segunda-feira, 30 de julho de 2012

A ONU E SEUS ATALHOS: NÃO ESTAMOS SOZINHOS

Preocupações de gerar resultados midiáticos são as piores nas políticas públicas. Muitos gestores não conseguem escapar desta armadilha e acabam adotando atalhos na intenção de alcançar números espetaculares que confirmem suas ações em prol do bem de todos. Já conhecemos essa forma de gestão aqui no Brasil. Pelo visto não é uma marca exclusiva nossa.

Matéria publicada no Yale Environment 360,On Safe Drink Water, Skepticism Over UN Claim, de autoria de Fred Pearce[1], relata a estratégia da ONU para divulgar ao mundo que a submeta do milênio,  sobre a qualidade das águas, vinculada a meta de número sete, Garantir a Sustentabilidade Ambiental, fosse alcançada alguns anos antes.

Originalmente se calculava em 1.999, ano da Assembléia que instaurou as Metas do Milênio, que cerca de 24% da população mundial não tinha acesso a água potável. Contudo em 6 de maio desse ano corrente o Secretário Geral Ban Kim-moom anunciou que essa número havia caído para 11% no fim de 2010. Portanto havíamos alcançado cinco anos antes, era 2015, um valor melhor que a meta que era de reduzir em 50% a população que não tem acesso à água potável.

Todas as razões para festejar. Afinal o consumo de água potável tem ligação direta com a saúde pública e a qualidade de vida das pessoas. Contudo, e infelizmente, o que o artigo de Pearce mostra é que a mágica não estava na adesão de governo e populações ao projeto da ONU, mas sim numa simples mudança de parâmetro.

Muitos países desenvolvidos controlam a qualidade geral de suas águas. Contudo tanto a OMS quanto a UNESCO consideraram como um custo inaceitável para nações da periferia do sistema esse monitoramento. A decisão foi por usar um conceito de proxy denominado águas melhoradas(improved water). Fontes de água melhorada seriam a água encanada, poços perfurados, cursos de água protegidos de esgotos, água entregue etc. Enfim, desde que a população local tenha acesso, mesmo que suposto[2], a algum desses meios ela tem acesso à água potável, por consequência. 

Certo? Não errado. Um relatório de consultoria conjunta das próprias agências, do ano de 2011, feito em cinco dos países que rapidamente alcançaram as suas metas, mostra que mais da metade das amostras de poços artesanais estava contaminada. As amostras de poços artesianos e água encanada estavam contaminadas em um terço. 

Nas palavras de David Zetland, economista especializado em águas, atualmente lecionando na Universidade de Wageningen, Holanda: "A meta original de proteger vidas transformou-se num alvo burocrático que não envolve a qualidade da água que as pessoas bebem atualmente".

Demetrio Carneiro

[1] Autor freelancer  e jornalista residente no Reino Unido. Consultor ambiental da revista New Scientist e autor de inúmeros livros, incluindo The Rivers Run Dry e With Speed and Violence.

[2] Pearce cita exemplo da Índia onde o acesso aos poços é regulado pelas castas ou aldeias na África onde é necessário caminhar por quilômetros para chegar a essas fontes.