O texto abaixo foi publicado no boletim do PNUD. É uma leitura importante, pois esclarece como alguns pensadores olham para a inserção do Brasil no mundo. Evidentemente este olhar acaba imprimindo posturas geo-estratégicas e estas posturas acabam gerando conseqüências.
O que está ai abaixo é uma leitura conhecida de todos os que lidam com a questão do desenvolvimento. Um mundo dividido em dois pólos: Países ricos e países pobres. Do lado dos “ricos” o mal. Do lado dos “pobres” o bem. A atualização desta leitura da primeira metade do século 20 é o fato de alguns países estarem passando dos “pobres” para os “ricos”. E é ai que os problemas começam.
Para além dos fatos do mundo real a leitura dicotômica quer ver nos países “emergentes” uma “outra” via. As dificuldades desta outra via são muitas, mas a principal é que o único ele que une os emergentes é o fato de serem emergentes. Fora disto nada mais. Projetos, interesses, estratégias são completamente diferentes. Esta nova releitura do mundo é nitidamente interessada, mas também é velha, como é velha a teoria que a sustenta.
Marx e outros chegados sempre disseram, no caso da crítica ao capitalismo e da teoria materialista da história, que a questão estaria na contradição principal e no pólo dinâmico. Este dois elementos é que ditariam a dinâmica histórica do sistema visto como uma totalidade de partes.
A história real, não a idealizada, tem posto como desafio principal a sustentabilidade e a grande contradição está entre um estilo de industrialização predatório – que não está apenas no primeiro mundo, todos sabemos – e evidentemente insustentável e um novo conceito de desenvolvimento que passe pela revisão do que é “crescer” e da qualidade do “consumir” enquanto item de qualidade de vida. Ou seja, desenvolvimento sustentável, em todos os seus diversos ângulos, só se produz com uma mudança radical de leitura e proposições. Mais que oposição entre “ricos” e “pobres” o que o século 21 e os seguintes verão será a oposição entre países buscando um desenvolvimento sustentável e com futuro e países mantendo premissas ultrapassadas de crescimento e sem futuro. No ritmo de destruição ambiental quanto tempo a economia mundial irá se sustentar? O pólo dinâmico deste novo projeto é a “economia verde”, ponto onde a China está investindo pesadamente, mas não a Rússia, a Índia ou o Brasil.
Outro detalhe a considerar, a China já destruiu tudo que podia e é totalmente dependente do fornecimento de matéria-prima de outros países. Talves até por isto estejam forçando a mão na direção da “Economia do conhecimento”. Seja lá como for esta dependência do fornecimento de matéria-primas projeta uma vulnerabilidade extrema para o gigante chinês e terá fatalmente conseqüências geo-estratégicas até aqui ignoradas pelo conceito de BRIC.
Em evento realizado pelo PPS, ontem, 19, em BH, destinado a discutir justamente as questões do novo conceito de desenvolvimento e a Economia Verde, Paulo Haddad apresentou um levantamento bastante interessante. Basicamente se cria um conceito de abaixo e acima do PIB nacional para os municípios. Cria-se um grupo específico de municípios que têm seu PIB 30% abaixo do PIB nacional. Constatações: A óbvia de que estes municípios encontram-se basicamente no norte/nordeste. A não tão óbvia: Que estes municípios convivem com sérios problemas de depredação ambiental. Talvez ainda tenha que haver um maior debate sobre esta correlação, principalmente sobre o conceito de “depredação ambiental” que certamente é de difícil quantificação, mas é uma conclusão inicial bem interessante e fortalece esta questão sobre o que é mais importante.
Outras questões a considerar: Esta lógica do confronto é a mesma que orienta nossa atual política externa e nos leva aos caças da França ou a apoiar o Irã. A economia brasileira continua sendo uma das mais fechadas do mundo.
Demetrio Carneiro
'Falta coesão a países em desenvolvimento'
Cooperação entre nações do Sul pode servir de contraponto à liderança das regiões mais ricas do mundo, diz pesquisadora brasileira do PNUD
da PrimaPagina
A partir da década de 1990, alguns países em desenvolvimento começaram a despontar no cenário internacional e foram classificados por acadêmicos como as "potências do futuro". Hoje, essas nações ainda enfrentam desafios para assumirem um discurso comum, revela o estudo "Cooperação Sul-Sul: O mesmo velho jogo ou um novo paradigma?", de Melissa Andrade, do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo, do PNUD.
Publicado na 20ª edição da revista Poverty in Focus, o artigo afirma que potências emergentes como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul tentam elaborar uma política própria mesclando traços do capitalismo e do socialismo, o que fica evidente principalmente na aposta por um Estado forte.
Melissa ressalta que um dos desafios dos países é fugir do "caminho histórico rumo ao desenvolvimento capitalista", que, segundo ela, tende a reproduzir - em vez de substituir - os ideais de consumo encontrados nas nações mais ricas. A orientação adotada pelos emergentes acaba resultando na falta de uma base teórica ou analítica sobre o papel, a posição e a evolução do chamado "Sul", acrescenta a pesquisa.
"A construção de um novo consenso entre Brasília, Nova Délhi ou mesmo Pequim nesses assuntos seria um importante passo à frente na cooperação Sul-Sul e no discurso", destaca a pesquisadora, que completa que esses territórios devem absorver as influências ideológicas e forjar alianças para a obtenção de um acordo global.
Esforços em busca de coesão
O documento lembra que os Estados Unidos, ícones do capitalismo, foram bem-sucedidos em disseminar seus princípios ideológicos, principalmente ao uni-los aos projetos derivados do Consenso de Washington, um conjunto de medidas que visava a promover o "ajuste" econômico de países em desenvolvimento. "O 'sonho americano' conquistou os corações do mundo", acrescenta o texto.
Já as nações do Sul, afirma Melissa, não têm o mesmo nível de coesão ou mesmo um sonho em comum. "Uma nova síntese vai exigir muita liderança, assim como pensar sobre a melhor forma de se seguir em frente", completa a pesquisadora. Uma maneira de alcançar isso seria por meio do estímulo a fóruns acadêmicos de grupos regionais.
O primeiro passo nesse sentido foi a proposta de criação de uma versão da Organização dos Estados Americanos (OEA), mas sem Canadá e Estados Unidos, que são os únicos países desenvolvidos no continente americano. O estudo afirma também que a aliança entre Índia, Brasil e África do Sul (IBAS) e o grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) reforçam a organização política dos emergentes.
Essa coesão esbarra em um empecilho, pelo menos na América do Sul, onde "o poder é contestado entre Venezuela e Brasil", de acordo com o artigo. "É importante para os países formarem seus próprios grupos tendo como base interesses comuns, mas há maiores custos transacionais em multiplicar o fórum para coordenação política, e os resultados são, na maioria das vezes, duvidosos", adverte.
Além disso, a pesquisadora destaca que o Plano de Ação de Buenos Aires (1978) já havia ressaltado que a cooperação entre as nações em desenvolvimento deveria ser dirigida pelos princípios do respeito à soberania nacional, da propriedade nacional e da independência, da igualdade, incondicionalidade, não ingerência nos assuntos internos e dos benefícios mútuos.
Ajuda ao desenvolvimento
Potências emergentes como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, mesmo seguindo políticas distintas, têm desempenhado, nos últimos anos, um papel novo em suas histórias: a de fomentadores do desenvolvimento das nações menos favorecidas. Por terem fortalecido sua base econômica, já não precisam receber o mesmo nível de assistência que costumavam acumular no passado.
A forma escolhida para apoiar as nações mais pobres foi por meio da cooperação técnica ao desenvolvimento, respeitando a autonomia desses Estados menos favorecidos. Essa postura, segundo o texto, contrasta com a dos países do Norte, onde "estratégias são elaboradas e o apoio é, geralmente, enviado diretamente ao orçamento, como aprovado na Comissão de Assistência ao Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE)".
Agora, alguns emergentes reavaliam a estrutura de cooperação técnica, e um encontro sobre o assunto no Quênia, em dezembro de 2009, teve como resultado uma declaração forte que enfatizou que "a cooperação Sul-Sul não deveria ser vista como ajuda oficial ao desenvolvimento".
O auxílio, sugere o artigo, pode ser mais bem empregado na área ambiental. "Alguns países do Sul estão fazendo experiências com fontes de energias renováveis, como o biodiesel. A Costa Rica anunciou seu objetivo de se tornar o primeiro país sem carbono até 2021, e o governo da China já destinou 3 trilhões de iuanes (US$ 440 bilhões) até 2020 para o desenvolvimento de uma nova fonte energética", exemplifica.
Desafios
Embora as potências emergentes tenham confirmado sua independência ideológica e política em relação a países mais ricos, optando por um Estado forte e escolhendo como destinar a ajuda ao desenvolvimento, ainda enfrentam desafios internos. "O infanticídio feminino ainda é um grave problema na China, as desigualdades diminuíram no Brasil, mas permanecem altas", alerta Andrade. Na África do Sul, a corrupção é um problema sério, enquanto na Índia 25% da população vivem abaixo da linha de pobreza.
"As economias emergentes terão que mostrar que enfrentam desafios de desenvolvimento internos enquanto, ao mesmo tempo, tomam a liderança no debate e adotam práticas para o desenvolvimento global", ressalta a pesquisadora do PNUD.
Melissa destaca que é importante identificar os desafios, assim como se faz necessário criar alternativas para a corrente principal do discurso sobre desenvolvimento. "Novos modelos devem ser inventados", conclui.