Na década de 30 do século passado, o búlgaro Georgi Dimitrov era preso em Berlim, acusado junto com outros comunistas pelo incêndio do Parlamento alemão, o Reichstag. Mais tarde ficaria evidenciado que foi uma manipulação dos nacionais-socialistas, que abriria caminho para a rápida ascensão do austríaco Hitler ao poder na república alemã.
Preso, Dimitrov foi levado ao tribunal para julgamento no que seria conhecido mais tarde como o Julgamento de Leipzig. Esse evento deu a Dimitrov um especial lugar na história da esquerda clássica e no imaginário dela, pois o líder comunista ao invés de aceitar as acusações passa a acusar seus acusadores de forma veemente e denuncia o complô fascista. Como resultado desse julgamento produziu-se um texto sobre as características do fascismo e a necessidade de uma frente popular para vencê-lo, muito difundido no Brasil durante a luta contra a ditadura civil-militar de 64.
Alguns anos após o julgamento de 1933, Prestes, então líder do Partido Comunista, ainda, do Brasil, preso e julgado frente a um Tribunal de Segurança Nacional de Getúlio Vargas, na sua fase autoritária, pouquíssimo lembrada, adota a mesma prática e consagra entre nós essa leitura de acusar o acusador.
Partido hoje incorporado ao formato mais elementar do “é dando que se recebe” há um PT imaginário que se alinha com a esquerda clássica. É esse PT imaginário que vem em ajuda ao PT real e fornece a linha de argumento revolucionária em que o acusado se transforma em acusador.
Para Dimitrov eram os nazistas os verdadeiros culpados. Para o PT os complô, é assim a leitura, é originado nos partidos de direita.
A leitura do PT imaginário ajuda a suportar o mundo do PT real, pois cria a presunção da inocência absoluta, revolucionários estão sempre certos, e joga no colo do adversário toda a culpa. Não há jogo melhor para deixar reforçar a unidade do grupo e tranqüilizar as consciências do que usar o que já está na cultura coletiva.
Lula sempre foi muito direto nesses argumentos e nunca perdeu muito tempo, indo direto para a acusação e postulando a presunção revolucionária da inocência absoluta.
Foi essa a magia que transformou na cabeça petista o caixa dois de campanha, realizado a partir de algum tipo de apropriação privado do público, numa coisa “normal”.
Enfim, tudo que é feito por um revolucionário tem justificativa e é correto. É por trás desse biombo que circulam José Dirceu e seus esquemas.
O erro fatal de Palocci foi não ter se apropriado dos recursos públicos para o “bem comum”, mas apenas para vantagens próprias.
A auto-liberação e a auto-justificação, a dicotomia esquerda/direta, facilitadora da visão simplificadora do mundo, têm um papel fundamental para a manutenção do status quo e a permanência da atual Elite partidária, isso imaginando que ainda existam militantes petistas que não estejam envolvidos de alguma forma no jogo eminentemente patrimonialista, seja pela apropriação direta, seja pelos benefícios de vínculos de emprego, direto ou indireto, com a máquina pública.
Nessa leitura que fazemos a dicotomia e a auto-justificação são estratégias da Elite dirigente frente aos militantes e aliados.
Desse ponto de vista é um problema interno. Acredita quem quer acreditar, ou precisa acreditar. Porém quando esse primeiro momento de afirmação interna de poder é conectado às propostas de controle da mídia, ai a coisa começa a complicar.
A associação também é elementar: Somos todos inocentes e há um complô de direita. O complô de direita tem origem nos partidos de oposição. A mídia é controlada pela direita que dá a oposição espaço para fazer as falsas acusações, portanto só resta, para defender o povo, povo=esquerda, controlar de alguma forma a qualidade do trabalho da mídia burguesa.
Democraticamente o controle será “social”, dando voz ao “povo” pela via das autenticas entidades representativas do “movimento social”. Ponto.
A lógica é redonda, bem azeitada e perfeitamente coerente com o estilo revolucionário de acusar os acusadores.
Para não perder seu viés “democrático” Dilma desistiu do projeto desorientado de controle da mídia, que estava embutido no PNDH 3 e jogou a responsabilidade no colo do PT, indicando que entrassem no Congresso Nacional com um Projeto de Lei.
Não acreditamos que nesse momento houvesse meios de um PL no estilo ser aprovado no Congresso Nacional. Felizmente ainda estamos bem longe da Argentina nesse quesito de manipulação do parlamento. Ainda parece ser mais um elemento de formação de unidade interna. Na medida em que a Elite dirigente petista nomeia e expõe o quadro de antagonismos acaba criando fortes elementos de unidade interna.
Contudo, a movimentação populista da semana que passou, ligada à questão da taxa de juros, precisa ser tida em conta.
Alguns comentaristas, mais bem informados, já vinham pontuando que Dilma deveria buscar uma linha de aproximação com os “movimentos sociais”. E foi o que ocorreu. A cerimônia que aconteceu no Palácio, a fala de Dilma lá, logo após a manifestação frente ao BC e a passeata em direção ao Palácio, são elementos a se considerar. Embora a mídia “de direita” não tenha dado muita importância.
Em algum momento esse populismo econômico poderá ser ligar ao populismo político pela via dos movimentos sociais chapa-branca e isso poderá chegar ao controle da mídia. Para esses movimentos não faltam recursos, falta é uma bandeira e o controla da mídia está disponível.
É bom estar atento.
Demetrio Carneiro