A
crônica do Sardenberg (agradecendo ao Dalton a dica da crônica) abaixo é um
ótimo gancho que tratar de nossa variedade brasileira de capitalismo...
Essa
história de “capitalismo de amigos” foi estudada academicamente pelo Lazzarini
que tem forte atuação na área de Variedades de Capitalismo, um ramo novo dentro
da Economia Institucional.
Lazzarini
chamou de “Capitalismo de Laços” e esse parece mesmo ser o formato atual de
nosso Capitalismo de Estado. Estudando a obra da Lazzarini a gente se dá conta
que o modelo capitalista brasileiro, principalmente no aspecto dos “laços” vem
sendo assim desde sempre e que o Estado apenas reflete a estrutura de poder
real na sociedade. A “novidade” pós Constituinte é a agregação dos sindicatos
como fonte de poder real, o que explica por qual razão as Centrais cada vez
mais investem em candidatos próprios.
Essa
discussão é importante por dois motivos:
a)
Nossa rede neopatrimonialismo faz parte desse consórcio de poder. Não entenderemos e rede na sua permanência, amplitude, capacidade de intervenção etc. se não entendermos como se dá esse consórcio;
b)
Esse “modelo” é o modelo historicamente condicionado pelas relações dentro do
poder real, portanto ele não muda apenas com uma mudança de governo. É preciso
um sólido projeto para desafiar e mudar essa nossa variedade de capitalismo.
Demetrio Carneiro
Entre o medo e a bajulação
por Carlos Alberto Sardenberg
Conta-se que Juscelino Kubitschek,
no fim do seu governo, começou a distribuir cartórios, naquele tempo vitalícios
e transmissíveis para os filhos, e, como sempre, máquinas de fazer dinheiro. No
Congresso, parlamentares da velha UDN denunciavam essa farta distribuição aos
amigos, quando um líder do PSD de JK respondeu: mas queriam o quê? Que
distribuísse para os inimigos?
Capitalismo de amigos não é
novidade, portanto. Mas temos outro tipo hoje, o do medo. Dia desses, o
executivo de uma grande empresa brasileira, embora enraivecido com confusões
feitas pelo Ministério da Fazenda com alíquotas de impostos, explicava por que
não pretendia reclamar, muito menos brigar: os caras vão ficar muitos anos por
aí.
Os caras são os do PT, claro. É verdade
que o governo federal tem caras de muitos partidos, mas não há dúvida sobre
quem manda. Precisa de mais uma prova?
Aqui, em dados divulgados nesta
semana pela Justiça Eleitoral: no ano passado, sem eleições, o PT arrecadou
nada menos que R$ 50,7 milhões com doações de empresas. Isso é 21 vezes
superior à arrecadação do PSDB, o principal partido da oposição e que ainda
pode ter alguma competitividade em eleições presidenciais. E mais: o PSDB detém
governos em estados tão economicamente poderosos como São Paulo e Minas.
Conclusão: o federal vale 20 vezes
mais que o estadual.
Normal, dizem. Algo assim: queriam o
quê? Que os empresários dessem dinheiro para a oposição, abertamente,
registrado na Justiça Eleitoral?
Por que não? Nos EUA, por exemplo,
Obama, quando candidato da oposição, em 2008, arrecadou mais que seu adversário
governista. Neste momento da campanha americana, Obama, agora presidente, ainda
arrecada mais, mas o republicano Romney chega bem perto.
E não é só por aí que acontecem
coisas anormais no Brasil. O governo federal e suas estatais contratam serviços
de empresas, compram produtos e ainda emprestam dinheiro a juros favorecidos,
sem contar a função tradicional do Estado de arrecadar impostos, aqui
travestida do poder de escolher quem vai pagar mais ou menos.
Ter boas conexões com Brasília pode
ser mais eficiente para uma empresa do que buscar competitividade no mercado.
Entre os principais doadores do PT, estão companhias amplamente beneficiadas
por contratos, regimes tributários especiais e empréstimos do governo.
Por outro lado, uma canetada da
Fazenda, mudando impostos, pode eliminar ganhos de produtividade obtidos com
investimentos em tecnologia e métodos.
Ou seja, é conveniente ser amigo dos
caras. Se não der, convém ao menos não ser visto como adversário.
Reparem: não se trata de uma
negociata do tipo "ou passa lá no balcão do PT (ou do PMDB ou do PP) ou
não leva nada". Ninguém pode dizer que acontece assim no BNDES, no Banco
do Brasil, nas compras da Petrobras ou nos gabinetes da Fazenda, para citar
apenas os locais de decisões governamentais mais importantes.
Também não se pode dizer que a forte
participação da administração federal e suas estatais seja uma novidade. O que
é diferente é a mão pesada e o ativismo dos governos do PT. Isso vem
especialmente desde o segundo mandato e está em franca escalada.
O governo Dilma intervém em todos os
setores. Muda constantemente alíquotas de impostos, para diminuir e aumentar,
altera regras do comércio externo, age sobre a taxa de câmbio e empresta mais
dinheiro a juros favorecidos a grupos favorecidos. É um modelo oficial: o
Estado manda, escolhe e indica onde as empresas devem trabalhar. A presidente
dá lições a todos.
Cria-se uma teia de interesses, mas
não de todos. São claramente favorecidos alguns setores, considerados pelo
governo como os mais importantes para o país.
Daí os vícios. Primeiro, as escolhas
de Brasília podem estar erradas, e frequentemente estão, como prova a História
do Brasil recente, dos anos 70, no governo Geisel.
Segundo, o modelo distorce o
comportamento dos agentes econômicos, que ficam entre o temor e a bajulação ao
governo. Repararam na propaganda dos grandes bancos privados depois que levaram
a bronca da presidente Dilma? Agradar o governo, fazer favores a seus membros,
torna-se comportamento quase de sobrevivência.
Terceiro, mais importante, o modelo
gera corrupção. Reparem: se a maior doadora para o PT é uma companhia
amplamente favorecida pelo governo (a JBS), ainda que seja tudo legal, por que
o diretor do terceiro escalão de um ministério não pode pedir dinheiro para
seus projetos políticos e negócios pessoais?
Não é verdade que sempre foi assim
no Brasil e que é assim pelo mundo afora. Acontece em muitos países, certo, mas
não podem ser o exemplo que queremos. Nas democracias, o governo é submetido a
regras que limitam o poder do governante de plantão - e, inversamente, garantem
a liberdade e a autonomia dos cidadãos, em qualquer atividade, além da
igualdade de oportunidades.