segunda-feira, 21 de junho de 2010

ELEIÇÕES, MACROECONOMIA E TENSÕES


Parece haver uma curiosa leitura no que se refira às relações entre a indústria e o mercado financeiro.
Tradicionalmente o conceito corrente de desenvolvimento sempre olhou para a indústria como seu carro-chefe e o mercado financeiro sempre foi visto com desconfiança.
Num modelo mais genérico o setor industrial seria o pólo dinâmico e o setor financeiro o obstáculo a seu pleno desenvolvimento.
Nossa longa história de juros reais altos, complicada por agudos processos inflacionários aparenta justificar essa idéia de tensões entre os dois setores, mas também tem servido de base para décadas de política protecionista de juros subsidiados ou câmbio orientado. Nosso balanço é positivo?

De outro lado nossa inserção no mundo, algo não sob nosso controle, e o resultado concreto de nossas escolhas sobre como crescer e como desenvolver nos trouxeram bônus e ônus. Dando como exemplo, a escolha de não poupar nos deu o bônus de expansão mais acelerada do mercado interno, mas nos traz o ônus da apreciação cambial como resultado da nossa demanda por poupança externa.

Olhando essa tensão pelo lado político a leitura é clara: Uma burguesia industrial nacional tencionada por uma burguesia financeira internacionalista. O neoliberalismo sempre foi visto como um movimento de fora para dentro. As acusações mais pesadas e que deram base a que o PT votasse contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, foram a de que a lei foi imposta pelo FMI como forma de controlar o crescimento econômico brasileiro e manter nossa dependência ao centro. Da mesma forma juros altos e “liberalismo” cambial são premissas neoliberais de favorecimento da burguesia financeira internacionalista.
Na realidade essa leitura de oposição das burguesias locais é filha de outra leitura que remonta aos anos 60. A leitura da Revolução Nacional Democrática. Alguns grupos mais radicais ainda defendem a luta de classes, mas o que parece ser a leitura dominante é a tese da oposição entre as burguesias. Num certo sentido ambas as posições se falam e não são tão antagônicas. Da mesma forma que havia um inimigo em última instância da década de 60, o imperialismo, hoje o inimigo em última instância é a burguesia financeira internacionalista.
Nos termos do pensamento econômico o nacional desenvolvimentismo keynesiano é construído sobre esta lógica política. Daí a leitura, que eu chamo de leitura de partes, que isola a questão dos juros e do câmbio e joga todo o ônus na conta da burguesia financeira internacionalista. A construção dos atalhos, das soluções rápidas, são resultado de um raciocínio de hegemonia política onde se imagina a imposição daquilo que se afirma como demandas das classes sociais. Algo do tipo: Nós vencemos, então nós decidimos. Sim! Nós podemos...
Questões estruturais ou institucionais não precisam ser consideradas, pois o Estado e seus agentes são suficientes e eficientes para resolver tudo.

Um complicador para essa leitura é o mundo real. Da mesma forma que fixar o câmbio transforma em poeira os recursos necessários para o nosso crescimento ou decretar a taxa nominal de juros não determina a sua taxa real, separar o mundo em burguesia financeira e burguesia industrial tem um problema.
O melhor exemplo é o que vem ocorrendo na área comercial. A expansão a qualquer custo do mercado interno vai gerando alguns movimentos.
O primeiro deles é a formação de oligopólios comerciais na busca do ganho em escala. Rapidamente o comércio, principalmente o de eletro domésticos e o ramo dos supermercados, vão deixando de ser um mercado competitivo formado por comerciantes de pequeno e médio porte para se transformar na arena de embates de grandes grupos.
O segundo movimento é na horizontalização. Os grandes grupos tanto avançam na direção de controlar a indústria dos fornecedores como avançam na área financeira.
Na realidade é a área financeira que viabiliza a expansão acelerada desses grupos. São as altíssimas taxas de juros, ai sim sem qualquer regulação, que viabilizam o que ocorre.
Os críticos dos juros altos estão mais preocupados com o BC e o neoliberalismo.
O governo com a expansão do mercado interno via crédito pessoal.
A indústria com a demanda gerada.
Os consumidores com a realização de seus sonhos de consumo reprimidos.
Um interessante caso de juros abusivos “bons”.
Da mesma forma ninguém reclamava nos Estados Unidos ou na Europa na época da bolha de expansão do consumo.
Enfim, é cada vez mais difícil separar indústria, comércio e finanças. Provavelmente será bem mais difícil separar interesses.

O que torna a política de estabilidade e o tripé em alvos são os juros e o câmbio. O que torna o BC em alvo também são os juros e o câmbio.
Das três pernas do tripé duas ficam na área monetária e uma na fiscal.
Do ponto de vista da questão fiscal o conceito de responsabilidade é suficientemente ambíguo para permitir situações de expansão como a atual. Há um enorme facilitador no aumento da arrecadação via crescimento, como volta a ocorrer nesse momento.
Um pouco mais de trinta e sete por cento de tudo que se produz é muito dinheiro e é natural que se olhe o lado fiscal como o lado “bom” da história. Principalmente quando há um governo que use o gasto como instrumento de hegemonização. Em nosso debate não há muita gente verdadeiramente interessada em discutir a qualidade do gasto, a escolha entre gastar e poupar ou entre gastar e deixar que o recurso permaneça nas mãos das famílias. Essas escolhas são vistas como excessivamente liberais.
O grande motor da defesa do gasto é a questão da equidade, da justiça social. Tem sido um forte ponto de ataque ao chamado neoliberalismo – visto como a estabilidade e o tripé – o fato de serem necessários recursos que garantam uma melhor distribuição de renda etc. Essas pessoas talvez devessem estar olhando não apenas para a eficiência deste gasto, mas no percentual dos mais de trinta por cento que chegam na área social de fato, promovendo mudanças estruturantes e de longo prazo.

De qualquer forma gastar é “bom”. Chato é o BC que eleva juros sem razão e deixa o câmbio à vontade. Daí para a tentação de decidir politicamente se o juros sobem ou não é um pulo. Agentes públicos devem ficar muito irritados quando à sua liberdade relativa de escolher políticamente onde, quando e como gastar, se contrapõe uma escolha que não é a sua escolha política. A briga de Lula com o TCU mostra que, na área fiscal, limitar as escolhas políticas de gasto também é irritante.
A melhor das melhores decisões seria um BC subordinado apenas às vontades políticas do presidente e seu grupo de aliados no poder. Alguma coisa tipo Venezuela ou Argentina. Apenas não funciona e a sociedade brasileira, embora não ainda tenha passado deste ponto na questão fiscal, já passou do ponto na questão monetária e parece não admitir mais mudanças na regra do jogo institucional ao bel prazer de seus presidentes.

Atualmente há mais de uma dezena de “soluções” para os juros e o câmbio. A maior parte procura atalhos que de alguma forma não buscam equilíbrio, mas apontam soluções autoritárias do tipo chavista, embora não tão radicais dependem de hegemonização: Eu posso, eu faço.

Alguns fatos deveriam ser evidentes:

a) Os desafios do futuro, a necessidade de estarmos construindo outra proposta de desenvolvimento, não só não são compatíveis com atalhos e soluções rápidas, necessitamos sim de soluções para a questão dos juros e do câmbio, mas devem ser sustentáveis e resolvidas democraticamente;

b) Os mesmos desafios e necessidades se referem a uma profunda transformação não apenas na economia, mas nos próprios paradigmas. Toda a literatura e todo o debate sobre o desenvolvimento deixam muito claro que isso só é viável em sociedades democráticas profundamente coesas. Desse ponto de vista o mercado financeiro não compete com a indústria, o comércio ou os serviços. O mercado financeiro faz parte da equação e deve estar integrado nela;

c) Houve um passado onde os grupos financeiros apostavam claramente na excelente remuneração gerada na formação das taxas de juros dado o desequilíbrio fiscal das economias. As sucessivas crises e o tempo se encarregaram de mostrar a instabilidade dos modelos de gasto irresponsável. Embora extremamente compensatórios do ponto de vista do lucro não são sustentáveis no tempo e o risco nem sempre acaba sendo compensado pelos juros. O que fica mais e mais evidente é que estão nos regimes estáveis e o investimento produtivo as melhores oportunidades de ganho. Neste sentido o mercado financeiro tende muito mais às parcerias que alavanquem indústria, comércio e serviços;

Evidentemente há um desequilíbrio, mesmo com a estabilidade e o tripé. Evidentemente há uma falta de diálogo entre as políticas monetárias e fiscais.
Muito evidente que algumas questões só serão resolvidas mediante mudanças estruturais e institucionais em profundidade e dependerão de muita vontade política e capacidade de liderança. A lista é grande. Questões como a reforma previdenciária dependem de condições políticas complexas e não é por acaso que FHC e Lula começaram e terminaram seus governos se tocar no cerne da questão. O mesmo pode ser dito da reforma tributária, da reforma política ou do complicadíssimo conjunto de questões chamado de “Custo-Brasil”. Para chegarmos ao desenvolvimento que queremos há uma imensa agenda de problemas e dificuldades. Sabemos mapeá-los, mas não somos capazes de realizar escolhas que os solucionem.
Outras questões têm solução menos complexa. Já de algum tempo, primeiramente o Tony e depois nós dois, vamos martelando em duas questões que são centrais:

a) Na possibilidade de agregar ao famoso tripé uma nova perna: A da coordenação das políticas econômicas e fiscais via as criação de um regime de metas de crescimento gerido por um conselho que seria um novo formato do atual Conselho Monetário Nacional, mas com mais funções e mais amplo;

b) Políticas públicas e ações institucionais que viabilizem a formação de poupança interna. Vista esta que estão como um dos pontos mais fraco de um crescimento realmente sustentável.

Nossa firma convicção é que estas propostas viabilizarão a formação de um novo tipo de equilíbrio dinâmico na macroeconomia que certamente não será a solução final para os juros altos ou a questão cambial, que dependem também de questões estruturais e institucionais, conforme mencionamos, mas certamente concorrerá diretamente como um enorme facilitador para que alcancemos níveis significativamente menores de juros reais e uma taxa de câmbio mais próxima de nossas necessidades de comércio exterior de forma não traumática e sustentável no curto prazo.

Em dezembro passado tivemos um texto nosso publicado na Revista Política Democrática da Fundação Astrojildo Pereira. Nele desenvolvemos todo um conjunto de observações tanto sobre este novo equilíbrio dinâmico possível, como sobre a questão da formação de poupança e muitas outras relevantes.
Abaixo o texto integral no Scribd.

Demetrio Carneiro

CONSIDERAÇÕES E PROPOSTAS POR UMA NOVA POLÍTICA ECONÔMICA