quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

QUANDO O ATRASO É JUSTIFICATIVA DO PROGRESSO: LUTANDO PELO DIREITO DE POLUIR

A decisão da União Européia de taxar os vôos que decolam ou pousam de aeroportos regionais tem muito sentido. Em primeiro lugar o transporte aéreo e marítimo são fortemente poluidores e apresentam a enorme contribuição relativa para o aquecimento global. Em segundo, como o mecanismo de taxação envolverá o Crédito Carbono, a taxação acabará fortalecendo uma proposta de regulação ambiental importantíssima. No conjunto a ideia implica em que se repense as tecnologias dos motores de avião e navios. E é esse o nó do problema.

Em reunião realizada na Rússia, 28 países, incluindo a própria Rússia, Estados Unidos, Brasil, China e Índia revoltaram-se contra a medida. Claro que não deixa de ser curioso o fato de que todos os principais líderes da "revolta" têm indústrias aeronáuticas e teriam que realizar investimentos pesados no desenvolvimento de novas tecnologias capazes de diminuir os impactos ambientais. Óbvio que não estão discutindo o impacto do custo da taxa nas passagens, abaixo de dois dólares por passageiro, ou a "soberania nacional". Essa questão de soberania do Estado-Nação frente a um problema global e de consequências potencialmente letais para nossa espécie como o aquecimento global poderia até ser engraçada, se não fosse trágica. Embora possa soar ridículo é uma aliança do atraso em nome do progresso.

No mínimo a posição do Brasil é muito coerente com o que foi dito na reunião do Kênia: "menos economia verde e mais desenvolvimento". Seja lá o que for que o governo brasileiro chame de desenvolvimento o pano de fundo é com certeza a licença para poluir que teriam os países em desenvolvimento. Algo como o direito de assassinar o vizinho, já que o outro vizinho assassinou alguém. Não é nada ético, mas certamente é "muito" nacionalista. A declaração dada por George de Oliveira Marques, chefe da Divisão de Negociação do Itamaraty, é típica desta mentalidade medieval: "...defendeu (Marques) que os países desenvolvidos tenham uma responsabilidade histórica maior sobre a destruição ambiental e a mudança climática". "Eles se industrializaram antes, utilizaram tecnologias mais poluentes há mais tempo", disse o representante do Itamaraty.

Enfim, o passado nos autoriza a poluir um nome do nosso progresso. Não precisamos investir em nossa indústria aeronáutica buscando motores e combustíveis menos poluentes, pois nós temos uma licença para poluir.

Demetrio Carneiro