segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

PT: VITÓRIA MESMO NA DERROTA

Em certo sentido muito da leitura atual da esquerda ainda está colada no projeto leninista/stalinista de Estado. Nesse projeto é o Estado e sua técno-burocracia transvestida de “representantes da vontade popular” e legitimados pelas “indicações” do partido, o verdadeiro agente das mudanças no seio da sociedade. Nominalmente visto pelo marxismo como agente a história o indivíduo, as pessoas que estejam fora da estrutura Estatal ou para-estatal, é no mundo real um pouco menos que nada. Os agentes da mudança da história são outros.
De fato naquele modelo, a melhor forma de estar no governo era estar no partido. Os critérios de avaliação não eram técnicos, mas político/ideológicos.
Não parece diferente do que estamos vendo na atualidade porque é o que estamos vivendo. O que diferencia o modelo, digamos, LS, do modelo LuloPetista ou LP é o conceito que agrega ao modelo LS a democracia participativa. Na realidade Lênin, embora não fosse assim nos primeiros anos, e Stalim usavam a instância do partido para fazer esse papel. Lula e o PT “democratizam” usando a mística do “movimento social”. Estamos em plena era do “conselhismo”.
Temos exemplos bem atuais e presentes da leitura conselhista e das estratégias que vão sendo organizadas e de seu papel na estrutura de poder real. Esse é um jogo de poder real. Não por acaso estamos vendo alguma coisa parecida com a chamada “todo poder aos Soviets”. Duas propostas de criação de conselhos evidenciam onde se pretende chegar. A primeira na área de comunicação social, criando um sistema de pontuação que pode riscar do mapa os órgãos de comunicação que não caiam nas graças do chamado movimento social e a segunda na área da política externa, praticamente uma proposta que usurpa funções institucionais típicas do Ministério das Relações Exteriores e do Senado Federal.
O que ocorreu com a proposta de Orçamento Participativo, hoje completamente desmoralizado pelo aparelhamento petista, é elucidativo. Inicialmente visto como um processo importantíssimo para trazer a sociedade civil ao debate sobre o uso, e seu controle, dos recursos públicos acabou virando uma instância de confirmação de obras públicas nas comunidades, quando chegou a isso, ou, pior, legitimação por manipulação das propostas do poder executivo. A experiência de articulação para os debates do primeiro Plano Plurianual da época lulista indicaram como seria visto o orçamento participativo no momento em que o poder era real. Os arranjos bem intencionados do primeiro PPA e do segundo seguiram as linhas mais gerais dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da ONU, mas andaram bem longe das propostas feitas pelas entidades. No fim do dia o executivo central fez o que achou melhor para seus interesses. O segundo PPA centrado no problema do ensino básico, conforme a segunda meta dos ODM’s, virou o pacotão da Dilma.
O que estamos vivendo nesse fim de governo é a tentativa de consolidação institucional do modelo LP. A própria Consolidação das Leis Sociais é parte principal desse projeto. O núcleo do que será a proposta de PEC a ser apresentada pelo Poder Executivo não está na consolidação das leis sociais, embora tenha esse nome. Está na consolidação das leis que tratam da co-gestão. É o item II da proposta de Decreto Presidencial. Os outros dois itens, a consolidação das leis social propriamente dita e a formação de um indicador são os entornos.
Eficientes na manipulação e cooptação dos movimentos sociais imaginam “estar no poder” pela via da gestão participativa dentro do Estado, seja qual for o governo. Está iludido quem achar que a esquerda radical vai dar férias. Alavancada nos sindicatos e na gestão participativa a oposição será muito, anotem, muito mais agressiva do que jamais foi.
Claro, também, que isso não implica em lutar contra uma Consolidação das Leis Sociais, mas em colocar o debate sobre o papel dos mecanismos de transferência de renda em relação aos mecanismos de geração de emprego qualificado e sustentável. O próprio programa a ser apresentado ao PT na próxima quinta-feira parece ter sofrido mudanças que o tiraram dessa rota para uma visão menos crítica desse processo. Também não implica em condenar os mecanismos de co-gestão pública, mas em entender que partindo das mesmas premissas, democratização do aparelho do Estado, poderemos chegar a lugares completamente diferentes usando as mesmas estruturas e instituições.
Há muito o que fazer e uma enorme dificuldade de equilibrar de forma republicana as diversas possibilidades de democracia, representativa, participativa e direta, num todo homogêneo e coerente que nos leve para frente e não para trás. Sem projetos claros e, digamos, “desambiguados” as estruturas de poder que servem à democracia podem perfeitamente servir ao autoritarismo. O conceito bolivariano de “democracia das maiorias” é um excelente exemplo. Para finalizar, “desambiguar” significa capacidade de crítica e superação. As propostas de poder fundadas no projeto de transformação “revolucionária” da sociedade e engendradas no contexto da luta pelo que chamamos hoje de socialismo real devem ser criticadas e o posicionamento das forças da esquerda democrática não pode ser ambíguo. Não dá para ter um pé lá e outro aqui, mesmo que isso desmonte toda uma cultura de décadas e custe sacrificar figuras e conceitos que povoaram e povoam o imaginário de esquerda. Como diria o próprio Lênin está na hora de amadurecer. Nosso caminho é outro. Não somos mais companheiros na mesma viagem.

Demetrio Carneiro