domingo, 12 de fevereiro de 2012

NOTAS SOBRE A REGRA DA PROMISCUIDADE NO BRASIL

Este ano de 2012 marca números redondos de 80 anos para dois poderosos eventos de nossa história política e cultural: A fundação do PCB e a Semana de Arte Moderna. Ambos os eventos, em arenas ao mesmo tempo próximas e distantes, envolvendo personagens que acabariam fazendo trajetórias nos dois espaços, se produziram sob o signo do novo em oposição ao dominante. O PCB era a nova forma de fazer política e a Semana de Arte Moderna a nova forma de fazer cultura. Ambos em oposição ao status quo dominante na política e na cultura. O quanto a proposta do novo realmente inovou, os resultados dessas iniciativas, está ai aos nossos olhos.

Em certo sentido o PT também era uma proposta de algo "novo" no campo da política e foi por esta razão que atraiu toda uma geração ou mais de pessoas interessadas na política. O início do processo petista é fortemente ético: combate à ditadura civil-militar, democratização, luta contra a corrupção. é um dia o PT já lutou contra a corrupção... Hoje o que parece imperar é uma regra de promiscuidade. O que vem entre esse início ético e a atual regra de promiscuidade deveria ser matéria  de interesse. Como "boas"propostas podem se transformar em "más" propostas?

Pessoalmente eu apostaria no forte sentimento anti-capitalista que de alguma forma está na base de uma manipulação cínica da república em favor do projeto. Alguma coisa no estilo dos fins que justificam os meios, que era o argumento que sustentava o conceito de que assaltar bancos era revolucionário. Se tivermos em conta que boa parte da elite, os stakeholders, petista tem origem na luta armada parece fazer algum sentido. O grande problema é que o projeto sem ética deixa de ser projeto coletivo e vira projeto individual. José Dirceu disfarça muito bem, mas sabe perfeitamente disso e lida com muita desenvoltura com o assunto, assumindo o "cinismo revolucionário".
A mim parece que este é o ponto principal que explica a Regra da Promiscuidade e é esta regra que explica como os antigos "éticos" conseguem conviver sem grandes problemas com o patrimonialismo. A Regra de Promiscuidade é bem simples e tem origens históricas bem claras, ligadas à democracia: Não se mistura  negócios pessoais com negócios públicos. Esta regra deu origem ao conceito de transparência pública e aparece com toda a força nos debates sobre a necessidade de um orçamento público formal no início do século passado, a exatos cem anos!  Com efeito o nexo entre democracia e transparência é completo conforme já ficava claro naquele debate . Este é um outro "novo". Só que este novo foi incapaz de se firmar entre nós. O que no leva a uma outra questão preocupante, pois o núcleo de pensamento petista não é apenas anti-capitalista ele também é fortemente influenciado pelo hegemonismo do projeto da ditadura do proletariado. Não apenas o poder formal pode ser objeto de manipulação, mas também a democracia. O que nos coloca de volta na questão da Regra: Democracias descartáveis não precisam ser, aliás não devem ser, transparentes.  A intenção manipulatória deve explicar a existência de tantas páginas de "transparência" na rede, mas nenhuma transparência real. 

Esta matéria do Estadão abaixo merece um atenção especial. Muito bem escrita, como reportagem, ela desvenda em profundidade uma rede de relacionamentos pessoais e mostra com muita clareza o amplo arco de alianças necessários para colocar no poder algumas pessoas. Dá para reconhecer que foi uma ação muito além de Mantega e do porte dele. 

A matéria também é paradigmática. Olhando para a trajetória de vida de Denucci dá para ver que nela converge uma forte proximidade das raízes "revolucionárias" da irmã com uma forte aproximação do poder real: Delfin e Francisco Dorneles. Acho que esta trajetória de vida que junta pontas tão diferentes nos processo de poder é extremamente curiosa.

Olhando assim de longe Denucci parece ser um hábil oportunista que soube tecer uma rede de relações pessoais e se projetar a partir dessa rede. Mas o que é importante é ressaltar que é que ele, assim como Erenice Guerra e muitos outros extremamente próximos do núcleo de poder são foram viáveis pela existência da Regra da Promiscuidade, como regra mesmo e não como excessão. 

Os estudos empíricos e teóricos sobre corrupção mostram que a corrupção é um custo que toda democracia deve poder suportar, já que a única hipótese alternativa para a corrupção zero seria a de uma ditadura e um ditador esclarecido. Certamente uma das coisas que pode nos ajudar a diferir entre democracias mais ou menos "democratizadas" é a promiscuidade como regra ou como excessão.

Demetrio Carneiro