Honduras, Irã, OEA do B, Cuba, Conselhos para controlar a mídia, as relações exteriores, a cultura, a questão da revisão da Lei de Anistia, o caso Battisti. A soma destes episódios, todos recentes, dá um desenho ao governo que se encerra que deve ser razão de preocupação.
A impressão inicial é que vivíamos um governo que aceitava as regras do jogo democrático. Mas tarde foi ficando evidente, no episódio do mensalão, que esse governo queria ele próprio fazer as regras do jogo, mesmo que para isso tivesse que quebrar a normalidade republicana. Foi quando ficou mais evidente o conceito hegemonista do executivo.
O episódio da crise parece ter reavivado uma face mais autoritária, bastante evidente antes da posse, mas amainada, se vê agora, pelas necessidades e complexidades do poder em um regime democrático.
A alimentação das práticas do conselhismo aparelhado e orientado para pontos de controle estratégico, ação disfarçada de democratização da máquina do Estado e a intensa movimentação geo-estratégica, essa orientada para uma atrasada visão de dicotomia bons x maus, mas que alimenta no seu fundo a noção de choque inevitável, são fatores que se somam à manipulação republicana, à violação do princípio federativo, como ações complementares do mesmo processo. E esse processo não aponta para o aprofundamento da democracia, mas para amplas restrições à sua plenitude.
A indicação de José Dirceu para a coordenação de campanha de Dilma Roussef não deixa enganar sobre o que será o que se pretende como futuro governo.
Embora exista um debate econômico, embora Dilma já tenha até se manifestado pela estabilidade, o que fica muito evidente é que o grande debate de 2010 terá que ser sobre aprofundar ou restringir a democracia.
Dilma é antes de tudo a continuidade do mesmo projeto político que une Lula e o PT: O autoritarismo inerente a essa forma de ver o mundo como um conflito permanente a ser resolvido pela hegemonização. Para isso diversos caminhos podem ser tomados, como a cooptação, compra de posições, quebra da normalidade institucional, a formação de alianças regionais destinadas a reforçar a visão dicotômica do mundo ou apoio ao autoritarismo disfarçado de apoio a projetos socializantes. Para esses atores políticos a democracia é apenas um meio de chegar ao poder. Manter o poder é outro assunto.
Um projeto para o Brasil tem que passar pelo aprofundamento e ampliação da democracia, o que implica em um questionamento sadio do atual formato republicano e federativo que teste propostas que possam equilibrar os poderes republicanos e valorizar a noção de municipalidade.
Esse projeto também deve buscar o anti-aparelhamento dos formatos de co-gestão pública e participação popular que só é possível pela via da formação da cidadania diretamente nas comunidades.
Nessa forma de ver o mundo o Estado não é o ser onipresente que paira sobre a sociedade, mas é o resultado da ação conjunta do Estado, do mercado e da cidadania.
O Estado é instrumento da nação e a nação é o todo e não a manipulação de grupos que se auto-intitulam de iluminados. Agente público, agente privado e cidadão. Trata-se da soma e não da divisão.
O processo eleitoral de 2010 acabará sendo, antes de tudo, um debate sobre a democracia queremos para construir o nosso futuro.
Demetrio Carneiro