Em se tratando de desenvolvimento e interesses nacionais ser nacionalista não seria bem o discurso midiático, a satisfação para a mídia, mas sim uma política consistente de industrialização, por exemplo. Não foi o que vimos na recente decisão sobre o IPI, com relação à propalada defesa da suposta indústria nacional de automóveis. Em nome de um projeto regional, MERCOSUL, que abriga as montadoras tradicionais do Centro desenvolvido – EUA, França, Alemanha, Japão e Itália – o governo brasileiro barrou o ingresso de veículos das montadoras da China, da Coréia e certamente os projetos da Índia.
Enfim, para supostamente para manter empregos nos posicionamos num embate entre montadoras do Centro e da Semi-Periferia. Incapaz de pensar nos termos de reduzir impostos internos para aumentar a competividade das “nossas” regionais no hoje suculento mercado interno brasileiro a brilhante lógica governamental foi de aumentar os impostos do inimigo. Certamente o governo irá ganhar mais, muito mais do que o consumidor brasileiro que irá perder. Historicamente toda defesa de mercado interno acaba é no bolso do consumidor.
Aliás já há um estudo mostrando, com muita competência, que nem mesmo o setor de auto-peças é completamente nacional. Atualmente a maior parte do segmento já está no controle de empresas de outros países.
Aquilo que parece meio ilógico tem uma enorme coerência em escala global. Do ponto de vista do capital faz todo sentido produzir aqui o que será consumido aqui. A parte do leão, o que realmente dá o lucro em escala, a tecnologia é remunerada na venda do produto e esse lucro segue para as matrizes do Centro. A política de transferência das cadeias produtivas do automóvel primeiro buscou proximidade das fontes de matéria-prima e a mão de obra barata da Periferia para ganhar os melhor dos dois mundos e vender, com mais lucro, esses veículos no Centro. Eram carros montados, com peças produzidas na periferia, vendidos aos consumidores do Centro. A crise trouxe uma nova dimensão e o mercado interno brasileiro é a bola da vez, frente ao mercado interno problemáticos dos países do Centro. A produção de automóveis no Brasil e na Argentina, para venda no mercado interno brasileiro passa a ser relevante para o capital.
Todos os discursos governamentais são apenas discursos que ocultam o fato de uma política de industrialização subordinada. Não haver real preocupação com um projeto de implementação de ciência e tecnologia nacionais, não haver preocupação com propostas de financiamento de longo prazo que não sejam as estatais, portanto controladas, não é mera coincidência. Tem fortes correspondências com os laços de relacionamento e poder de nosso Capitalismo de Estado.
Quem mostrou esses laços por meio não de teorias ou discursos abstratos fundados em lógicas de mais de cem anos atrás, foi Sérgio Lazzarini – leia a entrevista dele antes de ler o que se segue – no livro Capitalismo de Laços. Há um tipo específico de capitalismo brasileiro e essas relações condicionam políticas públicas de uma forma muito clara.
O recém promovido Leilão no quesito de energias alternativas, 12º Leilão de Energia Nova/A-3 , pode ser um belo exemplo de como esses laços condicionam as coisas.
Na Energia Eólica de 44 projetos disputados 47% foi ganhos pela Eletro-Sul e 20% pela Renova. Muito bem. A Eletro-Sul é uma subsidiária da estatal Eletrobras. A Renova por sua vez acaba de incorporar a participação da Ligth, que é subsidiária da Cemig. De qualquer forma embora tenha participação do banco espanhol Santander, os outros participantes da Renova são o Fundo Infra-Brasil e o FIP Caixa. O Fundo Infra-Brasil, por sua vez, lançado por Dilma em 2006, na FIESP, tem cerca de R$ 1 bi. Desse valor a maior parte, R$ 613 mi vem do Funcef e da Petros. R$ 287 mi são do BNDES. A gestão do fundo é do, Hong Kong, ABN-AMRO. Queiram anotar que os Fundos de Pensão são controlados pelos mesmos sindicatos que aplaudiram a medida de aumentar o IPI na "defesa dos empregos brasileiros".
Contudo, nem a Eletro-Sul, nem a Renova são fabricantes dos equipamentos. Ambas irã instalar o equipamento e organizar a conexação com o sistema nacional. Quem fabrica os geradores eólicos, a parte do leão, são a alemã Siemens, a americana GM e a “argentina” Impsa. Evidentemente são indústrias “nacionais”, já que Siemens e GM fabricam aqui no país e a Impsa está protegida pelos acordos do MERCOSUL. Aliás a três já reclamaram da concorrência de outros equipamentos "estrangeiros" e já disseram que estão no seu menor preço possível. é de se imaginar que vá aparecer um outro ato de aumento de IPI contra os invasores.
Enfim, uma perfeita divisão de trabalho entre o capital público, via fundos de pensão e BNDES e o capital internacional. Evidentemente não se trata de recuperar os anacrônicos discursos usados de forma enganosa por esse governo ou por segmentos totalmente alienados e superados historicamente da esquerda mais radical.
O Brasil é país de Semi-Periferia e como tal tem seu papel na divisão internacional de trabalho. Há uma forte correspondência entre o fato de sermos exportadores de commodities, consumidores de tecnologia do Centro e a estrutura de poder tanto na Coalizão Vencedora, na política, como os laços que ligam o Poder Real. Não se trata do imperialismo diabólico, mas de uma lógica de integração entre o poder local brasileiro e o poder em escala mundial.
Do ponto de vista estritamente brasileiro falta ainda uma clara percepção prática sobre o papel do capital social e da produção de ciência e tecnologia nacionais. Não se trata de um nacionalismo retórico, como o governamental. Trata-se de perceber que desenvolvimento tem conexão com a produção de inovações e que as inovações têm conecção com a produção de ciência e tecnologia próprias e que nada disso funciona se não houver fortes investimentos do Estado, das empresas, que vão fazendo a sua parte, e da sociedade em capital humano.
O grande problema com a atual política industrial é que ela só mira no emprego e na renda do emprego. Nesse sentido é claro que mesmo essa aliança é melhor do que coisa alguma., mas mirar em emprego e renda nesse formato é mirar no crescimento dependente. Dependente por que a tecnologia não é nacional. Ela está submetida aos interesses produzidos fora do país. Não é por isso que mantivemos e ainda mantemos as nossas “carroças”? Nossas carroças não estavam ligadas ao interesse de usar aqui as tecnologias vencidas pela concorrência no centro?
Muito ao contrário do que imagina o nacional-desenvolvimentismo dominante nos seus delírios sobre a política econômica não vai haver despesa de governo ou corte de juros que traga o desenvolvimento se o modelo não mudar.
É o pato somos todos nós, mas principalmente são aqueles que imaginam estar fazendo ou defendendo uma coisa e estão fazendo e defendendo justamente o contrário.
Demetrio Carneiro