Quando
a crise se instalou de forma mais nítida não foram poucos os economista que
saudaram uma nova época onde o keynesianismo voltaria com todas as suas forças
frente às forças neoliberais que dominavam os governos. Era uma leitura
simplificada de que os economistas de mercado do neoliberalismo haviam
afrouxado as amarras e controles estatais e que agora, com a crise, era a hora
de retomar esses controles. A ciência sob medida para esta retomada do controle
estatal seria o keynesianismo. Dai a euforia.
Partindo de uma interpretação equivocada de Keynes como um pensador da estatização e não do Estado a corrente de pensamento keynesiano tem seu maior investimento na noção de "espírito animal" ou seja, o Estado injetando recursos na economia via suas comprar de bens e serviços, subsídios, inclusive empréstimos com juros subsidiados, pagamento de pessoal e prestadores de serviço, fazendo esses recursos circularem na economia, acaba fazendo com que a máquina retome seu funcionamento em momentos onde possa estar havendo uma queda da atividade. O equívoco, como a economia mundial comprova, está em achar que há uma relação causal mecânica entre o gasto público e a retomada da economia. Nem sempre o espírito é animal e eventualmente os agentes econômicos fazem cálculos e se suas expetativas forem diferentes não há quantitative easing (1) muito barato que resolva. Quando não fazem cálculos o mundo real faz por eles. Isto sem entrar no mérito de que esses recursos de gasto em boa parte são capturados pela formação de dívida pública, alguma coisa invisível para o contribuinte no presente, mas com potenciais impactos no futuro, como se demonstra na situação da Grécia, Espanha etc.
Aqui abaixo do Equador o pensamento keynesiano é a base do pensamento econômico desenvolvimentista num estilo que podemos chamar de radical. Radicalismo estatizante muito distante de Keynes, para falar a verdade. Mas é assim que a banda toca por aqui.
Nossos ilustres agentes políticos na gestão da economia consideram que o caminho do atalho sempre é melhor que o caminho bem mais demorado das ações estruturantes e das consolidações institucionais no estilo de trabalhar o estímulo à poupança familiar. Perceberam que o gasto estatal não era o suficiente e, mirando na forte expansão da massa salarial nacional dentro espaço de tempo da República de 1988, resolveram ir em frente e não apenas facilitaram a realização do crédito, como também estimularam o consumo ao máximo, usando para isso até mesmo as falas presidenciais.
Analistas mais cuidadosos já vinham apontando há muito tempo que forçar a expansão do crédito ao consumidor tem limites. Isso está na origem da crise americana e depois mundial. A massa salarial crescente evidentemente autorizava uma expansão do crédito além dos limites mais históricos. Contudo a expansão se deu além mesmo desta possibilidade, dada a necessidade política de manter o ritmo de crescimento da economia. Gestores mais consequentes, aqui seriam chamados de conservadores ou neoliberais, diriam que em alguma hora seria necessário preservar a economia das famílias e tirar o pé do acelerador. Mas neoliberal neste governo e para o pensamento desenvolvimentista é palavrão. Seguimos em frente construindo o que agora fica evidente ser realmente uma bolha de crédito.
O artigo abaixo do Estado de São Paulo tem números que não precisamos ficar repetindo aqui e mostra com muita clareza que medidas econômicas recentes não alteram o fato desta bolha especificamente ter chegado muito próximo ao seu ponto de ruptura e ameaça sim colocar em risco a economia das famílias de baixa classe média. Este mesmo grupo emergente que pesou significativamente na eleição e reeleição de Lula, assim como pesou na eleição de Dilma.
A formação da bolha em si mesma precisa ser vista como algo natural do estilo de crescimento capitalista. De fato não são poucos os pensadores da economia que percebem nas bolhas um novo formato de permanência do crescimento capitalista e os fatos do mundo real parecem comprovar isso. A grande questão está em saber gerir a bolha, como mostrou a crise americana e talvez muito em breve venhamos a constatar aqui entre nós.
Esse é o problema do tiro curto de lógica econômico-eleitoral. O tempo entre eleições é de dois anos. Mirando na questão midiática esses gestores políticos se acham na obrigação de estar todo o tempo adoçando o bico do eleitor para garantir sucessivas reeleições. Isso implica em jamais tratar dos assuntos mais demorados ou mais complexos ou que envolvam algum grau de dissenso.
Com essa proposta de poder vamos estar eternamente condenados a não mudar nada que deixe o eleitor ou seus representantes desconfortáveis.
É onde o crescimento medíocre irá se instalar, pois em dados momentos é preciso cortar na carne e para esses gestores políticos falta ou convicção ou coragem ou ambas as coisas.
Demetrio Carneiro
(1) Apenas para dar uma ideia geral:
Governo estimulou as famílias a se endividar
21 de junho de 2012 | 3h 11
O Estado de S.Paulo
As autoridades imaginaram que, ao aumentar o volume de crédito baixando as taxas de juros, haveria uma redução da inadimplência e uma queda do endividamento, que levariam ao aumento da demanda doméstica no segundo semestre.
Quando se observa que as duas primeiras previsões não aconteceram, temos o direito de duvidar de que a terceira se apresente na segunda parte do ano, uma vez que a maior alta das rendas aconteceu em janeiro, com o reajuste de 14% do salário mínimo.
O que aconteceu é que o índice de inadimplência aumentou 6,2% entre abril e maio, e na cidade de São Paulo o porcentual de famílias endividadas passou de 45,7%, em maio do ano passado, para 53,24%, em maio de 2012. Fato que não devemos estranhar, pois a soma da maior oferta de crédito com a redução do seu custo é a receita ideal para aumentar o endividamento, ainda mais quando, ao mesmo tempo, o salário mínimo é aumentado. Não se pode esquecer ainda de que estamos assistindo a um forte crescimento dos empréstimos habitacionais. Mesmo que as prestações sejam modestas, elevam fortemente o comprometimento das famílias, que, ao dispor da sua unidade de habitação, se veem na obrigação de realizar novos gastos para equipar a nova casa.
O erro, certamente, foi o de oferecer todas essas facilidades ao mesmo tempo, sem levar em conta que as operações de crédito sob todas as formas e no seu conjunto podem acusar uma queda, mas são escandalosamente caras quando se trata de crédito pessoal.
Pode-se dizer que a taxa média de juros ao consumidor é a menor desde 1995. Já a taxa para cartão de crédito, que representa 77,2% da dívida das famílias, é de 10,69% ao mês ou 238,67% ao ano, sendo a operação de menor custo a de financiamento de automóveis, com 24,6% ao ano, o que, aliás, torna preferencial a compra de automóveis.
Admite-se como razoável um endividamento equivalente a 30% da renda mensal, mas em São Paulo chega em média a 42,95%. As famílias com um endividamento desse porte, terão, primeiro, a tentação de recorrer às operações com o custo mais elevado, o que aumentará seu endividamento, e chegarão a um momento em que, com 50% de sua renda mensal comprometida, não terão mais capacidade de compra, ao contrário do que espera o governo com sua previsão de aumento da demanda no segundo semestre. Isso explica a cautela das empresas para aumentar sua capacidade de produção.