Diferentemente das eleições estaduais e municipais em que os gatos podem ser todos pardos, nas eleições presidenciais as posturas tendem a ficar mais claras. Pensando assim, os mais de 43 milhões de votos dados ao candidato de oposição dizem alguma coisa.
Para mim a questão é saber se viram capital político ou serão postos de lado.
Talvez a primeira coisa seja não confundir os apelos voltados para deixar mais serena a política com puro e simples adesismo. Voltaremos todos ao nosso lado brasileiro-cordato.
Sempre na linha de bom-senso foi FHC o primeiro a tocar no assunto. A seguir manifestou-se aquele que se julga herdeiro do espólio de votos: Aécio. Ambos falaram na sequência de outra fala agressiva de Lula, o pequeno, sobre o Serra “pequeno”. Lula, como sempre, tentava pregar em outro sua própria prerrogativa e parecia acenar com a continuidade pós-eleitoral do festival de agressões, a tudo, inclusive ao seu cargo, que ele mesmo começou cerca de dois anos atrás quando decidiu com seu grupo lançar Dilma.
As mensagens de FHC e Aécio são compreensíveis e válidas, mas não são uma abertura de porteiras no que já parece ser a leitura de alguns oposicionistas de ocasião mais apressadinhos.
A hora agora é de observar. Dilma está com as brancas e tem nas mãos a possibilidade de confirmar ou enterrar vaticínios. Como muitos sinais contraditórios foram emitidos são muitos os vaticínios.
Apenas para registrar, a proeminência de Palocci, a manutenção das linhas gerais da política de estabilidade econômica com todo o seu séquito são muito pouco compatíveis com os Conselhos “Sociais” de Mídia, por exemplo. Apontam para lógicas completamente diferentes. Suas bases políticas não falam a mesma linguagem.
Dilma terá que estabelecer na prática o que é passivo e ser carregado ou descartado.
De qualquer forma ela começa seu governo credora de muitos forças que parecem caminhar em direções divergentes, embora possam convergir em aspectos táticos:
Lula, o pequeno e seu grupo representam um forte vetor de restrições. Muito evidente que Dilma foi plantada para Lula continuar sendo pequeno. Também é evidente que seu grupo estará nos primeiros lugares da fila para compor a nova equipe.
Os setores radicais do PT e aliados. Esses setores vêem realizando intensas mobilizações e na reta final prestaram grande ajuda à campanha. Apesar da mobilização de toda a máquina federal, apesar de toda a dinherama despejada, é muito provável que Dilma tivesse problemas sem a participação ativa desses grupos. A estratégia de organização dos Conselhos Estaduais de Mídia mostra que estão ativos e funcionam em rede nacional coordenada. Isto dá outro tipo de protagonismo.
O PMDB. Na realidade se contássemos com a leitura de senso comum sobre a popularidade de Lula, o pequeno, somada às dimensões do PMBD, Dilma deveria ter sido eleita por mais que seus 54,9 milhões de votos ou cerca de 40 por cento do voto dos eleitores aptos ou 28,4 por cento dos votos sobre a população geral. Visto assim o auxílio do PMDB precisa ser bem relativizado.
Contudo ainda resta aguardar, já que caberá ao partido outra função concreta no próximo governo: Estabilizar a base da situação no Congresso Nacional.
Isso é muita coisa. A oscilação de postura do partido pode transformar rapidamente a maioria governamental em minoria. É muito poder.
E Dilma, ela mesma? Essa é a maior de todas as incógnitas. Estas campanha eleitoral trucada foi a seu favor, dispensando-a de dizer com clareza o que realmente pensa, embora o movimento intencionar de se deixar levar por Palocci tenha lá seu significado. Se vamos entrar ou não no terreno proposto por Tony em sua leitura sobre os 100 primeiros dias logo saberemos. Pois eles passam rápido.
Há toda uma equipe a ser montada. Logo começarão a ser confirmados os nomes da equipe da transição e as coisas ficarão mais claras.
Do lado de Serra fica propriamente a lição, que não foi apreendida na eleição de 2002: Arrogância só dá certo quando você tem poder real nas mãos.
A arrogância de Lula, o pequeno deu certo. A de Serra deu errado.
A campanha em si teve pontos extremamente negativos. Muito eu vim abordando ao longo dos últimos meses e não me furtei de criticá-los abertamente.
Para mim, pessoalmente, o ponto mais vulnerável foi a passividade de todos frente às decisões claramente erradas emanadas “daquele-que-tudo-sabia”. Como não é onipresente dá para imaginar é que havia um grupo “que-tudo-sabia” e deve ter colaborado muito para enterrar a campanha.
Evidentemente não é nada fácil enfrentar toda a máquina de governo e a leniência de uma Justiça Eleitoral amorfa e passiva. Aliás para quê Justiça Eleitoral? Já não está na hora de eliminar esse item de despesa?
Mais centrada e menos arrogante a campanha seria certamente mais interessante.
O elemento de piada foi ter divulgado o programa de governo no dia anterior à eleição do segundo turno. Piada de mau gosto, pois mostra o completo desprezo pelo debate de propostas. Mostra a intenção manipulatória de quem a apontava nos adversários, mas não reconhecia as suas próprias.
Com um forte núcleo na questão do desenvolvimento sustentável talvez não tenha sido divulgado para não constranger Marina e tenha acabado esquecido em algum armário da sede da campanha lá em São Paulo. Provavelmente na véspera alguém se lembrou que Serra não poderia ser derrotado, desculpe, eleito sem apresentar um programa de governo. Ai divulgaram o “plano secreto” de mais de 300 páginas. Um enorme desperdício de tempo e capital social, já que havia no paralelo uma lista de debates especificamente voltada para as questões produtivas. Ali ficou configurada a abordagem manipulatória.
A oposição ao mandato de Lula, o pequeno, foi uma sequência de estratégias discutíveis. A lógica agressiva e denuncista, casada com uma completa inexistência de proposições comparativas, jogou um jogo que levou a lugar nenhum.
Além de aguardar o primeiro lance das pedras brancas os segmentos de oposição deverão se reinventar mesmo.
Três governos seqüenciados, no formato como opera nossa República de Resultados e nossa Federação de Brinquedo, pesarão muito nos próximos anos e poderão criar um estilo de oposição mitigado. O PSDB tende a ser um partido de governadores, influentíssimos governadores é bom dizer, num país onde a política de governadores é sempre de acomodação com o governo central. Não é difícil imaginar que seja, principalmente nos estados onde governa, um partido de prefeitos buscando acomodação, também.
Devemos acrescentar uma atitude esquizofrênica que dá apenas aos parlamentares a função visível de oposição, como se não houvesse tensões administrativas entre os entes federativos.
O executivo nesta lógica se transforma numa oposição silenciosa. O que manda mensagens contraditórias. Aliás. é o que Serra fez. Foi um magistrado.
Quando da votação da Constituição mecanismos foram criados, é disso que o governo central reclama e chama de engessamento, para garantir que recursos chegassem a estados e municípios independentemente das alianças políticas.
Certamente os executivos preferem não testar essa lógica e jogam no colo dos parlamentares o papel oposicionista.
Pode ser que esse fato ajude e muito a definir o estilo de oposição que fomos.
Logo chegaremos a 2012. Se insistirmos em não travar o debate programático, se não questionarmos claramente esse modelo de desenvolvimento, logo a força dos três governos se fará manifestar e o poder de pressão de um Estado que é o Estado de uma das maiores economias do mundo fará o resto.
Demetrio Carneiro