Há uma enorme facilidade para escrever sobre divisões entre heterodoxia e ortodoxia, facilita e simplifica a leitura do mundo criar dicotomias. Se é para ir por ai achamos que o grande problema é estabelecer o quanto ortodoxos os heterodoxos poderão ser, na insistência de que o problema central é crescer a qualquer custo....Quer dizer, há uma forte ortodoxia nessa heterodoxia governamental e ela é fundada numa “necessidade” de sobrevivência do projeto político deles e não em lógicas de pensamento econômico.
O Professor Cardim, na matéria abaixo, fala de um excesso de cautela em querer manter as políticas de Estabilidade e o que a gente vê agora é um excesso de cautela não correr riscos políticos desacelerando a economia.
Talvez até tenha sentido, pois eles sabem que todo o processo de promoção social que gerou esse movimento para cima ao longo das faixas de renda tem sustentabilidade muito discutível. Há discursos governamentais que deixam bem claro essa questão nas entrelinhas, principalmente aqueles ligados ao Brasil Sem Miséria.
A pressa em promover esses indivíduos e buscar obter retornos eleitorais acabou eliminando qualquer debate sobre a “porta de saída” do Fome Zero, por exemplo, e essas portas se fundamentam em políticas públicas voltadas para a sustentabilidade de longo prazo. Algo muito parecido quando foram sendo incorporados ao sistema previdenciário segmentos como idosos, trabalhadores rurais, domésticas apenas como manobra para retirar esse custo do Orçamento Fiscal. Havia a pressa em incorporar renda, mas nenhuma preocupação com as conseqüências dessa decisão.
Nesse quadro não crescer tem fortes implicações, pois pode significar para o governo não apenas o fim dos mecanismos de renda extra, livre de contingências, viabilizados pela subestimação das receitas, mas uma forte quebra no padrão de consumo das classe C, já que o governo não conseguirá manter o ritmo de consumo apenas com transferência de rendas.
Talvez esse receio de uma redução no ritmo de crescimento explique tanto o programa acessório Brasil Sem Miséria, são mais alguns bilhões públicos injetados na economia e diretamente na base eleitoral, e a necessidade de mais um tributo como a ex-CPMF.
Enfim, incapaz de oferecer um projeto sustentável de promoção social e de olho na sobrevivência política, de refém da Selic o governo passa a ser refém da taxa de crescimento.
Na realidade não é tão complexo lidar com um regime de Metas de Crescimento, desde que se produzam os competentes e suficientes arranjos institucionais e se perceba que antes de tudo trata-se de administrar um processo que tem fluxos e refluxos, mas o governo não pode admitir refluxos: É a ortodoxia da heterodoxia...
Demetrio Carneiro
Crise global volta a testar capacidade de reação do BC
Fonte: Folha de São Paulo, por Érica Fraga
Críticos atacam estratégia do Banco Central por razões opostas às de 2008
Economistas de perfil ortodoxo acham que instituição põe em risco a estabilidade ao defender crescimento
A capacidade do Banco Central de proteger a economia brasileira contra choques externos voltou a ser posta à prova, três anos depois da quebra do banco americano Lehman Brothers e do início da crise econômica prolongada em que o mundo mergulhou em setembro de 2008.
Ainda não há sinais fortes de contágio no país, mas ninguém duvida de que o Brasil será afetado de alguma maneira pelos problemas nas economias mais avançadas.
Como há três anos, o BC tem sido criticado por economistas que discordam da sua estratégia para lidar com a crise. Mas a forma como a autoridade monetária reagiu aos riscos oferecidos pelo cenário externo atual contrasta com o que ela fez em 2008.
Depois da falência do Lehman, em 15 de setembro de 2008, o choque chegou ao Brasil com alta velocidade. A Bolsa despencou e a cotação do dólar disparou.
O BC elevou os juros pouco antes da quebra do Lehman, quando parecia claro que o mundo caminhava para uma crise. Mas preferiu mantê-los estáveis até janeiro de 2009, quando os sinais de que o país estava perto da recessão estavam evidentes.
O BC estava preocupado com a inflação, que estava muito alta, e foi criticado principalmente por economistas da chamada corrente desenvolvimentista, para quem o BC sacrificou o crescimento do país para preservar a estabilidade de preços.
"O BC errou em 2008", diz o economista Fernando Cardim, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). "Estava claro que a economia doméstica seria afetada e o excesso de cautela tirou flexibilidade da política econômica depois", analisa.
Os países desenvolvidos até hoje não se recuperaram completamente do choque de 2008 e nos últimos meses a crise ganhou novos contorno, com as dificuldades que os EUA e vários países da Europa encontram para corrigir seus desequilíbrios fiscais.
A economia brasileira continua em expansão, mas devagar, ao contrário do que se via em setembro de 2008, quando o país crescia com vigor. Como naquela época, a inflação está alta.
Mas desta vez o Banco Central decidiu se prevenir contra a possibilidade de um agravamento da crise externa e na semana passada cortou a taxa básica de juros da economia de 12,5% para 12%.
Foi alvo de nova saraivada de críticas, agora da corrente de economistas ortodoxos. Para eles, o BC pôs em risco a estabilidade da economia.
"O papel de um banco central é agir com base em fatos concretos e não tomar decisões com base em cenários possíveis", afirma o economista Tony Volpon, da corretora japonesa Nomura.