quinta-feira, 10 de junho de 2010

VAMOS VIRAR A CHINA?

O PIB anualizado deu um salto. De previsões que falavam em 7 % fomos para 9% ou 11%, conforme o termo de comparação. Epa, isto é ritmo chinês. Então, vamos virar a China?

Talvez a pergunta esteja mal formulada. Não tanto que viremos a China, pois antes devemos procurar saber se podemos ser a China.
A China exporta basicamente produtos acabados e avança a passos largos para aumentar significativamente sua pauta de produtos de média tecnologia. Nós exportamos commodities para a China poder exportar seus produtos acabados. Aquele produto chinês que chega à Europa ou Estados Unidos ou até mesmo por aqui ou pelo Paraguai, tem certamente um pedaço do Brasil. Apenas é o mais barato.
O forte argumento chinês é a total falta de direitos trabalhistas e os baixíssimos salários. Nossos sindicalistas na China já estariam na prisão há muito tempo. Nossos trabalhadores jamais trabalhariam pelo dobro do que ganham seus colegas chineses.
A China trabalha numa lógica de articulação regional produzindo partes de seus produtos em outros países na base do menor custo. Para isso contribui toda uma infraestrutura de logística e transportes barata e eficiente. Não podemos falar o mesmo. Nossa economia não tem nenhum grau de integração regional. O discurso de Serra contra o MERCOSUL, embora o petismo tenha tentado manipulá-lo, tem esta forte vertente, além de demandar as relações bilateriais.

Os termos de comparação mostram que podemos ter pontualmente números chineses, mas estamos muito longe de poder ser a China.
Mas, afinal como chegamos a ter esses números e como podemos lidar com eles?

O conceito de PIB mede basicamente o crescimento econômico e é um termo de comparação.
No caso estamos comparando, por exemplo, o ano de 2009 com o ano de 2010. Normalmente o melhor termo de comparação é o que divide o ano fiscal em trimestres. Teremos, então, 4 trimestres.
Daí podemos comparar, por exemplo, o primeiro trimestre de 2009 com o primeiro de 2010 ou o último de 2009 com o primeiro de 2010.
Tendo sido o ano de 2009 um ano especialmente deprimido evidentemente havendo crescimento todas as comparações serão favoráveis.
Se, por exemplo, compararmos o primeiro trimestre de 2009, com o primeiro de 2008 teremos uma queda na expansão de -1,5% em 2009.

Contudo, mesmo olhando para o número isolado, um crescimento de 2,7% no primeiro trimestre de 2010, comparado com o último trimestre de 2009, se anualizado, ou seja se imaginarmos de os outros três trimestres de 2010, repetirão o mesmo desempenho, nos dá um número na casa de 11,12%, já que não estamos falando em soma linear, mas levamos em consideração a repercussão um trimestre sobre o outro.
Seja como for é um número alto.

Vamos olhar diretamente para o que gerou esse crescimento. Nesse sentido o número que mais chama a atenção é gasto com investimento. A Formação Bruta de Capital Fixo cresceu 26% ( 1º trim. 2010/ 1º trim. 2009 ). É o maior crescimento desde 1995. Com destaque para a produção de máquinas e equipamentos. Isoladamente é um belo número e mostra uma forte intenção de sustentar o crescimento com os investimentos necessários. Contudo o nosso PIB chinês exigiria uma FBCF chinesa e a chinesa é um pouco menos que o dobro desta que ai está.

Um outro número a ser destacado é o da construção civil com forte incremento, o maior desde 1995, provavelmente em decorrência do “inpulso” dado pelo governo na questão habitacional em decorrência do PAC.

A notar-se o consumo interno total , famílas mais governo, tem uma participação do governo de 22%, o que indica ainda uma taxa muito alta de estímulo a economia, num momento onde a economia está acelerada. O consumo das famílias apresenta crescimento contínuo nos últimos dois anos.

Outro ponto é a importação. Evidentemente parte do crescimento precisa ser sustentado com importação de bens e serviços do exterior. A aceleração do crescimento acaba acelerando a importação que cresceu, comparativamente, cerca de 40%: material eletrônico, madeira e mobiliário, material elétrico, siderurgia, outros produtos do refino, veículos automotores e químicos diversos. Automóveis?

Como vimos na abertura não somos a China. Então onde nos levam esses números?
Pode parecer incrível, mas crescer aceleradamente e de forma sustentável depende de certas condições objetivas e uma boa parte delas nos levam ao debate do chamado Custo-Brasil, que pode ser visto como um conjunto de condições não cumpridas para sustentar o crescimento.

Para crescer em ritmo chinês o país deveria poder ter investimentos, infraestrutura e outros itens importante como qualificação de mão de obra. Isso nós não temos.

Dois ciclos de governo, sendo em boa parte numa situação internacional excepcionalmente favorável, não foram suficientes para mudar as lógicas do processo e hoje mesmo que tenhamos relativa abundância de oferta de investimentos estrangeiros não temos não apenas a necessária infraestrutura que nos dê capacidade de competição e produção a custos menor. Não temos também mão de obra qualificada em quantidades suficientes. Nosso quadro é de excesso de mão de obra desqualificada e falta na outra ponta. Isto em pleno boom do chamado “bônus demográfico” que deveria ser uma vantagem competitiva do Brasil com relação aos países desenvolvidos.

É bom anotar na nossa agenda três questões:

- Um crescimento acelerado sem contrapartida na expansão também acelerada da base material da economia, a tal questão do PIB real versus o PIB potencial, é inflacionário, pois gera pressão sobre os preços da economia. Deste ponto de vista a desaceleração do gasto público é um importante componente. Nosso problema principal é que boa parte do gasto público criado nos anos recentes é de curso obrigatório. Mantido o ritmo é previsível uma inflação maior que a esperada. Infelizmente nem sempre crescer a todo custo é uma solução sustentável;

- A crise econômica começa a tomar uma feição diferente e mais grave na Europa. Daí duas questões interferem diretamente em nosso crescimento.
Na primeira temos o problema de nossa fraquíssima capacidade de poupança interna, tanto pública como privada, que nos leva na direção de necessitar de investimentos externos. Os atuais e ambiciosos planos de crescimento dependem totalmente desses capitais. Não é impossível imaginar uma queda no fluxo em função da margem de insegurança pela crise na Europa. A Europa é lá e nós estamos aqui? Nem tanto. Vejamos abaixo.
O Brasil fornece para a China etc. A China fornece para a Europa e os Estados Unidos. Nesse momento o mercado mundial de commodities está bem acelerado, mas muito mais por conta de uma nova bolha especulativa. A bolha das commodities. Na falta de opções muitos investidores apostaram nos países emergentes via commodities. Com a crise na Europa não é difícil imaginar uma redução da demanda para a China. Também não é difícil imaginar que os especuladores prefiram realizar seus lucros. O que poderá levar a um achatamento do mercado de commodities. Como elas são, nos últimos 500 anos, nosso principal item na pauta de exportação, evidentemente poderemos ter repercussões sérias por aqui. Lembrem a forte expansão das importações.

- Estamos crescendo muito, agora, mas é esse exatamente o crescimento que queremos? Nossas escolhas são apontadas para qual tipo de economia? Aquela não sustentável no longo prazo ou para uma economia ambientalmente sustentável?

Então, vamos comemorar?

Demetrio Carneiro