Tem aqueles que ainda insistem, tanto tempo após a queda do muro e da desarticulação do discurso tradicional de esquerda, que os altos juros pagos pela Dívida Pública brasileira são resultado da ganância dos banqueiros e de seu conluio com os agentes de governo.
Não se dão conta de que comprar Dívida Pública de qualquer governo é questão de oportunidade e risco.
É evidente que o dinheiro que compra a dívida é resultante de um excedente pode estar sendo aplicado especulativamente, como parte da economia financeira, ou pode estar aplicado ali com a finalidade de cumprir tempo de amadurecimento de projetos de investimento na parte real da economia.
Também pode ser evidenciado que o capital internacional, olhando para o Sistema-Mundo capitalista, tem uma dupla função buscando oportunidades de ganho nos mercados internos os Estados-Nação e ao mesmo tempo financiando as Dívidas Públicas dos Estados-Nação. Quer dizer, ao mesmo tempo que se beneficia dos mercados locais o capital, enquanto entidade global, também financia os Estados-Nação para que eles possam interagir com as economias locais, o que obviamente se dá também em favor das oportunidades de investimento do capital. É isso que explica os movimento tão comemorados da China, e sue Capitalismo de Estado nada socialista, por exemplo, ao comprar títulos dos governos europeus ou, antes, americano: Estão apenas ajudando os governos locais a se manterem estáveis pra que possam permanecer como oportunidades de investimento sadias...
Seja como for não é o capitalismo predador que captura governos. São governos que politicamente decidem ir muito além de suas capacidades tributárias e precisam de recursos para isso. São decisões de política que fundamentam a criação de dívida pública e todas estão ligadas à necessidades de financiamento do Estado. Simples e direto. Todo o resto da história é ideologia e desculpas bastante frágeis.
A excessão americana apenas confirma a regra. O investidor global olha para seu portfólio e para o lucro médio do portfólio. Sua tendência será distribuir investimentos em dívidas estatais a partir dos componentes de muito lucro e nenhum risco. Então, recursos podem ser aplicados com nenhum lucro, mas nenhum risco e com muito risco relativo, mas muito lucro. Ou podem ser aplicados por decisões estratégicas, como no caso da compra de títulos americanos pela China ou da compra de títulos das economias periféricas da Zona do Euro, feitas pelos bancos franceses e alemães. Aliás essa compras estratégicas são a razão do pesadelo dos governos da Alemanha e França.
Ao contrário do mercado controlado pelo Estado os mercados financeiros são mercados livres e as taxas variam conforme as necessidades dos tomadores. Se vc precisa de muito dinheiro e sempre e não estiver na lista estratégica de alguém, muito provavelmente pagará juros bem altos.
Os gráficos, acima, que estão no artigo de Martin Wolf no Financial Times de hoje, 14, são bem elucidativos até para quem não entenda muito de gráficos. Mostram de forma mito clara como os juros pretendidos pelos tomadores da dívida pública vão crescendo à medida que aumenta o clima de insegurança. Claro, a nossa Dívida Pública não é tão “insegura” quanto a grega ou a italiana, agora. Mas certamente as nossas necessidades de muito dinheiro são permanentes. Quem tiver alguma dúvida dê uma olhada no Orçamento Geral da União e veja lá quanto é o total de “rolagem anual” da DP. Vá ao Orçamento Fiscal e veja quanto se para anualmente de juros. É óbvio que o que se paga de juros está vinculado ao valor da rolagem. Depois de olhar o OGU podemos concluir que rolamos de dívida muito mais do que arrecadamos.
A rolagem da DP brasileira tem problemas estruturais elementares. O principal é o curto prazo.Tomamos recursos externos para emergências é claro. Mas basicamente tomamos recursos externos para financiar projetos de médio e longo prazo. Como no caso do BNDES e seus R$ 230 bi. Agora, nossa pressão por recursos é tão forte que os tomadores da nossa dívida podem oferecer prazos menores e nós temos que aceitar. Que tomador não prefere oferecer prazos menores que facilitem novas e permanentes repactuações? Enfim, tomamos recursos de curto prazo para financiar projetos de médio e longo prazo. Há uma incoerência básica ai.
Muito bem. Voltando ao início. Nossa DP custa caro, mas muito caro mesmo, pela simples razão de que precisamos muito desses recursos, pois não temos capacidade própria de arrecadação e nossos gastos reais vão muito além dessa capacidade. A proposta de políticas de superávit, bem longe de ser uma proposta “neo-liberal” está ligada não tanto à liquidação da DP, embora, pelo menos, ajude a pagar parte dos juros, cujo valor é maior, mas ao fato de pelo menos evitar mais dívidas. Mas evitar mais dívidas não porque não possamos dever mais. De fato podemos, a participação da DP sobre o PIB é considerada pequena. O problema de contratar novas dívidas está ligado é à contratação de dívidas feita de forma completamente desfavorável tantos pelo prazo quanto pelo custo. Antes de pensar em dever mais deveríamos pensar em gastar menos e buscar meios de reduzir nossas desvantagens.
Questionamento da dívida, auditorias, não pagamento, são estratégias políticas fundadas num passado de lutas anti-imperialistas, nacionalistas, independentizantes etc. Mas são principalmente estratégias que apenas tapam o sol com a peneira. Nenhuma dessas atitudes muda a realidade concreta. As necessidades de financiamento do Estado são imperiosas e determinantes. São elas que deveriam estar sendo debatidas. Fosse esse um debate mais sério.
Demetrio Carneiro