quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A CORRUPÇÃO COMO UM MAL DIRETO...E INDIRETO




“Escusado será dizer, um estado tão corrupto como a Rússia está longe de ser forte, é disfuncional e fraco. A corrupção é uma ameaça sistêmica para a qualidade da educação, saúde, bem como a estabilidade do estado como um todo. A incapacidade do governo para realizar projetos de infra-estrutura é um bom exemplo de sua fraqueza fundamental. O país sofre uma escassez de mão de obra qualificada, porque muito do sistema de ensino tem sido corroído pela corrupção e o governo não fez qualquer tentativa de limpá-lo.
Ironicamente, a maior esperança de que nada será feito contra a corrupção vem dos amigos, ex-KGB, do alto escalão de Putin, que agora estão prendendo uns aos outros, e as suas ligações mafiosas com a corrupção. Como livrar-se dos concorrentes é o caminho mais seguro para o poder político, esta pode vir a ser uma das armas mais eficazes para combater a corrupção.”



O texto acima é a parte final de um artigo intitulado “There Is Nothing Normal About Corruption”, publicado no site do Peterson Institute for International Economics. Obviamente fala da Rússia de Putim (23 de abril de 2008). Mas também nos passa alguma coisa de importante.
Não me refiro ao método de extermínio de corruptos via a emulação entre eles. Se bem que não seria nada mal aplicá-lo aqui em nossos tristes trópicos.
Trata-se do primeiro parágrafo.
É uma lógica bem elementar e pouco percebida se ficamos apenas no lado moral do discurso contra a corrupção: A ineficiência da ação pública.
“A corrupção é uma ameaça sistêmica para a qualidade da educação, saúde, bem como a estabilidade do estado como um todo.”


O custo mensurável da corrupção


A corrupção não tem seu custo apenas no que há de mensurável, que é o custo direto. Por exemplo, os 10% colocados como sobre preço de um bem ou serviço e que será destinado ao agente público em forma de agrado.
Com base nestas contas poderíamos chegar a um dado valor de PIB.
Ou por meio de informações cruzadas poderíamos montar um índice de percepção de corrupção, que aliás existe, de países mais ou menos emaranhados na corrupção. Lembrando que este índice é derivado da percepção da população local quanto à corrupção que parece existir no país, a posição do Brasil é a 75ª, para 2008, numa lista de 180 nações. Com todos os traumas as populações da Croácia, Montenegro e Ghana, por exemplo, acham seus governos menos corruptos. Alguns diriam que esta foi a grande contribuição do PT à história brasileira: Todos são corruptos quando se trata da relação com o Estado. Certamente tem uma mensagem de cinismo, mas a de baixa auto-estima é maior.
Ou talvez façamos como o Banco Mundial que chegou a quantificar uma relação entre investimentos públicos e desvio de recursos. Segundo estudo feito na década de 80 ou 90 do século passado, confesso que não me lembro da data, de cada dólar empregado em investimentos apenas trinta centavos chegavam de fato na ponta final, em certos países da África. O resto ficava pelo meio do caminho, nas mãos dos diversos agentes públicos. De fato, a súbita riqueza de políticos profissionais, incluindo seus entornos, sejam amantes ou assessores, ou de funcionários públicos, é um elemento de presença constante. O Brasil tem uma enorme lista de milionários que ganharam na loteria do Estado.
Enfim, se se tratasse de quantificar nosso problema estaria resolvido.


O custo não mensurável da corrupção


Nossa questão é que a corrupção gera um efeito indireto e este pouco quantificável. O corruptor do agente público compra, no mesmo pacote, o direito à ineficiência.
É uma lógica semelhante às famosas operações “tapa-buraco” muito comuns em nosso país. Não se trata de construir estradas que durem. Construir estradas que não durem é muito mais interessante, pois tapar buracos é muito mais lucrativo para as empreiteiras. O agente público, interessado no ganho, vai sempre optar pelo quebra galho.
Existe, então, um custo adicional para corromper o agente, mas haverá um custo muito maior que se refletirá na baixa qualidade das estradas. A baixa qualidade refletirá no custo dos transportes que refletirá no custo de venda dos produtos afetando o poder de compra de famílias e empresas e tornando menos competitiva nossa exportação.
É uma longa cadeia de reflexos que começam lá na primeira ponta quando o funcionário público embolsa o seu tico-tico. No fim do dia o tico-tico é a menor parte do prejuízo nacional.
O irônico é que a corrupção gerando ineficiência aumenta os custos e aumentando o preço final aumenta a arrecadação de tributos.


Perdedores e ganhadores


Só há um verdadeiro grupo de perdedores: As famílias e empresas. Como diz o ditado “quem não chora não mama”.
Se famílias e empresas não se movimentam não haverá mecanismo imaginável que elimine a corrupção no setor público.


O burocracia e a corrupção


Claro que poderemos buscar medidas práticas. Um estudo sobre corrupção no Brasil chamava atenção para o problema de que a corrupção não seria uma questão do quanto ganha o agente público, lembrem que um argumento para o agente público ganhar mais é justamente dificultar sua corrupção, mas sim o grau de dificuldade criado pelas normas burocráticas para empresas e famílias chegarem a alguma solução quando de uma pendência com o governo. Enfim, quanto mais difícil for eu obter o que quero, mas evidente estará meu interesse em pedir ao agente para quebrar um galho e lhe dar um por fora.
Um Estado cartorial e de viés burocrático como o brasileiro é um excelente local para o estímulo à práticas de corrupção. Qualquer um que já tenha lidado com a nossa burocracia governamental sabe disto. O exemplo mais recente está na legislação sobre as Reservas Legais de Propriedade nas Áreas de Proteção Ambiental, item da Lei das Florestas. Desafio qualquer cidadão brasileiro a tentar obter nos institutos de proteção ambiental estaduais a certificação, obrigatória na lei, por conta própria. O detalhe é que a compra e venda de imóveis com áreas de preservação permanente está bloqueada até que se averbe o documento, estando os donos de imóveis rurais nesta situação sujeitos a multas. Outro detalhe, pelo menos aqui no DF, é que o jogo foi zerado. Mesmo quem já tenha feito todo o trabalho de agrimensura anteriormente terá que refazê-lo, pois os somente os agrimensores registrados no TJDF(?) serão reconhecidos. Como o registro é novo...
Na época da ditadura houve uma preocupação em desburocratizar o Estado, muita coisa foi feita, mas é como o reconhecimento de assinatura em cartório. O Brasil é um dos poucos países no mundo onde isto é necessário. Já houve tempo que havia sido abolido o reconhecimento, mas é evidente que uma estrutura que garante ganhos milionários não pode ficar de fora. Todo o debate sobre a PEC dos Cartórios e o embate entre “concursados” e herdeiros do direito parece ser um debate sobre a CF, mas é mais um debate sobre quem vai meter a mão na grana do otário que é obrigado a “reconhecer” uma firma que já está posta em um documento de fé pública, as carteiras de identidade obrigatórias no Brasil, na suposição de que os agentes de cartório são “especialistas” em diferenciar assinaturas.
Talvez a discussão sobre corrupção devesse recomeçar onde parou na ditadura, embora também devamos registrar o trabalho feito e não concluído durante o governo FHC: O desmonte da imensa estrutura burocrática e cartorial do Estado.


A distorção republicana e federativa


Uma revisão das relações de poder dentro do pacto republicano e federativo não seria má idéia.
A concentração da capacidade arrecadatória no poder central executivo dá a atual métrica das relações republicanas e federativas.
O desastre do governo Collor mostrou que a formação de maiorias absolutas estáveis é uma meta de gestão, mesmo que alcançar esta meta signifique negociações que envolvam cargos e recursos públicos. Comprar posições no poder legislativo passou a ser uma estratégia. Não custa lembrar que o legislativo deve ser visto como o espaço da negociação e não da feira. Estas compra de posições legitimada, conhecida e pública não difere tanto do ato tradicional de corrupção. De certa forma é o gestor público se apropriando de recursos públicos com uma finalidade que é privada: A manutenção de sua estrutura pessoal de poder. Há uma intenção hegemonizante aqui e, portanto, nada democrática.
A corrente de transmissão entre governo central, estaduais e municípios tem uma extrema importância nas relações de dominação e subordinação dentro da federação. Praticamente não existe prefeito que tenha coragem de agir como oposição à situação no plano do governo estadual ou do poder central. Ajuda muito o fato que de as transferências voluntárias federais exercem um importante papel dentro do orçamento municipal. De outro lado prefeituras acabam parceiras e sócias nos programas federais que já chegam aos municípios “resolvidos”. A política de emendas parlamentares acaba gerando um link com a questão das maiorias estáveis no legislativo. Novamente a necessidade de hegemonização se faz presente, novamente o mecanismo não difere tanto da corrupção e novamente é uma solução nada democrática.
Se há uma “solução” por este lado será numa rediscussão sobre a competência arrecadatória e o papel dos municípios na construção de políticas públicas de viés local e não regional ou federal.


Passos a se dar


A muitos passos possíveis no combate à corrupção, mas boa parte deles passa por uma funda revisão do Estado, do governo e da gestão pública. Estes espaços de poder envolvem interesses múltiplos e tem funda reação com o poder real.
Difícil imaginar uma agenda de transformações profundas se ela não passar por ai.


Demetrio Carneiro