A avaliação geral do governo Roussef vai repetindo as mesmas lógicas da campanha e se transforma numa avaliação de partes que só vai servir para complicar, como, de fato, complicou na campanha e já vinha complicando antes.
A grande questão é como Dilma Roussef irá responder ao desenvolvimento enquanto uma totalidade de questões que se falam e não como ela irá “solucionar” ou “continuar” cada qual isoladamente. É este o debate que jamais houve.
O debate da economia é um exemplo.
É evidente que manter o controle da inflação é relevante, mas é evidente que taxas reais de juros muito altas impactam na formação continuada da dívida.
Também é evidente que o giro da dívida está atrelado aos prazos reduzidos que se obtém no mercado e a necessidade absoluta de obter recursos para garantir o giro. Fácil de entender: O valor total da dívida mais renovação e juros, que transitam pelo Orçamento Geral da União, se somados, são maiores que o valor arrecadado pelo Estado. Os valores arrecadados são suficientes para pagar custeio, um mínimo de investimentos, os juros e amortização. O grosso entre no OGU como receita, do lado esquerdo da contabilidade. Mas é receita obtida na venda de novos títulos que renovam as dívidas que vão vencendo naquele exercício. São valores superiores a R$700 bi. Não há muito espaço para debate com investidores aqui. O mercado ciente da premência sabe jogar com prazos pequenos e juros bem altos. As autoridades sabem que para a máquina continuar rodando devem fazer o jogo. O Brasil tem juros reais excepcionais porque tem uma estrutura de dívida apertada e sinaliza que quer continuar devendo sempre mais. As discussões sobre dívida líquida e bruta passam um pouco ao largo dos números que estão no OGU e do que se tem que fazer para manter a roda girando.
A discussão de redução do superávit para “garantir” programas sociais ou a lógica criadora do super-ministro relativizando a meta de inflação para reduzir os valores da taxa SELIC passam por essa questão mais elementar de ter que manter taxas reais mais altas como única forma de manter esse perfil de dívida. Pode mudar o perfil? Talvez até possa, mas certamente os velhinhos aposentados do mundo desenvolvido irão querer ver planos de governo bem mais consistentes que o atual.
A política econômica de governo se dá em um espaço sistêmico onde cada elemento influencia e pode determinar ou sobredeterminar os outros.
De qualquer forma o que parece que não ficou claro para muitas pessoas é que é a Estabilidade (assim mesmo, como letra maiúscula) é peça central que qualquer política econômica que se pretenda minimamente sustentável.
Há inúmeras propostas “criativas” para adaptar a política de estabilidade mais ao gosto da cultura de esquerda. Essa do Mantega é apenas uma delas. Há outras que olham para uma quebra da autonomia do BC para estabelecer a taxa SELIC.
A questão não é tão complexa. A idéia central da proposta de estabilidade é tripla:
- Manter os preços da economia num patamar de crescimento suficientemente baixo ao ponto de não afetar a dinâmica dos preços relativos vista pelo lado do valor real da moeda;
- Manter a máquina de governo operando de forma sustentável, se mirados o médio e longo prazo;
- Manter um câmbio realista, que reflita as relações com o resto do mundo.
Então, quebrem a autonomia do BC, relativizem as metas e controlem o câmbio por decreto. Vamos conferir se este novo conceito de estabilidade é estável e sustentável.
Na questão cambial uma observação: A grande gritaria da indústria nacional na realidade não é contra o dólar, mas contra a economia chinesa.
O fato é que a indústria nacional atua praticamente na mesma linha da indústria chinesa. O fato é que foi o Brasil o fiador da China na OMC e agora fica obrigado a trabalhar dentro das regras da instituição.
Mas não é apenas isso. O Brasil vai brigar comercialmente com seu maior comprador? Os EUA vão brigar comercialmente com o maior detentor individual de títulos do tesouro americano?
Alguém realmente acredita que alterar por decreto a apreciação do real vai resolver?
Alguém acha mesmo que o problema é o baixíssimo salário pago aos trabalhadores chineses?
Aliás, é elogiável e patriótico o absoluto silêncio de nossas poderosas centrais sindicais quanto à situação do trabalhador na China.
Se os trabalhadores brasileiros ganhassem a miséria que ganham os chineses a coisa estaria resolvida?
Esta é a única vantagem competitiva da China? Não são muito melhores do que nós também na infraestrutura, nas operações e nos investimentos em P&D e inovações?
Ai está o ponto. O debate da economia e de todo o resto, educação, saúde, meio ambiente, investimentos, P&D, integração regional etc. não vai a lugar algum se não partir de outro modelo de desenvolvimento que apresente as soluções que esse modelo é incapaz de apresentar.
Na realidade ter bons fundamentos ou praticar boas políticas de estabilidade, que é onde o debate atual estacionou, é apenas o dever de casa. Sem um projeto de desenvolvimento muito mais consistente que o atual o que iremos perseguir será a mesma mediocridade do crescimento das últimas décadas. Aquilo que o governo atual comemora como meta, o PIB na faixa de 5%, está muito longe de ser o nosso potencial, mas no atual modelo até mesmo essa meta corre risco frente a nossa total vulnerablidade à economia internacional.
Demetrio Carneiro