Ao contrário da leitura de intelectuais conhecidos como Alain Touraine(1), a questão presente é muito mais complexa que o debate das garantias da proteção social.
O balanço prático das benemeses do estímulo à demanda agregada começa a tomar as manchetes.
No início da crise o arraial keynesiano comemorava a retomada do seu projeto frente a desmoralização de outro projeto, o neoliberal. Segundo os primeiros, o neolibreralismo era verdadeiro responsável pela situação. Via-se no gasto público a única solução para garantir uma pronta recuperação da economia.
Foi a época de um intenso debate entre estimular a economia via gastos públicos ou cortes de impostos. Venceram os gastos. Contudo a política de estímulo à demanda agregada se deu num quadro onde o motor da crise não era a liberalidade no mundo das finanças. Leia-se a falta de regulação local e internacional. A liberalidade foi, ela própria, resultado de uma escolha feita pelos políticos e apoiada por seus eleitores.
Basicamente a economia americana e européia estavam alavancadas pelo consumo. Só que um consumo muito além da economia real. A expansão do consumo não se deu por conta do aumento efetivo da renda gerada pelo produto, mas pela expansão do crédito. Neste contexto o estímulo à demanda agregada foi um tiro no pé. A lógica da expansão fiscal é estimular a economia do mundo real a se manter ou aumentar seu nível de produção. O problema é que boa parte da economia do mundo real está fora da Europa e dos Estados Unidos.
O que se vê agora na Europa e nos Estados Unidos é um brutal aumento dos gasto público com evidentes reflexos na área fiscal, no sentido do desequilíbrio fiscal e de políticas públicas insustentáveis no médio e longo prazo.
Na prática políticos e eleitores não tiveram qualquer preocupação quanto à necessidade de adequar o consumo à realidade de suas economias. O debate sobre a necessidade das economias centrais mudarem a sua lógica de “gastadoras” para “poupadoras”, buscando estimular suas exportações e não suas importações, a condição de um pacto mundial que ajudasse a mudar o sentido dos fluxos, elementos que o Tony Volpon já apontava numa palestra dada na Câmara Federal no final de 2008, enquanto o vice-diretor de Macroeconomia do IPEA ressaltava que o Brasil estava em pleno ciclo virtuoso(?), não foram considerados pelos principais interessados. E os principais interessados não éramos nós os brasileiros, embora deva ficar bem claro que o “modelito emergente” tão elogiado pelo representante do IPEA não funciona num mundo sem os países centrais.
Além da crise nas economias centrais o que se vê agora é outra questão também comentada lá trás: A resposta política está sendo na direção do “cada um por si e Deus por todos”. A tendência mais forte na Europa é o aprofundamento do nacionalismo, o que lá é uma postura tipicamente de direita, frente a uma esquerda fortemente internacionalista. Esta guinada à direita, por razões óbvias, tenderá ser mais acentuada nos países da Europa Central, mas a recente vitória dos separatistas belgas registra que as coisas também podem se complicar na Europa Ocidental.
Isto recoloca o Trilema de Dan Rodrik: Não dá para alinhar ao mesmo tempo Estado-nação, democracia e globalização econômica.
Se fica sempre mais evidente que a saída para a crise global passa pela reformulação dos conceitos de consumo além da renda e mudança no papel dos países centrais, também deve ficar evidente que o surto direitista irá caminhar na direção de reforçar os Estados nacionais, medidas protecionista e o inverso da integração econômica e política.
Não há soluções fáceis no horizonte.
Demetrio Carneiro
(1)
“Os países europeus e outros têm a escolha entre duas políticas face ao déficit do estado de bem-estar social. A primeira é de diminuir os fornecimentos e as garantias, o que parece uma provocação, uma vez que a parte do trabalho na renda nacional baixou, e a outra solução consiste em mudar a concepção sobre a proteção social. O estado de bem-estar social foi concebido como realidade sendo financiada e como servindo os trabalhadores, incluindo suas empresas. É preciso, agora, considerar que o conjunto dos rendimentos, os do capital ainda mais do que os do trabalho, devem participar na manutenção da proteção social. Também é preciso, com total urgência, responder a novos riscos e a novas demandas.”