quarta-feira, 11 de maio de 2011

O GASTO SOCIAL NO BRASIL E A SUA DEMOCRATIZAÇÃO

O José Roberto Afonso repubicou no seu boletim o texto de Mansueto Alemeida, “Gasto Fiscal no Brasil”:

“Entre 1991 e 2009, o gasto primário do governo central (inclusive transferências a estados e municípios) aumentou de 13,7% para 22,6% do Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil.
Apesar desse crescimento de quase dez pontos percentuais do PIB nesses quase vinte anos, o esforço de equilíbrio fiscal aumentou a partir de 1999, quando o país passou, sistematicamente, a gerar superávits primários para pagar os juros das dívidas interna e externa.
Infelizmente, o outro lado da moeda de uma economia que aumentou sua poupança ao mesmo tempo em que expandia os seus gastos é uma carga tributária crescente. De 1970 a 1992, a carga tributária no Brasil flutuava em torno de 25% do PIB e essa carga subiu para cerca de 36% do PIB no período recente. Como se aprende nos livros de economia, “não há almoço grátis”, e o aumento da carga tributária no Brasil é reflexo do crescimento dos gastos.
Dado que o padrão do crescimento do gasto público no Brasil desde o início da década de 1990 foi expressivo, para onde foi esse dinheiro? Quais contas precisam ser controladas? O custeio do governo federal está descontrolado?
Este texto procura responder a essas perguntas por meio de uma análise das contas fiscais do governo federal desde 1991. Na seção seguinte, faz-se uma rápida análise da relação entre crescimento e gastos sociais. A seção três detalha as contas fiscais de 1991 até 2009, investigando se com a eleição de um governo de centro-esquerda, em 2002, houve maior expansão do gasto púbico ou se esse novo governo apenas reforça um padrão de crescimento dos gastos que já vinha sendo observado ao longo dos anos 90.
A seção quatro detalha o crescimento do gasto público para o período mais recente, a partir de 1999, para deixar mais claro os dilemas envolvidos no crescimento dos gastos públicos no Brasil. A tese básica dessa seção é que, apesar de existir na sociedade brasileira uma p e r c e p ç ã o d e i n c h ame n t o d o Estado brasileiro e de desperdícios que poderiam ser combatidos por um choque de gestão, argumenta-se que o crescimento maior do gasto público decorre de um modelo econômico baseado em aumentos sucessivos de gastos sociais e reajustes reais do salário mínimo. Nessa seção desenvolve-se o conceito de custeio restrito para mostrar que o potencial de economia decorrente de um maior “controle do custeio” é, em princípio, pequeno.”


Mansueto em seu texto argumenta questões que são relevantes no debate do gasto público:

- O gasto social não foi uma decisão de um dado governo, mas um mandato constitucional;
- O crescimento desse gasto era e é inevitável, pois o modelo é de investimentos crescentes nesse gasto;
- Ao contrário do debate proposto por alguns economistas o problema não está no custeio da máquina, para o qual não há muita mobilidade;
- O aprofundamento das políticas públicas, portanto, só pode se dar pela via de mais tributação. A escolha de mais tributos já foi feita pela sociedade quando escolheu um modelo de maior equilíbrio social;
- O debate da qualidade do gasto tem que ser entendido a partir do prisma de que ainda assim os gastos são crescentes;
- “Poupar”, no caso o superávit, e gastar, no caso o gasto social, significa mais carga.

Enfim, essencialmente o gastos seria “justo” e autorizado constitucionalmente. Então a questão estaria no debate de um outro dilema aumentar a tributação ou limitar a expansão. Neste caso o autor sugere,corretamente, que o debate seja feito de forma aberta e transparente.

Na minha leitura a discussão de Mansueto trás questões bem interessantes e um determinado momento do debate. O problema é que há outros momentos igualmente válidos, embora não eliminem essas questões.

Vamos começar assumindo o que deveria ser óbvio:

Numa sociedade profundamente desigual, mas que se pretenda alinhada com os conceitos mais contemporâneos de democracia o gasto social tem papel relevante;

O debate do gasto precisa ser transparente e aberto.

Não acho que exista alguém que discorde disso atualmente. O problema é que além do debate enviesado, pouco aberto e transparente não basta considerar a inevitabilidade do gasto, mas é preciso imaginar e considerar o seu controle e, principalmente, a sua qualidade.
Daí, e esse é o outro momento, ser necessário discutir aspectos eminentemente institucionais e normativos ligados aos processos de controle do gasto no sentido mais da responsabilização no seu conceito mais amplo de accountability e aspectos da avaliação da eficiência do gasto.

Enfim, uma vez realizado o gasto não pode ser dado como resolvido ou como resolutor. Faz parte do processo a responsabilização e a avaliação. No aspecto de avaliação está inclusive o questionamento das políticas públicas que orientaram o gasto a ser feito de uma forma e não de outra forma. É evidente o mandato constitucional, mas, com certeza, não é evidente que o mandato resolve o “como” se gasta. Ai, como se diz, o diabo mora nos detalhes. Nesse sentido há outras escolhas que foram feitas como, por exemplo, usar o gasto, mesmo o social, enquanto alavanca de empoderamento das coalizões dominantes, num plano mais federal, ou usar o gasto numa perspectiva de permanente dependência dos beneficiários com relação à estrutura dos poderes locais tradicionais, capturando adesões que impedem na prática qualquer mudança real na relação local de poder, enfim, um outro e renovado poder local. Daí e infelizmente constatar a constitucionalidade não é suficiente e antes de discutir a inevitabilidade do gasto social é preciso discutir cada real do que já está sendo gasto.

A captura do gasto social seja pelo lado da apropriação privada dos recursos públicos, seja pelo lado da confirmação do status das estruturas de poder das coalizões dominantes está no centro de um debate político e não econômico ou financeiro ou orçamentário. Esta captura trata da democracia real vista como uma sociedade onde os direitos e demandas da sociedade não podem ser canalizados para satisfazer demandas dos seus grupos dominantes, deixando ao grosso da sociedade o “cala-a-boca” suficiente para garantir que não haja alterações no atual equilíbrio de poder. Nesse sentido é o debate sobre democratização real do gasto público.

Talvez antes de discutir limites ou novas autorizações de aumento devêssemos discutir como democratizar de fato o gasto social. Obviamente não invalidada as propostas de Mansueto, apenas, como disse, é um outro momento da mesma questão.

Demetrio Carneiro