Abaixo mais um excelente texto de AS. Aparece logo após o debate na FGV, 7° Fórum de Economia, que teve um forte foco na questão “holandesa” digamos assim. O texto de AS é uma boa resposta às especulações que lá foram feitas.
O encontro da FGV juntou opositores – pelo menos dois “fortes” da coordenação da campanha de Serra estavam lá, governistas e outros nem tanto ao céu como ao mar, numa fala comum sobre a necessidade de evitar a desindustrialização no Brasil. De alguma forma é, mais uma vez, a lógica protecionista em ação, que acaba solucionado sem resolver e, lá na frente, acumula outros problemas. Embora alguma fala tenha deixado bem claro o papel da questão estrutural na capacidade de concorrência. Não por acaso foi feita por um empresário.
Pressões de todo lado
Como seria de se esperar pressões já se acumulam desde agora sobre um possível futuro governo Dilma Roussef.
O Fórum, e sua demanda protecionista, foi apenas um ponto localizado. E foi um pouco a realização da profecia de Nakano de que 2010 seria um debate entre keynesianos.
Lula já sai em campo falando sobre seu papel na investida de reforma política. É evidente que a reforma política de Lula não será apenas funcional, para manter a sua pipa no ar. Deverá cumprir pelo menos mais três funções: Ditar a agenda política do novo governo; Garantir a consolidação petista e servir, em alguma medida de contrapeso ao PMDB.
Postas as coisas assim Dilma fica contra a parede e talvez tenha mesmo que criar um fato novo, conforme Volpon colocou no “Primeiros 100 dias de Dilma Roussef”.
Numa paralela ao movimento de Lula tem José Dirceu e seu grupo buscando servir de caixa de repercussão da posição de grupos mais a esquerda no PT, na base aliada e até na oposição, que pretendem algum tipo de revisão na política econômica “conservadora”. O foco direto deles é Palocci, visto como o responsável pela possível continuidade da política de estabilidade. A “herança maldita” agora é de Palocci.
Do ponto de vista de reformas certamente a previdenciária e a tributária terão que passar por pesadas questões corporativas e logo de saída por negociações com o PMDB, partido que tem desde sempre levado com a barriga estes debates.
Um ponto de forte impacto poderia ser a mudança do perfil da tributação de regressivo para progressivo. O que, aliás, está no programa do último Congresso do PT. O problema é quem cobrirá a conta. Não parece que a classe média urbana, o grande ator político deste Brasil contemporâneo, esteja disposta a isto.
Novamente concordo com Tony e acho que o foco, mantidas as premissas econômicas, será mais para mudanças e correções com relação à política econômica, buscando melhorar expectativas positivas quanto aos juros mais baixos e ao câmbio menos pareciado, que no final do dia, é o grande “ponto comum” entre oposição e situação. Apontar e conseguir soluções nessa área realmente pode mudar o jogo e colocar um novo significado a um governo Dilma.
De qualquer forma fica evidente um fortíssimo quadro de pressões e de todas as origens, com todas as finalidades. O governo Lula foi um pouco palco desses eventos e acabou navegando entre eles, mas ao custo de não fazer nada. Inclusive as reformas de Lula, que sempre fugiu delas, inesperadamente descobriu que sempre quis fazer.
Uma pergunta é inevitável: Como a atual oposição pretende se movimentar nesse quadro? A presença, entre governistas, de assessores diretos de Serra no Fórum da FGV quer dizer alguma coisa?
Dúvidas e perguntas no ar...
Demetrio Carneiro
De Carrópolis a Frangoburgo
Os 17 leitores já notaram minha preferência pela parábola como meio de transmitir uma ideia. Por mais que a patente falta de realismo dessas fábulas possa ofender as mentes mais apegadas à realidade imediata, não é de hoje que creio que, para entender a realidade, o melhor é se distanciar dela o tanto quanto possível. Peço, assim, novo esforço de imaginação.
Considere uma empresa que produza carros e frangos e os venda em duas cidades: Carrópolis (onde as pessoas só consomem carros) e Frangoburgo (onde o galináceo é o único bem de consumo). Cada produto responde inicialmente por metade da receita da empresa.
Carrópolis, porém, foi assolada por uma grave crise, reduzindo 20% seu consumo. Por outro lado, Frangoburgo manteve seu ritmo de crescimento, expandindo 20% suas compras. Embora a empresa tenha mantido inalterada sua participação de mercado nas duas cidades, tais desenvolvimentos levaram a uma mudança considerável do perfil das suas vendas: carros representavam apenas 40% das receitas, enquanto frangos respondiam por 60% do faturamento.
Ao ver estes números um consultor externo sugeriu ao Conselho que o novo perfil das vendas refletia um sério problema de competitividade justamente no seu produto tecnologicamente mais avançado e que em breve estaria limitada às vendas de frango. Quando as gargalhadas cessaram, o diretor comercial, apiedado, sugeriu ao consultor que, caso quisesse continuar no ramo, não seria má ideia ter noção do que ocorria com os mercados consumidores.
De volta da fábula, observamos uma mudança expressiva na composição das exportações brasileiras no período que se seguiu à crise externa: em agosto de 2008 produtos manufaturados representavam 48% das exportações, enquanto produtos primários eram apenas 36%. Em junho de 2010 estas proporções haviam se alterado para 42% e 41% respectivamente, fazendo alguns preverem para breve o retorno do país à condição de exportador de produtos primários.
Para ser sincero, fosse isto verdade, eu não me preocuparia muito (Austrália e Nova Zelândia, por exemplo, vão muito bem nesta condição), mas o ponto principal não é este, e sim que, como nosso consultor hipotético, defensores desta tese não parecem ter se preocupado com o que possa ter acontecido do lado dos mercados consumidores de produtos brasileiros.
Mantendo o paralelo, podemos pensar no Brasil como um exportador de manufaturas para América Latina*¹, EUA e União Europeia (Carrópolis, que absorve 71% das exportações de manufaturados) e produtos primários para a China (Frangoburgo, destino de 26% destas exportações). Carrópolis e Frangoburgo respondem em conjunto por pouco mais de 60% das exportações nacionais.
As importações de “Carrópolis” caíram 20% entre setembro de 2008 e junho de 2010, enquanto as exportações brasileiras para lá diminuíram 23%, implicando modesta perda de participação de mercado (1,28% contra 1,33%). Por outro lado, as importações chinesas cresceram 8% no período, mas as exportações brasileiras para lá aumentaram 42%, das quais produtos primários (80% do total exportado para aquele país) cresceram 55%.
Assim, caso as importações carropolitanas tivessem crescido o mesmo que as frangoburguesas/chinesas, as exportações brasileiras de manufaturados teriam atingido 46% do total exportado, praticamente a mesma proporção pré-crise (já considerando os efeitos de importações maiores dos EUA e UE sobre as exportações primárias).
Como em nossa fábula, portanto, os números mostram que a mudança na composição das exportações brasileiras reflete (quase) integralmente as alterações do comércio mundial – em particular o crescimento chinês e a retração de EUA, União Europeia e América Latina – e não um problema de competitividade. Mas que relevância têm os dados para o pessoal que já tem as respostas prontas?
Assim, caso as importações carropolitanas tivessem crescido o mesmo que as frangoburguesas/chinesas, as exportações brasileiras de manufaturados teriam atingido 46% do total exportado, praticamente a mesma proporção pré-crise (já considerando os efeitos de importações maiores dos EUA e UE sobre as exportações primárias).
Como em nossa fábula, portanto, os números mostram que a mudança na composição das exportações brasileiras reflete (quase) integralmente as alterações do comércio mundial – em particular o crescimento chinês e a retração de EUA, União Europeia e América Latina – e não um problema de competitividade. Mas que relevância têm os dados para o pessoal que já tem as respostas prontas?
* Alexandre Schwartsman, 47, economista-chefe do Grupo Santander Brasil, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley, e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil (http://maovisivel.blospot.com/ e
*¹ Argentina, Chile, Colômbia, México e Venezuela.