quarta-feira, 1 de junho de 2011

A CRISE DE 2008, MULTIPOLARIDADE E O NOVO SISTEMA

A crise de 2008 não é o fim do sistema capitalista mundial, como muitos pensavam, mas muito provavelmente é o corte que marcará o início de um novo ciclo de fortes mudanças de relacionamento e distribuição internacional de trabalho entre nações e a multipolaridade caminha para ser o modelo final de acomodação mundial de poderes.

Os anos de 2008/2009 além do debate da crise trouxeram o debate da governança mundial. Para muitos a forte crise que assolava os países desenvolvidos poderia de alguma forma reforçar os mecanismos de unidade entre os Estados-Nação frente a necessidade de coordenar diversas ações na área financeira e econômica, contra os “malefícios da lógica capitalista” etc.

Mais tarde em 2010 o Dan Rodrik desenvolve a teoria do trilema, onde afirma que não haveria condições de alinhar ao mesmo tempo os interesses dos Estados-Nação, derivados da vontade de sua população e os interesses e uma comunidade de Estados. Era uma crítica direta a leitura desse Mundo Único e, principalmente, às contradições de uma unidade européia construída num modelo de integrações apenas parciais.

Hoje o FT publica um texto de Martin Wolf, colunista do jornal, com uma leitura bastante crítica resumida brevemente na sua abertura e no último parágrafo, principalmente:

A zona do euro, tal como concebida, fracassou. Foi baseado em um conjunto de princípios que se revelaram inviáveis no primeiro contato com uma crise financeira e fiscal. Ela tem apenas duas opções: seguir em direção à uma união mais estreita ou para trás para, pelo menos, a dissolução parcial. Isto é o que está em jogo.”

A zona do euro se confronta com uma escolha entre duas opções intoleráveis: Ou uma dissolução parcial dentro de um determinado padrão ou o apoio oficial restritivo. A existência dessa escolha prova que uma união duradoura vai, pelo menos, necessitar de uma integração financeira mais profunda e um maior apoio fiscal do que foi inicialmente previsto. O que esse processo de escolhas descartará? Eu realmente não tenho idéia. Pergunto-me se alguém tem.”


Talvez o melhor exemplo seja agora o da Grécia, onde há forte resistência interna a medidas mais draconianas, de um lado, e de outro uma proposta fortemente intervencionista que derruba a questão da soberania num dos seus aspectos mais simbólicos que é o controle da arrecadação.

Seja como for esse embate entre escolhas acaba escondendo uma outra questão muito mais complexa do que a integração que é a de saber se o modelo europeu de consumo é viável. Ou seja se há correspondência entre o que as sociedades européias pretendem continuar consumindo e a sua capacidade de produzir riquezas que sustentem esta demanda, já que os seus Estados não podem seguir se endividando eternamente.

Não parece que haja união européia que resolva aquela questão. Nesse momento, por exemplo, o que sustenta a economia alemã são as exportações para os países emergentes. A crise que iniciou em 2008, muito mais que fim do mundo talvez seja na verdade a dor de parto de um novo tipo de relações no sistema-mundo. Lá no seu início se falava na crise como geradora de oportunidades, mas talvez a questão seja bem mais complexa, pois o que estamos vivenciando é uma profunda mudança na correlação de forças e poderes gerada pela própria dinâmica do regime capitalista. No mundo multipolar que vai se desenhando não há mais um único centro e muitos centros podem indicar também uma relação ainda não conhecida de dominiação e subordinação entre os diversos centros desse poder multipolar.

Enfim, ajustes terão que ser feitos e não serão poucos. A questão da União Européia não parece ser apenas integrar-se ou não. Há outras escolhas bem mais complexas pelo visto.

Demetrio Carneiro