O quê há de “novo” no nacional desenvolvimentismo keynesiano?
A rigor nada.
Olhando apenas para um dos termos da equação, a questão fiscal, o nacional desenvolvimentismo keynesiano desde sempre considerou que a questão monetária serviria apenas para alavancar os gastos ou, se assim não fosse, seria um entrave a se eliminar ou reduzir o peso.
O nacional desenvolvimentismo keynesiano só soube ler em Keynes aquilo que lhe interessava mais de perto e que justificava uma forte ideologia do uso do gasto como manutenção de grupos de poder dentro do Estado. Como muitos marxistas também só leram em Marx aquilo que lhes interessava e como o projeto de tomada do Estado é comum, nada mais natural que o consórcio de pensamentos entre os dois grupos e mais natural ainda que o pensamento econômico desses marxistas acabasse com uma fortíssima base nacional desenvolvimentista keynesiana.
O único dado realmente novo foi a crise atual que reforçou nesse grupo a convicção de que o Estado deve ter maior controle sobre a economia, a sociedade e o mercado em particular, visto aqui como um ponto fraco a ser resolvido.
A lógica, nesta altura marxista-keynesiana, olha para a luta de classes como uma luta entre a sociedade e a burguesia financeira. A burguesia industrial é uma “aliada” na leitura já que também é “explorada” pelo rentismo. Toda a questão monetária passa por este “filtro” e as falas são todas programadas para ver no rentismo da burguesia financeira um “problema” e grave. Na raiz da crise nos Estados Unidos e que contaminou o resto do planeta, gerando reflexos até hoje, está a vontade incomensurável de lucro da burguesia financeira e o comprometimento de agentes públicos nessa corrupção moral. No campo das relações internacionais são as economias avançadas e instituições multilaterais vassalas do rentismo o principal obstáculo para uma governança mundial. O nascente movimento de países emergentes, descompromissado com o rentismo, é a única esperança para o mundo.
Quem dera o mundo fosse tão simples e direto como era antes do muro cair. Não é. Aliás, começamos a perceber que nunca foi e será cada vez mais complexo. O melhor exemplo é a tentativa de isolar num canto do corner a “burguesia financeira” quando na realidade a interação econômica do mundo real é muito mais elaborada e torna difícil estabelecer e isolar categorias quando os grandes grupos são um mix de finanças, comércio e indústria.
Filtros claramente ideológicos orientaram as saídas para a crise na direção de aprofundar apenas a lógica keynesiana. Hoje o que se vê é que, apesar de todos os gastos orientados, a crise permanece e muito provavelmente porque permanecem as suas verdadeiras bases: o consumo público e privado muito além dos limites do crescimento físico dos países e a intrínseca necessidade de geração de bolhas para manter a dinâmica atual de crescimento do capitalismo face a geração de recursos que “sobrariam” frente ao excesso de sua oferta. É o ciclo da destruição criativa de um modelo que chegou aos seus limites. O que não quer dizer que ele não se renove como fica claro na discussão sobre os novos hábitos de consumo e a economia verde.
Mas o quê nos difere, então, desse pensamento econômico?
Na realidade tudo.
No que se refira às políticas econômicas nosso pensamento não passa pela dominância de uma política sobre a outra, mas por seu equilíbrio que só se torna possível se ao chamado tripé: responsabilidade fiscal, meta de inflação e cambo flutuante, adicionarmos metas de crescimento econômico e formos capazes de gerar estruturas institucionais que coordenem as políticas econômicas a partir dessas metas.
Não percebemos no Estado o papel de único condutor, mas de coordenador de uma ampla ação envolvendo ainda a economia privada e a sociedade civil – capital social.
Não consideramos o crescimento econômico desligado de uma totalidade maior que ele próprio, de um conceito bem mais amplo de desenvolvimento que abarque interativamente muitas outras dimensões como a da sustentabilidade ambiental e sua relação com a sustentabilidade econômica de longo prazo, a social, a cultural, discussão do papel do consumo etc.
O crescimento econômico pode ser pautado por metas físicas, mas não é uma finalidade em si própria e o desenvolvimento é o desenvolvimento que, não apenas busca incluir todos e todas, mas que seja a expressão do desenvolvimento de nossa humanidade enquanto um valor. Este é o ponto de contato entre nossa proposta de desenvolvimento e a utopia socialista.
As políticas macro e microeconômicas, o papel do Estado, a gestão pública, longe de serem um campo de debate apenas acadêmico ou técnico, devem amplamente debatidas politicamente, pois embora não sejam, como afirma errôneamente o desenvolvimentismo, seus determinantes, são condição da sustenção e viabilização de nossa proposta de desenvolvimento.
Precisamos urgentemente politicizar a economia, pois foi a sua despolitização que travou a necessária compatibilização entre o pensamento econômico e a proposta de desenvolvimento. Não existe um pensamento econômico que sirva para toda e qualquer proposta de desenvolvimento.
Buscamos uma profunda mudança de paradigmas na direção de um projeto de desenvolvimento que não é “novo” porque se diz diferente do “velho”. É pura e simplesmente outro.
Demetrio Carneiro