terça-feira, 14 de dezembro de 2010

DESCONSTRUINDO O TERCEIRO SETOR

O pensamento político petista tem por base a leitura do hegemonismo. Leitura verticalizante e autoritária, herança do conceito leninista/stalinista de partido e processo revolucionário.

Essa visão de processo não fica registrada nos documentos partidários de forma muito clara, mas está nas entrelinhas e, principalmente, se reflete na prática de partido e na prática de governo, nos governos petistas e está muito distante dos discursos e leituras, teóricos, da democracia direta ou da democracia participativa, onde os processos concretos são manipulatórios na verdade.

No ideário desse grupo o “movimento social” assume grande significado. O fim do governo Lula tem patrocinado um sem número de conferências nacionais que são desdobramento de conferências regionais e municipais, a partir de inúmeras temáticas. Ao lado do governo os partícipes desses eventos são as entidades do movimento social o que dá a eles, eventos, um ar de coisa democrática e acesso do povo aos focos de poder e políticas públicas.

Paradigmática desse tipo de processo foi a mobilização do primeiro governo Lula à volta da produção de seu primeiro Plano Plurianual. Foram convocadas cerca de 2 mil entidades, num intenso trabalho de debates e mobilização, que, no fim do dia, não de em nada, pois foram pouquíssimas as propostas aceitas. Nesse momento começou um forte desencanto. Em parte superado pela afastamento de dirigentes e entidades, mas fundamentalmente superado por um fortíssimo processo de cooptação de dirigentes e entidades, a um ponto que fica difícil para muitos não-brasileiros entender como uma entidade pode ser chamada de Organização Não Governamental se 99,99% das entidades são patrocinadas por recursos públicos.
Não cuspir na mão que alimenta é uma imagem forte, mas é o que vem ocorrendo nesses últimos anos, com uma perda substancial de autonomia e pensamento independente. Talvez seja a melhor explicação para o baixo sucesso do conceito de accountability entre nós.

A autonomia, necessária, das entidades do movimento social foi desconstruída. Transformadas em “governo-dependentes” a maioria não é mais que multiplicadora da propaganda e dos projetos de governo, dentro da lógica de uma política pública social extremamente questionável.

Infelizmente o processo não termina ai.
As necessidades de financiamento alternativo das estruturas partidárias e candidaturas encontrou na operação das entidades do terceiro setor um belíssimo campo para frutificar. Neste caso as emendas parlamentares tiveram papel relevante. Um bom número de senadores, deputados e vereadores, se dedicam ao esporte de destinar emendas a entidades do terceiro setor e daí obtém muitos frutos. Necessariamente os bons resultados não precisam vir apenas do desvio de recursos à favor do parlamentar, parentes ou cabos eleitorais.
Pelo contrário uma investigação mostrará que a maior parte dos recursos é utilizada dentro de programas federais. Talvez haja problemas quanto à prestação de contas por ineficiência e não por ma fé. Contudo, ainda assim as emendas são uma excelente forma de publicidade para o parlamentar já que muitos programas são muito mais vitrines onde se realizam sucessivos eventos que contam com a presença de suas excelências.
Em muito projetos a maior parte do recurso está destinada ao pagamento de monitores, tutores, professores, pessoal de apoio etc. Evidentemente todos sabem quem é o responsável pelo recurso.

Não acho que eliminar as emendas parlamentares individuais ou obrigar que sejam destinadas aos governos estaduais ou municipais, já que depois serão repassadas às entidades, vá alterar alguma coisa. O problema está na sistemática de financiamento dos partidos e dos parlamentares.
Claro também está na “liberalidade” do controle dos gastos e na modelagem dos programas sociais financiados por recursos públicos.
Já é notícia de mídia que houve de fato um abrandamento dos controles dos ministérios sobre o uso dos recursos destinados às entidades do terceiro setor.

Maior controle dos gastos feitos nos programas é possível, viável e simples de ser feito. É questão de vontade política. Da mesma forma deveria haver controle sobre a formatação dos programas sociais retirando de muitos deles seu caráter mais midiático.

Lá trás a noção era de que o terceiro setor deveria cumprir dois papéis fundamentais no processo de desenvolvimento nacional:
a) Agregar o capital social ao projeto nacional;
b) Ocupar espaços públicos nos quais a ação de Estado fosse ineficiente ou impotente.

As premissas acima são corretas e continuam válidas.
O risco que corremos é que os sucessivos escândalos acabem desmoralizando o conceito de terceiro setor.
Para o pensamento radical de esquerda não será uma perda, pois sempre debitaram ao neoliberalismo a proposta de atuação conjunta entre capital público, capital privado e capital social. Para esses grupos é o Estado o único agente de desenvolvimento.
No campo da oposição, fora da esquerda radical, também tem muita gente mirando nas entidades do movimento social e acabarão de uma forma ou de outra convergindo com o pensamento da esquerda radical.
Corremos o risco de jogar a água e a criança junto....

Demetrio Carneiro