Atualmente nem mesmo o liberal mais radical acredita que a vida da sociedade moderna pode ser desconectada da presença do Estado. A exceção alguns grupos religiosos não há ninguém que defenda o Estado “zero”.
De fato há liberais que defendam que o Estado deveria se ater a suas funções principais e a principal entre as principais é a garantia do direito:
“Justamente para regular os direitos e deveres do indivíduo em relação a terceiros, os liberais acreditam no Estado de direito. Isto é, crêem em uma sociedade governada por leis neutras, que não favoreçam pessoas, partido ou grupo algum, e que evitem de modo enérgico os privilégios.” O que é o liberalismo – Carlos Alberto Montaner
Na mesma lógica de garantia de direitos e imaginando que o Estado pode ser manipulado à favor de grupos de poder:
“Os liberais também acreditam que a sociedade deve controlar rigorosamente as atividades dos governos e o funcionamento das instituições do Estado.” Citado.
Esta convicção deu origem aos estudos da Economia Institucional e muito do que fica no imaginário com sendo uma “ação de esquerda”, o controle do aparelho do Estado pela sociedade, na realidade é fundado em pressupostos autenticamente liberais.
Evidentemente o liberalismo autêntico mais radical é contra qualquer planificação estatal e acredita que a questão da equidade se resolveria num mercado de livre competição:
“Quando as pessoas, atuando dentro das regras do jogo, buscam seu próprio bem-estar costumam beneficiar a coletividade. Outro grande filósofo liberal, Joseph Schumpeter, também austríaco, estabeleceu que não há estímulo mais positivo para a economia do que a atividade incessante dos empresários e industriais que seguem o impulso de suas próprias urgência psicológicas e emocionais. Os benefícios coletivos que derivam da ambição pessoal superam em muito o fato, também indubitável, de que surgem diferenças no grau de acúmulo de riquezas entre os diferentes membros de uma comunidade. Porém, quem melhor resumiu tal situação foi um dos líderes chineses da era pós-maoísta ao reconhecer, melancolicamente, que “ao impedir que uns poucos chineses andassem de Rolls Royce, condenamos centenas de milhões de pessoas a utilizar bicicletas para sempre”.” Citado.
Definindo o papel do Estado liberal, então:
“Essencialmente, a principal função do Estado deve ser a de manter a ordem e garantir que as leis sejam cumpridas. A igualdade que os liberais almejam não é a utopia de que todos obtenham os mesmos resultados, e sim a de que todos tenham as mesmas possibilidades de lutar para conseguir os melhores resultados. Nesse sentido, uma boa educação e uma boa saúde devem ser os pontos de partida para uma vida melhor.
Assim como os liberais têm suas próprias idéias sobre a economia, também possuem sua visão particular do Estado: os liberais são inequivocamente democratas, acreditando no governo eleito pela maioria dentro de parâmetros jurídicos que respeitem os direitos inalienáveis das minorias. Tal democracia, para que faça jus ao nome, deve ser multipartidária e organizar-se de acordo com o princípio da divisão de poderes.
Embora esta não seja uma condição indispensável, os liberais preferem o sistema parlamentar de governo porque este reflete melhor a diversidade da sociedade e é mais flexível no que se refere à possibilidade de mudanças de governo quando a opinião publica assim o exigir.
Os liberais acreditam que o governo deve ser reduzido, porque a experiência lhes ensinou que as burocracias estatais tendem a crescer parasitariamente, ou passam a abusar dos poderes que lhes são conferidos e empregam mal os recursos da sociedade.
Porém, o fato de que o governo tenha tamanho reduzido não quer dizer que ele deva ser débil. Pelo contrário, deve ser forte para fazer cumprir a lei, manter a paz e a concórdia entre os cidadãos e proteger a nação de ameaças externas.” Citado.
Finalmente:
“Os liberais consideram que, na prática, infelizmente os governos não costumam representar os interesses de toda a sociedade, e sim que se habituam a privilegiar seus eleitores ou determinados grupos de pressão. Os liberais, de certa forma, suspeitam das intenções da classe política e não têm muitas ilusões a respeito da eficiência dos governos. Por isso o liberalismo sempre se coloca na posição de crítico permanente das funções dos servidores públicos, razão pela qual vê com grande ceticismo essa função do governo de redistribuidor da renda, eliminador de injustiças ou “motor da economia.
Outro grande pensador liberal, James Buchanan, Prêmio Nobel de economia e membro da escola da Public Choice (Escolha Pública), originária de sua cátedra na Universidade de Virgínia, EUA, desenvolveu esse tema mais profundamente. Resumindo suas idéias sobre o assunto, qualquer decisão do governo acarreta um custo perfeitamente quantificável, e os cidadãos têm o dever e o direito de exigir que os gastos públicos revertam em benefício da sociedade como um todo, e não dos interesses dos políticos.
Os liberais preferem que essa responsabilidade repouse nos ombros da sociedade civil e se canalize por intermédio da iniciativa privada, e não por meio de governos perdulários e incompetentes, que não sofrem as conseqüências da freqüente irresponsabilidade dos burocratas ou de políticos eleitos menos cuidadosos.
Finalmente, não há nenhuma razão especial que justifique que os governos se dediquem obrigatoriamente a tarefas como transportar pessoas pelas estradas, limpar as ruas ou vacinar contra o tifo. Tais atividades devem ser bem executadas e ao menor custo possível, mas seguramente esse tipo de trabalho é feito com muito mais eficiência pelo setor privado. Quando os liberais defendem a primazia da propriedade não o fazem por ambição, mas pela convicção de que é infinitamente melhor para os indivíduos e para o conjunto da sociedade.”. Citado.
Evidentemente muitos dirão que entre a boa vontade e o mundo real tem uma enorme distância. Outros, ainda, se contentarão em demonizar o liberalismo e, transvestindo-o daquilo que ninguém saber explicar bem o que é: “Neoliberalismo”. E negação em bloco é mais simples e dá menos trabalho conceitual. Fica mais simples se apropriar das questão de controle e luta contra as hegemonias, de tendência eternizante, de grupos dentro da máquina do Estado. Da mesma forma apropriar-se do conceito de correção da assimetria de oportunidades é mais simples que reconhecer sua origem liberal.
Certamente a crise de 29 serviu para mostrar que o Estado pode e deve ter outras funções além da garantia de direitos. A crise atual tem servido para todo um discurso antiliberal da mesma forma. Não é pequeno o número de economistas que considera a crise uma prova cabal de que a doutrina liberal está falida e que a única forma de viabilizar um crescimento contínuo é dar da vez mais força ao papel do Estado dentro da economia.
Certamente, também, a aplicação da doutrina liberal em países da periferia do sistema é complicada pelo regime de extrema concentração de renda. Imaginar um mercado onde as rendas sejam próximas e a qualidade de vida, portanto, também seja semelhante e concluir que, por seu mérito, as pessoas possam melhorar é uma coisa. Agora, imaginar que pessoas muito pobres possam sair desta situação por conta própria é outra coisa.
Defender que o Estado tenha um papel ativo no combate à pobreza, à desigualdade de renda, desigualdades regionais ou protagonismo nas políticas econômicas, contudo, está muito longe de defender que o Estado seja alguma coisa, no sentido hegeliano, que paira acima de nossas cabeças, como criatura onipresente.
A crítica ao liberalismo na sua compreensão sobre o papel do Estado não pode se confundir com a crítica ao “neoliberalismo”, seja lá o que for isto, e se transformar num passaporte para uma visão em que o Estado tudo pode, tudo resolve, que no final do dia é apenas uma justificativa para o jogo de poder. O Estado manipulado por grupos de poder também não é uma solução para o Brasil.
No fundo a questão está muito longe de rótulos “Estado mínimo” ou “Estado + forte”. A questão está em saber o que queremos com o Estado e em quanto uma determinada formatação contribuirá para isto ou não.
Outra questão que deve ficar evidente é que o Estado como único agente do processo acaba no Estado do nacionalsocialismo e de outras propostas autoritárias. A parceria é o termo correto. Nenhuma formulação de Estado que ignore a necessária parceria com a sociedade civil organizada e o mercado pode gerar um modelo que atenda às nossas necessidades.
Não precisamos de slogans. Precisamos de conceitos que respondam às demandas de nosso processo enquanto nação em desenvolvimento num planeta em profundas transformações.
Demetrio Carneiro