de dezembro de 2010

PODEMOS RECRIAR NOSSO FUTURO?

Em maio de 2009 fui convidado pelo PPS a falar numa Comissão Geral da Cãmara dos Deputados sobre a crise internacional.
O texto abaixo é a transcrição do que lá falei. Em linhas gerais acho que estamos na mesma, mas pior, pois não aconteceu o debate eleitoral e estamos numa espécie de vôo cego.

Demetrio Carneiro

RECRIANDO O FUTURO

O debate sobre a origem da atual crise ou suas consequências em nosso país não terminará tão cedo. Muito provavelmente teremos material para os próximos anos ou décadas. É assim mesmo. É parte de nosso processo de conhecimento e é parte decorrente dos interesses que estão em jogo e são muitos.

Globalmente falando, o que todos intuem, talvez até por conta das resultantes da crise 29, é que mudanças deverão ocorrer. Nada deverá ser como antes. Parece haver aqui uma linha de corte. E é no campo das escolhas que se farão que o debate tenderá a se tornar mais consistente a cada dia que passar.

No centro dessa questão está o Estado, sua estrutura, seu papel e funções e é à volta desse conceito nuclear que deverão se dar os maiores embates.

Nacionalmente a questão da crise nos trás de volta a discussão sobre o desenvolvimentismo e, evidentemente, o papel do Estado brasileiro na condução desse processo.

Parece claro que, em algum momento, essa crise será superada e se torna evidente a necessidade de pensar o "pós-crise". As indicações iniciais são de que, se mantido o atual modelo, nosso crescimento econômico tenderá a ser medíocre e por muito tempo. Não é difícil imaginar mais uma "década perdida". Então a questão é procurar estabelecer um outro modelo, que tenha em vista as experiências passadas e seja resultado de sua revisão crítica. Podemos e devemos recriar nosso futuro.

O Jornal Estado de São Paulo de ontem, 25, noticiou uma avaliação feita pela Organização das Nações Unidas no que se refira à Políticas Públicas Sociais no Brasil. Em linhas gerais a avaliação se refere a sua pouca efetividade. Para aqueles que como eu militam no movimento social, sou presidente de uma OSCIP, entidade do chamado terceiro setor da economia, entidades privada de finalidade pública, não se constitui novidade. Política pública Social não é questão de vontade, algo do tipo "a sociedade não quer mais que pobres permaneçam pobres", mas de efetividade. Efetividade, nesse caso, passa por políticas que de fato promovam e transformem. Não estamos falando em eventos de mídia, mas em mudar a qualidade de vida das pessoas de forma permanente e estável. As políticas Públicas Sociais precisam ser reavaliadas, revistas. É certo dizer que o Estado deve intervir na questão de distribuição de renda e promoção social, mas não é suficiente dizer. É preciso realizar.

O balanço do desenvolvimentismo brasileiro e das décadas de sua efetivação tem dados positivos e negativos. Positivamente falando as políticas desenvolvimentistas nos trouxeram sim crescimento econômico, mas por serem incapazes de mudar as premissas básicas, também foram incapazes de mudar o perfil de distribuição de renda de forma significativa, foram incapazes de trazer um crescimento contínuo e significativo. É aqui que nos deparamos com o Estado.

Existe uma visão de processo que dá ao Estado papel único e transcendental, como se ele pairasse por sobre a sociedade. Apenas não é o que ocorre. O Estado brasileiro tem se mostrado historicamente vulnerável aos interesses de grupos econômicos e corporativos. O Estado brasileiro gasta muito e gasta mal. Entre nós o gasto é instrumento de poder e controle, tanto no sentido federativo, como no sentido republicano e na relação com as entidades do movimento social e a sociedade civil. O Estado real está muito longe do Estado idílico que muitos imaginam como real.

Se pretendemos superar essa crise econômica de forma permanente e sustentável, se pretendemos buscar de fato o desenvolvimento econômico nosso primeiro passo terá que ser a crítica ao Estado brasileiro. O segundo passo deverá ser a sua real democratização de formas a que atenda às demandas da sociedade.

A Constituição Federal de 1988 foi um importante passo nessa direção, mas não se realizou. Continuamos com questões federativas, nosso pacto federativo tem que ser revisto. Continuamos com questões republicanas, a prevalência do executivo sobre os outros poderes tem que ser reavaliada. Todos os mecanismos de gestão participativa sociedade civil/gestão pública devem ser reavaliados criticamente. Os mecanismos de controle social e popular precisam ter efetividade institucional.

Da mesma forma o conceito de desenvolvimento deve ser revisto.

Devemos e temos obrigação de incorporar as questões da relação entre industrialização e meio-ambiente. Não é possível mais pensar em desenvolvimento, sem questionar a nossa matriz de transportes fundada no consumo de combustível fóssil. Ou a matriz de transportes fundada no transporte individual. Não podemos mais aceitar a premissa do desenvolvimento a "qualquer custo". Esse debate tem que ser trazido para a sociedade e ela deve poder escolher. Esse deverá ser um dos pontos de debate para 2010: A industrialização clássica, aplicada nos últimos anos é o que nos interessa para o futuro? É o legado que transmitiremos para as próximas gerações? Precisamos nos inserir no novo tipo de economia que se está criando. Fugir do mero papel de fornecedores mundiais de commodities, exportadores de meio-ambiente.

Devemos questionar nossas escolhas de investimento. Os investimentos públicos devem ser voltados para a redução do "custo-brasil" e nas áreas de inovação que atendam à questão de ciência e tecnologia, assim como da sustentabilidade. Para que isso ocorra é necessária a revisão desse conceito de gasto estatal nas atividades-meio, é necessário que se rediscuta a relação entre gasto e investimento e se busque mecanismos que nos levem ao investimento e não ao gasto. Precisamos rever a questão do investimento e trazê-lo para o conceito de micro-região concentradora, agregando os níveis federal, estadual e municipal de forma coordenada e planejada.

Não há como falar em mercado interno sem falar na questão das micro, pequenas e médias empresas. Todo um conjunto de programas federais, estaduais e municipais está em andamento, mas precisamos avançar mais nessa área, na direção do cooperativismo, do micro-crédito e da integração horizontal e vertical das cadeias de produção e comercialização. Nesse capítulo do mercado devemos buscar relações de cooperação entre Estado e mercado e não apenas relações predatórias onde o Estado visa apenas a apropriação dos tributos.

No âmbito institucional precisamos tirar da "prateleira" a Lei de Responsabilidade Social e pensar numa Responsabilidade Ambiental, mas não como forma de intervenção estatal e sim como estrutura cooperativa entre Estado, mercado e sociedade civil. A Lei de Responsabilidade Fiscal precisa ser reavaliada. Temos uma Reforma Política pela frente que, esperamos, vá dar mais efetividade à participação do eleitor nos processos políticos institucionais. Há outras reformas há considerar. Reforma Tributária, Previdenciária. Estamos nos especializando em "empurrar com a barriga" a questão institucional, como se esse dado não fosse fundamental para a consolidação da democracia em nosso país e para o nosso desenvolvimento.

Existe sim um outro modelo possível de desenvolvimento que devemos debater, não como abstração, mas como fato concreto. Não estamos frente à propostas "belas e sinceras" , mas utópicas. O mundo real está bem à nossa frente.

Fala-se muito em aproveitar essa janela de oportunidades. Não aproveitaremos se estivermos dispostos a fazer apenas um pouco mais do mesmo de sempre.

A realidade ambiental, as profundas transformações econômicas estão exigindo respostas que ou seremos capazes de produzir, enquanto sociedade e o Estado tem que poder expressar isso, ou estaremos condenados e permanecer sempre "potenciais", "futuros", "simpáticos", mas apenas isso.