quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E ATIVISMO INTER-RELIGIOSO NOS ESTADOS UNIDOS

Abaixo um extenso, mas resumido, depoimento, de uma ativista do movimento ambientalista inter-religioso nos Estados Unidos.

É tradução livre do texto postado originalmente no blog ambientalista americano Climate Progress.

Acho que é um texto que trás importantes informações sobre as bases e o formato de funcionamento do ativismo ambientalista de base religiosa nos Estados Unidos. Relevantes para nós brasileiros que vivemos em um país de forte e amplíssima tradição religiosa e eventualmente podemos não os dar conta de que pode haver uma conexão entre religião e questão ambiental.

Demetrio Carneiro

A FÉ NA LINHA DE FRENTE DA PROTEÇÃO CLIMÁTICA

Grupos de fé vêm jogando um forte papel na crescente conscientização sobre as mudanças climáticas e outras questões ambientais. Do tema sobre o oleoduto de Keystone XL(1) às conversações sobre o clima em Durban as pessoas de fé se colocam elas mesmas no meio da ação e encorajam a cidadania e os agentes políticos a administrarem melhor o planeta.
Abaixo uma entrevista com Joelle Novey, diretora executiva do Greater Washington Interfaith Power and Light(2), um grupo de base religiosa que trabalha com centenas de congregações para promover os valores religiosos na questão ambiental. Sally Steenland, a entrevistadora, por sua vez é diretora do The Faith and Progressive Policy Inciative no Center for American Progress. A conversa gira em torno da uma resposta religiosa em âmbito nacional para a crise climática.

SS – Sua organização esteve recentemente envolvida no protesto contra o oleoduto Keystone XL. O que foi feito? E por qual razão se opuseram ao oleoduto?

JN -  O Interfaith Power and Light trabalha com mais de 14 mil congregações religiosas através do país objetivando dar  uma resposta  à crise climática  e toda a nossa rede esteve muito envolvida. Especialmente nossos ativistas dos estados de origem da proposta: Texas, Kansas e Nebraska.
Opomos-nos ao oleoduto antes de tudo por se tratar de petróleo sujo, extraído das areias xistosas do Canadá, cujo oleoduto tem mais de 2.500 km, atravessando seis estado, do Canadá ao Golfo do México, colocando em risco um aqüífero do qual muitos americanos retiram sua água para beber. A extração, manipulação e o uso desse petróleo são prejudiciais à natureza e será pior ainda feito de forma contínua. O cientista do clima James Hansen disse que a plena exploração desse petróleo fóssil não convencional, de areias xistosas, ser pode ser um game over para o clima. Concordamos com essas conclusões.
Também é necessário um acerto de contas. O presidente Obama disse em sua campanha de 2008 que a nossa seria a geração que colocaria o combustível fóssil fora de uso. Essa administração poderia tomar uma decisão sem ter que passar pelo Congresso. Contudo não só parece que o projeto será aprovado como o presidente deixou de usar a palavra “clima” em suas falas. Então temos que perguntar: “Como nação iremos conciliar na questão da crise climática?”.
Engajamos nossas congregações em diversos fronts de luta. Numerosos líderes religiosos nossos se arriscaram a ir para a cadeia assim como outros 1.200 americanos, quando se expressaram no fim de agosto e princípio de setembro. Participamos de diversos eventos. Eu falei e citei o profeta Isaías quando ele indaga: “este é o jejum que eu desejo?”. Perguntei: “É esse oleoduto que Deus deseja para nós? O que precisamos é de oleodutos que nos conectem uns aos outros. Oleodutos para a solidariedade, a compaixão, para a ingenuidade, por isso suspeito que esse não é o oleoduto que Deus deseja para nós”.
Enviamos milhares de cartões com comentários críticos ao Departamento de Estado, assinados por pessoas que tiveram a oportunidade, após os serviços religiosos nas congregações, de conversar com os líderes de nossas equipes verdes que organizaram esse movimento de protesto. Tive a honra de entregar um enorme número desses cartões, com muito impacto, na audiência do Departamento de Estado quando dei meu testemunho. Testemunhei contra o oleoduto no dia do Yon Kippur o dia sagrado mais importante na tradição judaica, que é a minha tradição. Nesse dia, quando o sol se põe começa a noite mais sagrada, quando jejuamos e somos honestos com nós mesmos, meditamos sobre o quanto queremos ser pessoas honestas e se nossas vidas estão no caminho certo.
Nessa audiência eu disse: “Este parece ser para mim um momento típico do Yon Kippur: Ou nós investimento mais e mais em combustíveis fósseis e estressamos o clima num sentido bem perigoso ou voltamos atrás e dizemos que esse não é o nosso futuro, essa não é a vida que queremos que não é justo, não é correto com as gerações futuras. Isso não pode deixar de ser percebido”. Depois realizamos um evento fora do Departamento de Estado onde estiveram presentes inúmeros religiosos.

SS. Quero fazer o papel momentâneo de advogada do diabo e oferecer alguns argumentos contrários aos seus esforços: Presentemente alguns sindicatos de trabalhadores argumentam: “Vocês estão tirando emprego de americanos num momento de crise”. Outro argumento é que esse petróleo acabará indo para outro país, vendido para a China se nós não o comprarmos. Que ao invés de buscar petróleo na Venezuela ou na Arábia Saudita podemos tê-lo de uma vizinhança amigável, o Canadá. O que você tem a dizer?

JN. O prejuízo do gás carbônico em nossa atmosfera é irreparável. Não sabemos exatamente quando chagaremos ao ponto sem retorno. Portanto a idéia de que poucos milhares de empregos são mais importantes que a destruição do clima no único planeta que podemos viver não faz qualquer sentido. Claro que as pessoas precisam de uma boa e honesta vida de trabalho. Mas somos todos seres humanos que vivem na Terra e estamos frente a uma catástrofe sem precedentes. O dano ao clima é irreparável. Qualquer questão de curo prazo é comparativamente frágil.
Eu disse na audiência do Departamento de Estado: “Cada um de vocês é um ser humano que vive nesta única Terra e esta deve ser a base de nossa conversação”. Eu sei que as pessoas precisam de emprego. Devemos descobrir maneiras para empregá-las num caminho honroso, que não leve à destruição do planeta onde seus filhos precisarão viver.
Quanto à questão: “Se fizermos a coisa certa, outros países não farão a coisa errada?”, meu entendimento é que os EUA são o maior mercado para esse tipo de petróleo e parando o oleoduto evitaremos a exploração das areias betuminosas. Não há na vida uma situação onde as pessoas digam “Quero primeiro que as pessoas parem de fazer as coisas errados, quando elas pararem eu pararei.” Evidentemente não se fala: “Não pararei de furtar enquanto as pessoas da cidade estiverem furtando também.” No entanto você caba escutando esse tipo de argumento sobre a nossa responsabilidade enquanto nação durante todo o tempo quando o assunto são as mudanças climáticas. As pessoas dizem: “ Porquê devemos ser corretos com nossa vizinhança, porquê devemos pensar nas próximas gerações? Porquê devemos ter políticas positivas no clima se a China e a Índia  ainda não fazem as coisas certas?”  Esse não é um argumento moral que aceitemos em outras situações! Eu quero que meu país faça a coisa certa. Tenho esperanças que essa atitude leve as pessoas na China e na Índia questionem por qual razão seus governos não fazem as coisas certas. Para mim o que importa é aqui e não lá. Desejo que meu país seja o líder em fazer as coisas certas independentemente dos que os outros países façam.

SS. As pessoas falam sobre um tipo de excessão moral americana, em como somos líderes mundiais na moral, mas não o somos nesse caso. É um padrão moral confuso?

JN. A reverenda Mari Castellanos da United Church of Christ também esteve lá testemunhado contra o oleoduto. Ela disse que nos vemos como pessoas de moral extremamente elevada, mas se construirmos esse oleoduto teremos que passar a pensar sobre nós mesmos de forma diferente.  Este é o custo verdadeiro que pagaremos.

SS. Há desafios específicos ou benefícios na colaboração interfé?

JN. Um dos grandes desafios da crise climática é que não iremos achar uma solução se não trabalharmos juntos. Mas uma das fragilidades dessa proposta é que la pode nos induzir a blefar sobre o que nos faz iguais e o que nos torna diferentes. Só estaremos habilitados a resolver esse problema se reconhecermos que nossa humanidade comum, nosso entendimento comum sobre o planeta é mais importante que quaisquer divisões ou identidades que possamos ter tido em nosso passado. Então, da forma como vejo, trabalhar numa base interfé é uma incrível oportunidade que o complexo problema das mudanças climáticas nos apresenta.
Por meio de meu trabalho percebo que cada congregação, cada tradição de fé, tem pelo menos uma pessoa que se porta como uma ovelha “verde” na sua comunidade. Eles acreditam com convicção em construir esta proposta em suas comunidades, procuram apaixonadamente conexões e agem, mas eventualmente se sentem solitários. Eventualmente não têm o apoio de seus clérigos ou não são ouvidos pela congregação. O grande valor deste trabalho que faço é juntar as ovelhas verdes da Igreja Presbiteriana, com as ovelhas verdes das mesquitas, com as ovelhas verdes das sinagogas. Todas têm um mérito em comum, têm lutas similares e podem inspirar umas às outras.
Quase toda a gente toma café após os serviços religiosos. Quase todos tomavam em copos de isopor. Trata-se de achar meios de manter as coisas, mas sem gerar lixo desnecessário, por exemplo. Nós temos uma lista de debates onde os líderes verdes das congregações podem dialogar entre si , trocar recursos e encorajamentos. Muitas congregações têm aquecedores em seus porões que precisam ser trocados por outros mais eficientes. Muitas congregações têm terrenos que podem ser ajardinados e podem ser usados para plantar. No fim de tudo há uma maravilhosa cooperação interfé que encontra espaço em nosso trabalho. Não há diálogo pelo diálogo, mas conversações com o objetivo de resolvermos as coisas juntos. É belo ver isso.

SS. Como vocês avaliam a colaboração interfé com os grupos ambientais convencionais? Vocês estão envolvidos num tipo de caminho comum ou é mais uma colaboração informal?

JN. Na área do Distrito Federal estamos muito satisfeitos, pois somos bem acolhidos e somos parte central de diversas coalizões trabalhando com objetivo de uma advocacia comum. Nosso papel nessas campanhas é juntar  pessoas que não ouviriam sobre esses assunto de outra forma. Quando as pessoas escutam mensagens sobre meio ambiente diretamente em suas comunidades de fé elas percebem o tema de forma bem diferente. Percebem que são objetivos morais e liçõers sobre o certo e o errado. Trazemos para esses eventos pessoas que nunca tiveram contanto com essas mensagens em outros locais.
Também acredito que, quando as pessoas se dirigem a esta coalizão ouvem sobre a profundidade moral, num lugar espiritual, justificando por que devem apoiar a energia limpa e se opor ao uso do carvão, as pessoas ficam diferentes. As coalizões ambientalistas transformam-se quando são emponderadas na articulação com a fé, falando de uma perspectiva moral. Isso também dá a elas um cuidado político diferente dos grupos ambientalistas dominantes. Então eu sinceramente, muito sinceramente acredito nesse valor único do que estamos fazendo. Estamos reunindo pessoas para uma proposta e ao mesmo tempo mudamos as pessoas significativamente enquanto fazemos isso.

SS. Um dos grupos da comunidade cristã são os evangélicos brancos(3). As pesquisas indicam que são muito mais céticos quanto as mudanças climáticas do que as denominações presbiterianas. Qual a sua experiência? Você percebe alguma divisão entre gerações no caso desses evangélicos?

JN. Temos o prazer de trabalhar com inúmeras organizações que estão liderando esses caminhos entre os evangélicos. Faço grande uso de um livro chamado “Climate for change” de Katerine Hayhoe(4)  que é uma cientista do IPCC, que trabalha na Texas Tech University e é casa com um pastor evangélico. O livro dela tem um belo trabalho que explana a ciência contextualizada na teologia cristã.
Também tenho feito um bom trabalho com o Evangelical Environmental Network(5), é impressionante a clareza de visão deles e poderosa sua mensagem chamando a comunidade para trabalhar seriamente no que eles definem como “Pró-vida”. A comunidade entende com convicção como as coisas devem ser.
Eles costumam dizer: “Devemos apoiar a regulamentação sobre o mercúrio da EPA(6), pois pode proteger as crianças ainda não nascidas.” Não é exatamente isso que chamamos de “Pró-vida”? Eles usam uma linguagem verdadeira e auto-explicativa para sua própria comunidade levando-a na direção de apoiar a legislação ambiental e suas posturas.
Há também um grande trabalho feito por um grupo chamado “Blessed Earth”(7), com o Dr. Mattew Sleeth e sua esposa Nancy Sleeth. Eles farão inúmeros eventos nos próximos meses aqui na Catedral Nacional de Washington.
Essas são todas vozes dos cristãos evangélicos que estão se destacando e vivendo a tradição e de fato encarando o cristianismo com seriedade. Precisamos ter cuidados com a criação de Deus. Por tudo que me dizem, especialmente entre as gerações, esta mensagem está ressoando.

SS. Em termos mundiais essa questão climática parece envolver o fato de que as comunidades mais pobres acabam afetadas de forma desproporcional.

JN. O reverendo Jim Ball(8) da Rede Ambientalista Evangélica (Evangelical Environmental Network) escreveu um livro chamado “Climate change and the Rising Lord” no qual fala sobre o impacto da mudança climática nas comunidades ao redor do mundo. Muitas comunidades evangélicas têm fortes conexões com os missionários na África e países onde podemos ver em primeira mão esses impactos. Os missionários estão dizendo: ”Você precisa dar a sua atenção para isto, pois eu estou vendo o sofrimento e nós temos algo a haver com isto.” É muito poderoso.

SS. Tudo isso soa muito autêntico e deve dar  muitas esperanças, especialmente em termos das comunidades. Então como a mudança climática pode se tornar um tema de luta da cidadania e não apenas um assunto para a ciência?

JN. Não posso dizer com se constrói exatamente este caminho, mas Possi dizer a você que falar sobre as mudanças climáticas para as comunidades religiosas tem um efeito único e por poucas razões:
A primeira é que quando as pessoas estão nas suas congregações elas nos ouvem com seus ouvidos morais. É o lugar onde elas assumem seus valores de forma mais intensa e isso as leva a viver-los. Então, quando você tem uma conversa sobre mudanças climáticas em alguma comunidade de fé essas pessoas entendem isso como uma questão de fazer a coisa certa no mundo. Eu acredito com toda sinceridade que essas conversas nos locais onde rezamos são profundamente transformadoras.
Em segundo lugar as pessoas reagem com respeito à ciência do clima. Eu alerto antecipadamente quando apresento um quadro sobre as mudanças climáticas dos últimos 150 anos. Poucos gráficos evocam tantas emoções. Quando as pessoas escutam os dados científicos sobre o clima expressam fortes sentimentos e algumas vezes quando tentamos manter conversas sobre ciência em ambientes onde essas informações não foram apresentadas as pessoas parecem esquivas e defensivas. Elas se retiram.  Algumas atitudes negativas acabam vindo de pessoas com dificuldades de encarar o mundo conforme a ciência o apresenta.
Então quando falamos sobre o clima num lugar de fé esse também é um lugar onde as pessoas vão para celebrar, orar, perdoar. Então esse é um bom lugar para falar de sentimentos. Eu aviso as pessoas antes de minha apresentação. Eu digo:”Minha experiência é que as pessoas reagem por conta desses fatos. Eu também reajo. Quando eu falar sobre a ciência do clima você talvez preferirá não estar aqui. Ou você irá querer pensar em outro assunto. Ou pensará que essa mulher que está falando nem é uma cientista. Ou você pensará que haverá alguma coisa na internet que desmentirá o que ela fala.” Eu as convido para reconhecer esses fatos  e procurarem entendê-los. Dizer isso com antecedência e checar as reações  durante as apresentações é positivo para uma conversa se tornar produtiva.
A ciência climática desafia nossa teologia. Todos têm uma teologia que é simplesmente nossa idéia sobre como o universo funciona e nosso papel nele. Sugerimos que podemos ter algum papel na questão do clima e que podem estar ocorrendo alterações no como a Terra funciona e que isso poderá mudar negativamente o mundo em que nossos filhos viverão. Isto num sentido que nossos antepassados que escreveram a Bíblia jamais puderam imaginar. É inquietante. É assustador.
O que podemos reconhecer é que as pessoas são profundamente afetadas por essas informações e que é correto e honesto quebrar a falta de cuidados e atenção com a questão climática quando estão todos juntos. É o melhor caminho para falar sobre a ciência do clima.

SS. A isso digo Amém. Obrigado.

JN. Obrigado.
                
Notas complementares de tradução