Algum tempo atrás o IPEA lançou uma avaliação sobre a mobilidade nas faixas de pobreza e pobreza extrema no Brasil¹.
Embora não tenha ficado clara a relação esta avaliação é aparentemente derivada de outro documento, também produzido pelo IPEA, em conjunto com o PNUD Brasil, dedicado a uma avaliação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, datado de março de 2010², este último com direito a uma introdução assinada pelo presidente, modesta como sempre: “Hoje, podemos dizer com orgulho que o aparelho público nacional deixou de ser uma correia de transmissão da desigualdade para se tornar um instrumento afirmativo de direitos, um retificador de injustiças que nenhum automatismo de mercado corrigiria por nós.”
Na avaliação do IPEA, duas coisas ficam claras:
a) O nexo de ligação entre a Estabilidade Econômica e as Políticas Sociais Assistencialistas. Ou seja, foi a inflação sob controle que viabilizou a manutenção e a ampliação do poder de compra das famílias de menor renda;
b) Ficou bem evidente o papel das políticas assistencialistas retirando as famílias abaixo da faixa de pobreza e colocando-as acima. Seria um papel de política de garantias mínimas.
Cetera et paribus, em 2016, teremos eliminado a pobreza extrema e estabelecido um teto máximo de 4% para a população em situação de pobreza.
Mais tarde coube ao PNUD apresentar um estudo sobre concentração de renda. O Relatório Regional sobre Desenvolvimento Humano para a América Latina e o Caribe 2010. No estudo a América Latina aparece em destaque como a região que tem países com maior incidência de concentração de renda. O índice brasileiro nos colocou num duvidoso terceiro lugar entre os países com maior concentração de renda em todo o planeta. Ai fica evidente a limitação das políticas sociais assistencialistas ou de garantias mínimas. Se permitem a transferência das famílias de um ponto ao outro não vão mais longe que isso.
A alteração do perfil de concentração de renda só se dará por via do emprego qualificado – contra a ampla desqualificação de mão de obra nos segmentos mais pobres – e sustentável – contra a ampla persistência do subemperego nos segmentos mais pobres.
Todos sabemos o nome da solução: Políticas educacionais consistentes e de longo prazo. É preciso fazer escolhas entre investimentos cinematográficos tipo Trem Bala ou Copa do Mundo 2014 ou um sistema educacional capaz de romper uma história de concentração de renda com algumas centenas de anos.
É a escolha entre o circo e o futuro.
Agora o PNUD, com base no mesmo “relatório” retorna o tema da concentração e demonstra o “arrasto” que a concentração de renda tem sobre os Indicadores de Desenvolvimento Humano.
Mais um argumento para reflexão e para a necessidade de uma mudança ainda mais radical nas políticas públicas sociais brasileiras.
Demetrio Carneiro
Com desigualdade, IDH-D do Brasil cai 19%, aponta nova metodologia do PNUD
Cálculo aplicado à América Latina reduz o Índice de Desenvolvimento Humano conforme as diferenças de rendimento, educação e saúde
Fonte: PrimaPagina
As condições de vida desiguais no Brasil corroem quase 1/5 do padrão de desenvolvimento do país, segundo um relatório divulgado nesta sexta-feira pelo PNUD. O estudo traz o cálculo do IDH-D (Índice de Desenvolvimento Humano ajustado à Desigualdade) que “penaliza” as diferenças de rendimentos, de escolaridade e de saúde. O IDH brasileiro cai 19% quando, em vez de levar em conta as médias nacionais como ocorre geralmente, considera essas disparidades. Ajustado de acordo com o mesmo método, o índice da América Latina e do Caribe tem queda semelhante (-19,1).
Os dados estão no Relatório Regional sobre Desenvolvimento Humano para a América Latina e o Caribe 2010, intitulado “Atuar sobre o futuro: romper a transmissão intergeracional da desigualdade”. A publicação constata que a desigualdade na região é alta, persistente e ocorre em um contexto de baixa mobilidade social.
O texto aborda o fosso entre vários grupos (homens e mulheres, zona rural e urbana, brancos e negros/índios) e sob vários aspectos, mas a medida mais sintética apresentada é o novo IDH. A metodologia que “pune” os locais mais desiguais já havia surgido em pesquisas do PNUD no México e na Argentina, mas é a primeira vez que é aplicada para uma região do globo.
O novo índice não pode ser comparado ao divulgado nos relatórios internacionais, pois usa indicadores diferentes (veja quadro ao lado). No estudo para a América Latina, o PNUD desenvolveu um IDH parecido com o original, levando em conta as médias de cada país, e depois o ajustou de acordo com a desigualdade, dando maior peso aos domicílios que estão na parte mais baixa da escala social. Os aspectos considerados foram os mesmos do IDH tradicional: renda, educação e saúde.
Num cenário em que se dá grande ênfase à disparidade, os países mais penalizados foram Nicarágua (em que o IDH-D é 47,3% menor que o IDH), Bolívia (-41,9%), Honduras (-38,4%) e Colômbia (-26,9%). Isso significa que, nessas nações, o “custo da desigualdade” é maior. Na outra ponta estão Uruguai (-3,9%), Argentina (-5,9%) e Chile (-6,5%). Os dados são de 2005 a 2008, de acordo com o país.
No Brasil, de acordo com cálculos baseados em números de 2008, o IDH "tradicional" é de 0,777, e o IDH-D, 0,629. No ranking dos dois índices o Brasil fica em oitavo na América Latina, embora a distância para o nono (República Dominicana) recue de 0,044 para 0,031 ponto.
A desigualdade de renda é a que mais pesa sobre o IDH brasileiro ajustado (queda de 22,3%), seguido de educação (-19,8%) e saúde (-12,5%). Na América Latina a tendência é a mesma, mas com intensidade menor (queda de 18,8% na dimensão renda, 16,6% em educação e 12% em saúde).
Problema persistente
Esses dados demonstram que as disparidades, além de serem um problema por si mesmas, têm efeitos graves no padrão de vida das pessoas. Na América Latina, o problema adquire contornos mais dramáticos por ter sobrevivido a uma série de políticas públicas ao longo das últimas décadas — desde as de perfil mais intervencionista, como nos anos 50, até as reformas de mercado nos anos 80 e 90. “A desigualdade de rendimentos, educação, saúde e outros indicadores persiste de uma geração à outra, e se apresenta num contexto de baixa mobilidade socioeconômica”, afirma o relatório.
Isso se deve, em parte, ao fato de que “a desigualdade produz desigualdade”. O texto salienta, no entanto, que não são apenas as condições nos domicílios que determinam a perpetuação. Há fatores que emperram as políticas públicas destinadas a deter o fosso social, como “a baixa qualidade da representação política, a debilidade das instituições, o acesso desigual à influência sobre a elaboração e a aplicação das políticas específicas e as falhas institucionais que resultam em corrupção e captura do Estado”. Esses problemas “contribuem para que a dinâmica política reforce, em vez de evitar, a reprodução da desigualdade”.
O estudo defende, porém, que é possível, sim, “romper o círculo vicioso”. Para isso, são necessárias políticas que mirem a própria desigualdade. No prefácio, por exemplo, o diretor do PNUD para a América Latina e o Caribe, Heraldo Muñoz, afirma que o combate à pobreza deve permanecer como estratégia central dos programas sociais, mas que “é preciso ir além: a desigualdade por si mesma é um obstáculo para o avanço no desenvolvimento humano, e sua redução deve incorporar-se explicitamente na agenda pública”.
O relatório propõe políticas públicas que tenham alcance (que cheguem às pessoas que precisam), amplitude (que contemplem o conjunto de fatores que perpetuam o problema) e apropriação (as pessoas devem sentir-se e ser agentes de seu próprio desenvolvimento). As intervenções públicas, sustenta o documento, devem fundamentar-se “numa clara definição das coalizões políticas que as tornem viáveis”, devem fazer uma análise detalhada das restrições que enfrentarão (limitação de recursos, por exemplo) e devem reforçar a cidadania, adotar regras de transparência e prestação de contas.