terça-feira, 7 de junho de 2011

UM DEBATE INTERESSANTE : O FINANCIAMENTO DE LONGO PRAZO NO BRASIL.

Por coincidência algumas coisas ocorreram nas últimas 24 horas.

Primeiro chega um mailling do José Roberto Afonso sobre “Reforma Financeira”. Especificamente um texto de Cláudio Frischtak, Financiamento voluntário de longo prazo no Brasil. Basicamente:
. "O texto parte da contatação de que a combinação de taxa básica de juros elevada e oferta de títulos públicos que oferecem plena liquidez e elevada rentabilidade constitui uma poderosa restrição ao desenvolvimento do mercado de capitais e do credito de longo prazo no Brasil. A limitada capacidade de empresas brasileiras de oferecer garantias corporativas de pagamento da dívida, principalmemte durante o período de construção, é outro fator que dificulta a ampliação de créditos de longo prazo num contexto de grandes projetos de infraestrutura.

Na sequência um amigo e companheiro, Cláudio Vitorino,  me envia o link para um documento do BNDES sobre perspectivas de investimento entre 2011-2014. Claro, dois temas importantes e entrelaçados: Infraestrutura e investimento de longo prazo.

Na mídia uma nota informando que o Tesouro deve retardar o repasse autorizado de R$ 55 bi para o banco. Talvez para 2012. E uma nota do Coturno Noturno relatando os bastidores do Poder Real e da Coalização dominante. Além de um interessante passeio de Lula a Cuba para matar as saudades, curtir uma praia e fazer uma cobrançazinha para a Odebrecht, o outro passeio, mas do Chavez para descolar algum aqui no BNDES.

São diversas informações que acabam se entrelaçando e nos dão um interessante contexto para um bom debate, que já temos mantido aqui com muito insistência, sobre o papel do investimento de longo prazo, a ação do governo, papel dos bancos governamentais, questões institucionais etc.

Vamos começar pelo texto enviado por JRA. É fato, aliás são dois fatos bem evidentes quando falamos sobre empréstimos de longo prazo no país:

- Não há ambiente institucional, inclusive de segurança institucional, para investimentos de longo prazo a partir das empresas privadas, tipo grandes bancos. Embora tenha sido prometido durante as eleições um programa do tipo ainda não aconteceu;

-Face, ai o escopo do trabalho, o retorno oferecido pela remuneração do investimento em papéis públicos vai demorar muito para que isso ocorra.

Nas chamadas “falhas de governo” um dos itens é o que fala sobre a falta de controle governamental sobre os resultados das políticas públicas. Olhando para as políticas econômicas e para a leitura dominante no governo de estímulo a demanda agregada, fica fácil perceber que nossos agentes públicos preferem errar por excesso. Ou seja, na dúvida entre se restringir nos gastos ou gastar a melhor opção, para eles, é gastar. A questão aí é que a política monetária acaba virando uma espécie de “balde d’àgua” para esfriar o processo e evitar inflação mais alta que o necessário. Enfim, agindo reativamente, pelo evidente desequilíbrio sustentado pelo conceito de “piso mínimo aceitável de crescimento”, que é o verdadeiro núcleo da nova política econômica, não resta muita saída ao BC senão aumentar e, principalmente, manter a taxa básica lá na estratosfera, apesar da dezena de promessas eleitorais de Dilma. Até aqui na economia talvez seja este o seu fracasso mais redondo. As chamadas medidas macro-prudenciais têm seus limites. Da mesma forma a tolerância para as escapadas do centro da meta se mostram complicadas e um caminho que pode ser arriscado. Houve tolerância para 2011, até para a ruptura do teto da banda, e a leitura oficial era de que em 2012 a inflação iria convergir para a meta. Agora os números prospectivos vão indicando que já estamos fora da meta em 2012. Esse é justamente o problema do “erro de Estado”. Não tem como prever com certeza o acerto de uma dada política. A economia está muito longe de ser uma ciência onde “a” sempre dá em “b” se você fizer “c”. O número de variáveis é muito grande e talvez por isso, e não por ideologia, as políticas precisem ser mais conservadoras. De fato não há qualquer certeza, nesse momento e face ao desenrolar da conjuntura nacional/internacional, de que seja possível segurar 2012 dentro da meta. Nada impede, nesse momento, mantida a lógica atual de piso mínimo, que entremos num processo de crescente inflação. Evidentemente para todos será bem fácil apontar o dedo para o BC. Ainda fica esse debate sobre metas de crescimento com piso, que está motivando todo essa “nova postura”, mas vamos ver isso outra hora, pois é outro debate bem extenso.

O Padovani, num relatório de avaliação da economia brasileira da semana passada, apresentou um gráfico muito interessante sobre o gap de produto. Quer dizer, tendo em vista o produto da economia vc relaciona ele com o produto potencial. A diferença é o gap. Por princípio de teoria econômica toda vez que a economia real gerar um produto maior que o potencial vai haver inflação. No caso contrário a pressão se reduz. O gráfico do Padovani mostra claramente o ponto de maior pressão em 2010. Fazer o quê? Segundo Dilma e Mantega não existe produto potencial.

Outro ponto relevante é o papel dos bancos estatais. A nota indicando que os recursos do Tesouro serão repassados talvez apenas em 2012 fala por só própria. Toda a leitura triunfal feita pelo governo quanto ao espetacular papel dos bancos estatais precisa ser mediada pelo simples fato de que acabam virando instrumento de estímulo de demanda, mas também viram dívida pública, já que o Estado evidentemente não tem capacidade de poupança e investimento necessário para sozinho bancar as necessidades de investimento de longo prazo de toda a economia. Esta ficha parece que não cai. Parece que a leitura ideológica de que só o Estado pode, de que só o Estado faz e acontece impede uma visão mais crítica do como se organizam os investimentos de longo prazo de um país. No fim do dia o que se percebe é que o investimento estatal tem um pesado custo ignorado pelas autoridades poder ser “invisível” ao eleitor mediano, pois fica escondido na dívida pública, mas também se percebe que a capacidade de investimento estatal joga um relevante papel na questão do consórcio de poder. É o que mostra a nota do Coturno Noturno, ao dar um exemplo. Sabemos que há dezenas de outros.

Para finalizar, difícil saber quando essa questão, que é inteiramente relevante, vai entrar no radar da política brasileira, assumindo que a esfera política é o lugar onde se deveria, mais que produzir o conforto material do presente, discutir o futuro.

Demetrio Carneiro