terça-feira, 10 de janeiro de 2012

PATRIMONIALISMO E REGIME PRESIDENCIALISTA NO BRASIL: ESTÁ NA HORA DE APOSTAR NO PARLAMENTARISMO?

Entre muitos outros fatos o que envolve o Ministério do Interior e as ações eminentemente patrimonialistas do, ainda, ministro Bezerra, deixam muito claros os laços entre a Rede Patrimonialista e o Regime Presidencialista no Brasil.

Não foi por acaso que o II° Plano Nacional de Desenvolvimento,  equivocadamente admirado por Lula(1), fez uma marcha em direção ao interior do país. Por trás do projeto de levar o crescimento econômico ao nordeste havia o projeto político de revitalizar as Rede Patrimonialistas, postas de lado no processo do golpe de estado. A ditadura vinha perdendo espaço nos centros urbanos e foi aos caciques do interior revigorá-los e assim se revigorar. É dentro desse estilo de fazer política que ingressam no cenário nacional, com peso diferenciado pela oportunidade,os grupo oligárquicos de Antônio Carlos Magalhães, José Sarney e outros menos famosos, mas não meno predatórios.

Aquele presidencialismo autoritário precisava do apoio das Redes Patrimonialistas para permanecer. Apoio que não duraria tanto, pois no balanço dos riscos o oportunismo político acabou mostrando a essas Elites a hora de desembarcar do projeto autoritário e embarcar na renovação democrática. No novo presidencialismo a Rede Patrimonialista assume novo papel e torna-se interlocutora privilegiado de todas as coalizões, chegando mesmo a ter, na transição, seu próprio presidente, com a morte de Neves, ele próprio no topo de uma ampla rede patrimonialista em Minas Gerais. É ela quem articula, numa coalizão de interesses em comum, o poderoso centrão, o baixo clero fisiológico que compõe a maioria esmagadora do Congresso Nacional. 

O episódio de Collor serviu para mostrar aos presidentes seguintes a fundamentalidade de uma base fiel e subserviente. Mais uma vez a Rede Patrimonialista cumpriu se papel à risca e ofereceu a todos os presidentes os votos necessários para a manutenção de delicados equilíbrios de poder. Mas não mais que isso. Reformas em profundidade são assunto fora de pauta. A Rede não tem interesse algum em mudar o status quo. Na realidade o poderoso presidencialismo brasileiro, quase um regime imperial, vive da ilusão de um poder que não é dele, mas da Rede. Ela é o Poder de Fato por trás do Poder de Jure.

O Poder Executivo tem atrações ímpares para a Rede, pois ele tem a chave do cofre. No caso,  os ministérios não são exatamente o braço executivo da Presidência da República, mas sim, primeiro o lugar das negociações entre o Executivo e a Rede e, em segundo, o lugar onde a Rede busca recursos públicos para transformá-los em benefício privado. A corrupção é o momento mais extremo de um amplo processo que envolve empregos, favores cruzados, direcionamento de recursos, ausência de controles, que é a DRU informal etc.  

Estruturalmente falando o Poder Executivo recolheu-se à Presidência da República e de lá, via um sofisticado esquema de controle e avaliação, monitora os ministérios. Controlar e avaliar têm fortes limites quando não é possível questionar métodos. Lula espertamente se abstinha. Dilma tenta mostra algum grau de seriedade, mas caminha entre escândalos a age pressionados por esses. Escândalos na sua maior parte gerados por fogo amigo. 

Na prática Dilma é impotente para agir preventivamente. Faça a reforma que fizer os votos no Congresso continuarão sendo da Rede e tão maior será a sua fragilidade quanto maiores forem as ambições de aliados como o PSB ou o PMDB. É nessas fissuras que está a esperança do PSD, o novo player.

Uma indagação interessante seria quanto a uma rotação de poder. Vamos admitir que Dilma não se reeleja e que assuma um outro presidente. Mudaria a relação entre a Rede e o Executivo? O histórico da presidência de FHC mostra que não, pois o problema dos votos e da formação de uma ampla maioria irão permanecer, assim como acabará permanecendo a política de usar os ministérios como moeda de troca. Não faz muito diferença se o ministro propriamente é uma figura respeitável. O que importa é o que acontece mais abaixo, onde na maior parte das vezes, as coisas não acontecem pela via da corrupção, mas por outros mecanismos bem mais sutis e muito menos visíveis.

É mais que evidente que o jogo político com a Rede, ao transformar políticas públicas em benefício privado acaba afetando diretamente o desempenho do governo. O que está em causa não é apenas a Rede e a necessidade de seu apoio, mas o próprio presidencialismo enquanto regime. Não e trata de trocar nomes. Este é o problema. 

De onde vem nosso processo de democratização só avançará com a mudança de qualidade do regime republicano. Está na hora de começarmos a discutir a mudança. O parlamentarismo precisa voltar ao debate, mesmo que não seja tão fácil devido à forte cultura do presidencialismo imperial entre nós.

(1) Lula analteceu o II° PND pela "coragem" de ir contra o mainstream, que recomendava na época e redução dos gastos públicos, pela interiorização em direção ao nordeste e, finalmente por ter implementado uma infraestrutura que fundamentou o crescimento posterior. Bem antes e contra o mainstream foi atitude de Juscelino, estrategicamente esquecido por Lula, com seu Plano de Metas. Celso Furtado, o estrategista por trás do Plano, diferentemente dos generais, não almejava entregar o questão do crescimento regional nas mãos das oligarquias locais. No fim do dia o II° PND foi a base concreta para a transferência das cadeias produtivas do Centro para o Brasil, dentro do modelo de alto consumo de carbono. Este é o problema em medir desenvolvimento apenas pelo produto do crescimento.

Demetrio Carneiro