O texto abaixo é de autoria de Martin Wolf, editor e comentarista do jornal Financial Times. Em português foi publicado originalmente no Valor Econômico e, hoje, 03, no portal Ecodebate .
São inúmeras apreciações. As mais importantes:
a) Não se trata de não acreditar nas previsões, pois o risco maior para as gerações futuras é não fazer nada;
b) As previsões indicam que os países emergentes, inclusive o Brasil serão os maiores responsáveis pela expansão futura da emissão da gás carbono, com a China e Índia sozinhas responsáveis por mais de 70%. Quer dizer, os emergentes fazem parte da solução;
c) Se for verdadeiro afirmar “b”, também é verdadeiro assumir que a produção dos emergentes não só tem como destino os países desenvolvidos, como é o estilo de consumo deles e o próprio passado que nos trouxeram até o presente ponto. As indústrias que lá estavam e lá principiaram e que foram transferidas dos países desenvolvidos para a periferia e que gerarem o fenômeno dos emergentes são parte do problema também;
d) Então emergentes e desenvolvidos ou trabalham na mesma direção – uns pelos problemas futuros e outros pelos atuais e presentes – buscando um consenso ou teremos que torcer para que as previsões estejam erradas...
e) Fazem parte desta busca de soluções tentar um consenso, mas também fazem parte uma mudança radical no perfil de produção e consumo. Diversos paradigmas deverão ser quebrados e uma nova base tecnológica deverá ser implementada.
Muito bem, há um desenho claro sobre o papel do Estado e do mercado, tanto num olhar para o passado, como num olhar para o futuro. Tem uma interessante discussão sobre a eficiência da tributação versus a eficiência de um sistema de trocas etc...
Há uma forte leitura sobre o papel do Estado no processo e ela sustenta um lado do debate que aponta a necessidade de reforçar a presença do Estado na economia e na sociedade em geral. Dentro do panorama latino-americano tudo muito sincronizado com a crescente onda não apenas de Estados fortes, mas de executivos fortes, que se encaixam em projetos de democracia direta e direito de maiorias que acabam na, no seu limite conceitual, em projetos populistas de corte fascista.
Se houver espaço para mais Estado esta expansão tem que se dar primeiramente pela discussão da qualidade das políticas públicas aplicadas hoje, tendo em vista o peso da carga tributária. Enfim, as escolhas feitas e as estratégias que as constroem precisarão ser rediscutidas. Mas não será o suficiente. Sem uma presença efetiva da cidadania, seja na co-gestão da organização de proposições, planejamento ou controle e avaliação de execução, não há qualquer garantia de que a gestão pública por si só seja capaz e eficiente para romper os antigos paradigmas frente à frente as demandas dos grupos de poder real.
Forte exemplo da questão é a pressão feita por setores da indústria nacional buscando um novo estilo de protecionismo estatal via controle do câmbio, quando deveriam estar buscando fontes e elementos de financiamento que criassem novas capacidades competitivas. Claro, é mais simples e mais lucrativo, buscar o guarda-chuva governamental e o apoio dos segmentos de sempre: Os nossos queridos e eternos defensores do +Estado/+gastos. Na teoria da física quântica num subnível bem elementar é possível que partículas ocupando espaço diferentes “se falem”. Existe um nível ótimo de comunicação entre estes segmentos da economia privada nacional que desde sempre acumularam seus ganhos protegidos pela ação pública e um grupo muito específico de pensadores econômicos nacionais radicalmente anti-capitalistas, aparentemente tão distantes no mundo real.
Demetrio Carneiro
Cop 15: Copennhague será o fim do começo
Não podemos depender de um armagedon econômico para reduzir emissões. Combater a ameaça das mudanças climáticas é o desafio coletivo mais complexo que a humanidade já enfrentou
O encontro em Copenhague sobre as mudanças climáticas ficará aquém das expectativas. Isso importa? Sim e não: sim, porque os argumentos a favor de agir de forma decisiva são fortes; não, porque o acordo provável será inadequado. Combater as mudanças climáticas será complicado. É crucial que atinjamos o objetivo de forma efetiva e eficiente. Os prováveis novos atrasos deveriam ser aproveitados para atingir exatamente isso.
Minha visão de que ações decisivas são justificadas é contenciosa. Os céticos oferecem dois contra-argumentos: primeiro, o de que a ciência fundamentando as mudanças climáticas é duvidosa; segundo, o de que os custos superam os benefícios.
Não é suficiente, porém, argumentar que a base científica é duvidosa. Tendo em vista os riscos, temos de estar muito seguros de que a ciência está errada antes de seguir os céticos. Se esperarmos até ter certeza de que não está, será tarde demais para agir efetivamente. Com apenas um planeta, não há como repetir experimentos.
Felizmente, as evidências sugerem que os custos para agir não devem ser proibitivos. O mais recente Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial, do Banco Mundial, argumenta que o custo de aplicar restrições mais duras sobre as emissões seria modesto. Entre os incentivos, eu ressaltaria a importância de evitar o perigo de uma catástrofe climática. Não temos o direito de assumir tais riscos.
Mesmo assim, os céticos desempenham um serviço inestimável. Eles nos lembram de continuar monitorando os desenvolvimentos climáticos. Eles nos mostram, também, que agir tem seus custos e alguns custos – deixar bilhões de pessoas na pobreza – seriam intoleráveis. Por sorte, como o Banco Mundial destaca, as pessoas pobres pouco emitem. As reduções nas emissões que seriam asseguradas por trocar a frota dos EUA de utilitários-esportivos por carros com os padrões de economia de combustível da União Europeia cobririam as emissões equivalentes ao fornecimento de eletricidade para 1,6 bilhão de pessoas atualmente sem acesso.
Embora a ação seja justificada e provavelmente não proibitivamente cara, o desafio será imenso. Como a Agência Internacional de Energia (AIE) mencionou em seu Panorama da Energia Mundial, precisaríamos “descarbonizar” o crescimento para limitar as concentrações atmosféricas de “equivalentes de CO2″ a 450 partes por milhão, o nível considerado consistente com um aumento médio de temperatura mundial em torno a 2° C. Precisaríamos fazer tudo – reduzir a demanda, expandir fontes renováveis, investir em energia nuclear, desenvolver a captura e armazenagem de carbono, trocar o carvão pelo gás e proteger as florestas – para atingir isso.
Como estamos nos saindo? Em uma palavra, horrivelmente. Apesar de todas as conversas, não apenas o estoque de emissões, mas também o fluxo, vem subindo. A recessão ajudou. Mas não podemos – e, é autoevidente, não devemos – depender de um armagedon econômico. Como ressalta a AIE, as emissões de CO2 relacionadas a fontes de energia aumentaram de 20,9 gigatoneladas (Gt), em 1990, para 28,8 Gt, em 2007. A AIE, em seu “cenário de referência”, prevê que as emissões de CO2 chegarão a 34,5 Gt, em 2020, e a 40,2 Gt, em 2030 – uma taxa média de expansão de 1,5% por ano no período. De forma crucial, os países emergentes e em desenvolvimento “representam todo o crescimento projetado nas emissões relacionadas a fontes de energia até 2030″, com 55% do aumento vindo da China e 18% da Índia.
Os argumentos para agir rapidamente para mudar essas tendências é que, de outra forma, os custos para limitar grandes aumentos de temperatura se tornariam extremamente altos ou, na pior hipótese, proibitivos. A AIE argumenta que se o objetivo é limitar as concentrações de gases causadores do efeito estufa a 450 partes por milhão, cada ano de atraso em conseguir avançar na trajetória necessária traz custos adicionais de US$ 500 bilhões a um custo mundial estimado em US$ 10,5 trilhões. Esses custos resultam da vida extraordinariamente longa dos bens de capital usados na geração de energia e na vida ainda maior do CO2 na atmosfera.
O cenário alternativo é bastante diferente: em vez de 40,2 Gt de emissões relacionadas a fontes de energia em 2030, deveríamos ter apenas 26,4 Gt. A diferença é imensa. Um estudo da European Climate Foundation mostra que os compromissos feitos antecipadamente a Copenhague não cobrirão essa diferença*. Mesmo na visão mais otimista, as propostas atuais ficam aquém em mais de 30% das reduções necessárias até 2020 na trilha para se chegar à meta de 450 partes por milhão de equivalentes de CO2.
Copenhague, então, será apenas o começo. Provavelmente, nem isso, já que o governo dos EUA não tem capacidade para fazer compromissos obrigatórios e os países em desenvolvimento não estão dispostos a fazê-los. Copenhague parece ser o fim do começo. Há algo próximo a um consenso de que o mundo deve agir. Há, igualmente, consenso de que, apesar da retórica, pouco de útil foi alcançado até agora. O momento para agir é agora – se não em Copenhague, então, pouco tempo depois.
Infelizmente, isso não significa que teremos o tipo adequado de acordo. As políticas que empregamos precisam ser tão efetivas e eficientes quanto possível. O que isso significa? Eu enfatizaria três critérios.
Primeiro, precisamos de preços para o carbono que se apliquem sobre horizontes de planejamento relevantes. Esse preço não pode ser fixado para sempre, precisa mudar de acordo com os acontecimentos. Mas precisa ser bem mais estável do que o mercado da União Europeia permite. Por esse motivo, para mim, um imposto parece ser mais atraente do que sistema de comércio de créditos.
Segundo, o local onde ocorram as reduções precisa ser descolado de quem vai pagar por isso. As reduções precisam ocorrer onde são mais eficientes. É por isso que as emissões nos países em desenvolvimento precisam ser incluídas. Mas o custo deve recair sobre os mais afluentes. Isso tanto porque eles podem arcar, como porque eles produziram a maior parte das emissões passadas.
Por fim, precisamos desenvolver e aplicar inovações em todas as tecnologias relevantes. Um relatório do instituto de estudos Bruegel sustenta, de forma persuasiva, que simplesmente elevar os preços sobre as emissões de carbono reforçaria a posição das tecnologias estabelecidas. Precisamos, da mesma forma, de subsídios em grande escala para a inovação**.
Combater a ameaça das mudanças climáticas é o desafio coletivo mais complexo que a humanidade já enfrentou. O êxito requer ações custosas e coordenadas entre vários países para lidar com uma ameaça distante, em nome das pessoas que ainda não nasceram, sob um manto de inevitáveis incertezas sobre os custos de não agir. Chegamos ao ponto, entretanto, em que há um consenso geral da natureza da ameaça e dos tipos de políticas que precisamos seguir para lidar com isso. Pode ser que não cheguemos a um acordo em Copenhague. Mas o momento de tomar uma decisão chegou. Ou agimos logo ou descobriremos se os céticos estavam certos. Se deixarmos de agir, espero que estejam. Mas tenho grandes dúvidas quanto a isso.