As indicações vão nessa direção. Se vai haver tempo ou não dessas mudanças se consolidarem num patamar que leve até lá é outro assunto. Mas recados estão dados:
Os episódios de corrupção explícita na ante-sala de Lula foram uma bofetada na cidadania e não houve justificativa de teoria da conspiração que resolvesse. Da mesma forma não dá mais para separar, como Marina tentou fazer, petistas “bons” e “maus”.
O PT é a máquina que faz o que as outras máquinas fazem: Apropriação de recursos públicos. O que pode haver de diferente é a desculpa. José Dirceu saiu do governo, mas o espírito permaneceu. Os grupos ligados à luta armada contra a ditadura, que são os mesmos que hoje dominam a máquina, também não vinham problema em assaltar bancos, desde que fosse “pela revolução”. Da mesma forma o assalto aos recursos públicos desde que seja “pelo povo” não tem problemas e está liberado.
É um projeto clássico, na política brasileira, de consolidação econômico-financeira de um grupo de poder. Passa pela formação de riquezas individuais, associações com o poder real na economia e associações com o poder real na política local. Nos últimos dois casos o grupo de poder petista fica obrigado, se realmente tivessem alguma intenção ideológica, a conviver com o formato conservador de nossa burguesia mercantilista e de nossos neo-coronéis. A visão estatizante desta turma é funcional e não ideológico. Há limites claros.
Estes dois grupos de poder, burguesia mercantilista e os neo-coronéis, que existiram como focos importantes na ditadura e souberam se imiscuir sem problemas no governo Lula, podem ser fiéis da balança política e compor uma barreira anti-radical. Numa vitória de Dilma talvez venhamos constatar a mesma permanência no terreno do discurso esquizofrênico da fala desassociada da prática.
Na política o petismo não petista precisa dizer a que veio. As heranças culturais comuns da esquerda que chegou à Constituinte deram o tom da oposição mais ativa nos dois mandatos de Lula. Nos dois lados da equação situação/oposição a mesma visão estatizante (e de bases autoritárias) e o mesmo inimigo comum: O liberalismo. A diferença é que de um lado há uma esquerda “feliz”, no poder e de outro uma esquerda “infeliz”, carregando uma culpa da qual não se livra. Não é um acaso que o discurso econômico de Serra e seus aliados mais chegados, tenha sido o discurso clássico contra o rentismo. Há uma dificuldade concreta de ser oposição a um projeto que, lá no fundinho, é o mesmo. As diferenças são apenas de estilo. Também não foi fortuito o afastamento do projeto de FHC. Estes grupos que dominavam a campanha de Serra são os mesmos que durante o governo FHC criticavam a postura liberal.
A “culpa” formatou a campanha serrista equivocada. O eleitorado percebeu isso de forma clara e retirou votos de Serra. Jamais foi uma questão de “estratégias” eleitoreiras. De oportunismo eleitoral explícito. Foi muito complicado explicar ao eleitor que o projeto era comum, mas que o “meu” poder lava mais branco.
Frente a este formato, dominante a partir da escolha de Serra como candidato, o restante da oposição não tinha muito o que fazer. Que tenha ao menos ficado a lição de que se houver oposição a um governo Dilma ela não poderá se dar nas bases equivocadas de hoje.
Há sim um projeto de desenvolvimento para o país diferente do projeto atual, mas ele passa por uma revisão completa do passado e pela percepção de que há uma enorme diferença entre a esquerda clássica brasileira, parte enquistada no Estado e parte enquistada nos partidos de oposição, e a esquerda que soube apreender alguma lição e sabe manter uma linha de diálogo com o liberalismo.
Ou saberemos articular uma nova oposição, com discurso consistente, ou permaneceremos eternamente ligados a um jogo eleitoral, basicamente oportunista, de sentar embaixo da jaqueira para ver se a jaca cai de madura.
O problema é que eventualmente ela pode cair na nossa cabeça.
Demetrio Carneiro