Abaixo um texto do César Maia.
Seus argumentos são bem claros, em especial quanto ao papel do legislativo na questão orçamentária, assunto amplamente desconsiderado pelo grosso do mundo da política, mas ao final do dia o orçamento é exatamente no formato do que o governo pensa e do tamanho daquilo que realmente o governo faz.
Em 1204, na Inglaterra, o Orçamento aparece na cena pela primeira vez como sinal de um conflito entre o poder executivo, na figura do Rei e o poder legislativo, na figura dos senhores feudais que, organizados, constituiam o germe daquilo que seria o parlamento no futuro.
Nesses 807 anos nada mudou e o conflito básico é resultado de um sistema de pesos e contra-pesos onde quem tem a chave do cofre é o Executivo, mas quem tem a competência para autorizar o uso da chave é o Legislativo.
Na hora em que os parlamentares abrem a mão desta prerrogativa o equilíbrio republicano vira poeira e as portas para um sistema autoritário onde o presidencialismo predomina se abrem. Aquilo que alguns chama de presidencialismo de coalização não elimina o fato da postura autoritária e discriminatória contra o regime representativo, principalmente onde todos os desvios do Executivo são vistos como naturais e todos os desvios do legislativo são vistos como aberrações e demonstrativos do quanto o parlamento é desnecessário. Enfim, ao abrirem mão de sua prerrogativa, deixando passar tudo que interessa apenas ao executivo suas excelências contribuem com generosas pás de terra para enterrar não apenas o parlamento, mas o regime democrático. Em troca do quê exatamente? Mais verbas para suas emendas? Mais recursos para seus municípios? Por isto o tal presidencialismo de coalização pode sim perpetuar um Executivo de viés autoritário e nos colocar rumo a um forte processo de desconstrução da democracia obtida após anos de luta contra a ditadura civil-militar instaurada em 1964.
Num texto americano bem antigo, ainda do período do início da consolidação da república lá, se argumentava que o orçamento é uma peça moral e reflete o que realmente é uma nação. Mais do que nunca isto é um fato.
Demetrio Carneiro
DEPUTADOS NÃO LEGISLAM?
1. O Globo de domingo destacou, em manchete de capa, que os deputados federais votam uma média diária de 18 leis, quase todas inócuas. É a pura verdade. Mas a responsabilidade principal não é dos deputados federais, mas do resíduo autoritário presente na Constituição de 1988. De início, com a introdução das Medidas Provisórias, que funcionam na prática, de forma análoga aos decretos-lei, durante o regime autoritário. E até mais grave se compararmos a quantidade de ambos.
2. A Constituição de 1988 proíbe os deputados federais ter iniciativa de lei em matéria administrativa, financeira e tributária e não podem emendar o orçamento, aumentando despesas ou corrigindo receitas. Ou seja, resta muito pouco de matéria substantiva de rotina para legislar. O orçamento é matéria de ficção. Tanto faz o que se aprove, pois o governo muda, corrige e agrega (via MP) a seu bel prazer.
3. O orçamento aprovado, seja qual for, é imediatamente contingenciado, não para ajustar os duodécimos, o que seria natural, mas para fazer depois o que quiser. Até 1964, depois do orçamento aprovado, as despesas eram empenhadas (autorizadas) pelo Tribunal de Contas, portanto, dentro da esfera do poder legislativo. Nos EUA, há, inclusive, uma comissão mista -deputados e senadores- para empenhar despesas autorizadas pelo orçamento. Nos EUA, excluindo as questões de crise internacional e de estabelecimento da ordem e do próprio orçamento, só o poder legislativo tem iniciativa de lei, seja qual for a matéria: não há restrição.
4. São estas as razões que explicam o porquê do poder legislativo no Brasil terminar legislando sobre quase nada no cotidiano de seu trabalho. Com poder, como quaisquer dos parlamentos em regimes de democracia madura, os deputados estariam legislando sobre matérias substantivas e não -principalmente- sobre o inócuo.