Estamos realmente caminhando para um mundo multipolar, com todas as consequências, inclusive quanto a “sesta de moedas” como referência de troca? Em particular esse termo da sesta de trocas tira do cenário a moeda única que acaba capturando a economia mundial para a hegemonia de um país, como ainda vem ocorrendo hoje. Esse estudo sobre hegemonia e moeda única é bem interessante.
Seja como for a quebra histórica da hegemonia monopolar parece cada vez mais evidente ao ponto do Banco Mundial lançar, por meio de um novo relatório que planeja captar essas mudanças, o GDH, em português Horizontes do Desenvolvimento Global. Este primeiro relatoria trata exatamente da Multipolaridade e merece uma leitura bem atenta para quem se interessa pelo que vai se confirmando como desenho na arena internacional.
Inúmeras teorias falam sobre o fato de que democracias são regimes mais estáveis nos termos de guerra enquanto política. Quer dizer, guerra entre democracias são mais improváveis do que guerra entre democracias e regimes autoritários ou guerras entre regimes autoritários. A explicação estaria na diferença de “custo político” para os agentes políticos nos regimes democráticos e nos regimes autoritários. Portanto é de se imaginar que o desenho da multipolaridade não vá se produzir por meio das guerras, mas certamente as cotoveladas, tipo usar cotovelos para abrir caminho, serão inevitáveis num momento onde países anteriormente periféricos e agora semi-periféricos, nos termos da leitura de Walerstein e Arrighi, buscam o centro do sistema-mundo.
O sistema de se impor por cotoveladas no cenário mundial é muito bem expresso pela nota abaixo¹, divulgada ontem. A nota é assinada pelos representantes - sequência dada pelos autores da nota - do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. É a assinatura brasileira que fecha a nota. Em diplomacia são detalhes importantes². Em termos bem simples e diretos a diplomacia das cotoveladas se expõe: Os países emergentes não aceitam que a indicação do novo diretor do FMI seja feita com base em critérios de nacionalidade, referindo-se no caso ao fato da origem européia do demitido presidente. Enfim, os emergentes não irão aceitar que a escolha do novo presidente do FMI seja feita dentro do “antigo” centro do sistema-mundo.
Se a política de cotoveladas vai dar certo ou não, isto é, se os emergentes vão de fato para o centro do poder e a partir daí poderemos ter outros desdobramentos ainda veremos nos próximos capítulos. O fato é que a crise de 2008, como todas as grandes crises, gerou novos contextos e aparentemente estamos frente a um novo ciclo da história política e econômica mundial. O real significado desse novo mundo multipolar ainda é difícil de precisar, pois estamos em um processo de consolidação, mas o fato é que já dá para pensar que “nada será como antes” como diz a música.
Para nós brasileiros, normalmente desligados do ambiente internacional, estar entrando no centro do sistema-mundo tem implicações complexas que vão desde a mudança do regime cambial, uma sesta com o Real tem fortes implicações no regime cambial, até as relações internas de poder.
Outra questão : Até aqui estar no centro implicava em ser uma economia “desenvolvida”. De uma forma ou de outra até mesmo o conceito do que significa “ser desenvolvido” precisa ser mediado pela pergunta mais básica: Este é o desenvolvimento que queremos? Este é um debate eminentemente político e eminentemente ignorado ao mesmo tempo.
A cultura desenvolvimentista instalada em mentes e corações brasileiros parece não querer passar jamais por ai, talvez antevendo o quanto que seu "núcleo" de pensamento industrializante, fundado nos paradigmas que vão sendo superados, será fortemente questionado quanto a sua legitimidade.
Demetrio Carneiro
1 - Íntegra da nota citada
Statement by the IMF Executive Directors Representing Brazil, Russia, India, China and South Africa on the Selection Process for Appointing an IMF Managing Director
Press Release No. 11/195
May 24, 2011
May 24, 2011
We, as Executive Directors representing Brazil, Russia, India, China and South Africa in the International Monetary Fund (IMF), have the following common understanding concerning the selection of the next Managing Director of the International Monetary Fund:
1) The convention that the selection of the Managing Director is made, in practice, on the basis of nationality undermines the legitimacy of the Fund.
2) The recent financial crisis which erupted in developed countries, underscored the urgency of reforming international financial institutions so as to reflect the growing role of developing countries in the world economy.
3) Accordingly, several international agreements have called for a truly transparent, merit-based and competitive process for the selection of the Managing Director of the IMF and other senior positions in the Bretton Woods institutions. This requires abandoning the obsolete unwritten convention that requires that the head of the IMF be necessarily from Europe. We are concerned with public statements made recently by high-level European officials to the effect that the position of Managing Director should continue to be occupied by a European.
4) These statements contradict public announcements made in 2007, at the time of the selection of Mr. Strauss-Kahn, when Mr. Jean-Claude Junker, president of the Euro group, declared that “the next managing director will certainly not be a European” and that “in the Euro group and among EU finance ministers, everyone is aware that Strauss-Kahn will probably be the last European to become director of the IMF in the foreseeable future”.
5) We believe that, if the Fund is to have credibility and legitimacy, its Managing Director should be selected after broad consultation with the membership. It should result in the most competent person being appointed as Managing Director, regardless of his or her nationality. We also believe that adequate representation of emerging market and developing members in the Fund’s management is critical to its legitimacy and effectiveness.
6) The next Managing Director of the Fund should not only be a strongly qualified person, with solid technical background and political acumen, but also a person that is committed to continuing the process of change and reform of the institution so as to adapt it to the new realities of the world economy.
Aleksei Mozhin, Executive Director (Russia)
Arvind Virmani, Executive Director (India)
Jianxiong He, Executive Director (China)
Moeketsi Majoro, Executive Director representing South Africa
Paulo Nogueira Batista Jr., Executive Director (Brazil)
2 - A liderança brasileira, mesmo o Brasil sendo economicamente menos expressivo no grupo, é uma questão interessante para debate. Quer dizer, tudo bem que a China tenha a atitude discreta de sempre, mas por qual razão a Índia, por exemplo, abre mão desse direito? São questões de diplomacia internacional que não deveriam ser ignoradas.