quinta-feira, 1 de abril de 2010

CONSUMO DAS FAMÍLIAS, CRESCIMENTO ECONÔMICO E PODER

A Confederação Nacional das Indústrias se alinha à equipe econômica do governo e saúda o crescimento no consumo das famílias. Veja aqui.
Recentemente, 31.03, o BC noticiou estudo mostrando que foi o mesmo consumo que manteve a economia durante a fase mais aguda da crise, o que daria apoio à tese do “compre...compre mais”. Segundo o novo diretor de Política Econômica, Carlos Hamilton Vasconcelos: “A crise afetou menos as famílias do que afetou outros setores”. Veja aqui.

Tem sentido a CNI, olhando diretamente à frente e para os seus interesses corporativos, festejar ao aumento da demanda das famílias, contudo para o governo, enquanto estrutura de racionalização e indutora do crescimento a lógica não deveria ser a mesma.
A bolha americana foi criada justamente pelo descompasso entre o crescimento do consumo das famílias além de sua renda. O que houve ali foi uma expansão de crédito fundada na valorização de um ativo que serviria de garantia lateral para a dívida, as residências das famílias.
De uma forma ou de outra foi a expansão do crédito além da expansão da renda.

Neste ponto estamos na mesma situação dos americanos. O que estamos vivendo é uma expansão de crédito além da renda das famílias. Apenas a “garantia lateral” não são as residências, mas as absurdas taxas de juros embutida nas transações.
Um governo que a todo momento grita e se indigna contra os juros da Selic ou os juros bancários não dá a mínima para as taxas de juros cobradas nos financiamentos feitos pelas lojas de varejo no crédito individual. Contraditório? Não, absolutamente coerente com o tese do “compre...compre”.
Expandir o crédito além da renda implica em riscos. No caso americano os bancos imaginavam que haveria uma retroalimentação do sistema e a dança continuaria até o infinito. Se deram mal. No caso brasileiro nossos bancos são mais realistas e cobram dos adimplentes a inadimplência sob forma de juros.
Falando em termos mais claros: Se as taxas não forem o que são o sistema financeiros não tem como levar ao limite o processo de endividamento.

O endividamento das famílias, mesmo festejado pela CNI e justificado pelo BC, tem sido objeto de inúmeros estudos e todos demonstram que andamos muito próximos dos limites, principalmente no crédito consignado, o carro-chefe deste processo. Evidentemente há uma demanda reprimida por bens e ele tem a haver com qualidade de vida e poder de compra. A qualidade de vida se realiza pela expansão do poder de compra.
Na ótica de poder isto é fazer política e gera votos, mesmo que para isto se admita uma sobre exploração do consumidor.

Os projetos de poder acabam se falando. Grupos políticos acabam se beneficiando da expansão do poder de compra quando ele aumenta a qualidade de vida das famílias. Então, facilitar a vida dos grupos econômicos passa a ser uma questão política relevante, se esta facilitação viabilizar a manutenção do poder de compra. Como diriam: É a política idiota!

Quando o endividamento chega ao seu limite e a margem de risco aumenta muito, subir a remuneração pode não ser solução, pois também há um limite para isto, que é a concorrência entre as empresas de varejo.
De um lado a conta pode ir para os fornecedores sob forma de redução do preço de compra. De outro a formação de grupos maiores pode gerar processos de economia em escala, reduzindo custos. É exatamente o que estamos vivendo.
Os grandes supermercados praticamente cobram de seus fornecedores o direito de expor mercadoria em suas prateleiras impondo sobre custos descontados do preço de venda. As grande cadeias de varejo na realidade não vendem um produto. Elas usam a venda para realizar o ganho financeiro. Neste aspecto a legislação brasileira facilita as coisas e os grandes grupos de varejo colocam um pé firma na área financeira.
No caso brasileiro as fusões que vão ocorrendo caminham rapidamente para repetir no varejo o que já há na área bancária: formação de oligopólio. Dócil aos interesses governamentais a entidade reguladora da área, o CADE, vai tocando a vida e fazendo de conta que não tem muito a haver com o problema. Vamos ver como as recentes fusões programas para os grupos de varejo serão avaliadas pelo conselho.
De certa forma é o modelo de crescimento da economia brasileira em ação: Formação de oligopólios frente a falta de vontade governamental e exposição da estrutura de poder no Estado à estrutura de poder real.
Saindo um pouco do assunto: Quando o Eike recebe financiamento do BNDES para comprar carvão vegetal para tocar usinas termo-elétricas, existe ai um recado embutido que não vê quem não quer: os poderes político e econômico se falam.

Demetrio Carneiro