terça-feira, 30 de agosto de 2011

A MANIPULAÇÃO POLÍTICA DA QUESTÃO DOS JUROS E AS CENTRAIS SINDICAIS

      O que há em comum é que todos concordam que as taxas de juros são altas, mas é ai que acaba a concordância.
Às vésperas de uma reunião que se decidirá sobre o valor da Selic Mantega aumenta o valor do Superávit Primário em R$10 bi, depois de toda uma semana onde a linha de fala é reduzir gastos para reduzir a pressão inflacionária e assim reduzir juros.

      As Centrais, por enquanto apenas as chapa-brancas, entenderem o recado e já começam a somar na pressão sobre o BC para que reduza a taxa. Segundo o braço sindical do PT, a CUT: “O que estraga e sangra o Brasil nesse momento é a taxa de juros criminosa praticada pelo Banco Central”. Ou “Vamos fazer manifestação na frente do BC, para iluminar as cabeças”, segundo o braço sindical do PDT, atual controlador do Ministério do Trabalho e dos fartos recursos do FAT, a Força Sindical. Manifestação na porta do Banco Central com direito à UNE.

      Há uma retomada do antigo discurso esquerdista sobre os males do mundo serem todos originados no capitalismo e em particular nos capitalismo financeiro. Nessa leitura, compactuada por Mantega e, provavelmente por Dilma Roussef, o Banco Central é o lugar onde o crime se realiza. Algo assim: Um conluio entre dirigentes do BC e os agentes dos banqueiros numa conspiração em favor desses últimos. Nessa leitura subir ou baixar juros da taxa Selic é uma decisão originada na vontade dos dirigentes do BC.

      Seja como for o circo está montado e o governo se sentirá docemente constrangido a exigir que o BC baixe suas taxas consumando o velho sonho nacional-desenvolvimentista, que nesse caso não tem cor, pois também era esse o projeto de Serra, de controlar o BC a partir do Ministério da Fazenda.

      Não é difícil imaginar que logo entrará na ordem do dia o questionamento do pagamento da Dívida Pública, não mais apenas a externa, mas toda ela, tendo em vista que os acordos teriam sido manipulados.

      Estamos cumprindo um ciclo já conhecido em outros países e aqui mesmo no passado. Primeiro nós gastamos, sem preocupação de entender que a partir de certo ponto o gasto público acaba gerando inflação. Mas o governo não pode parar de gastar, pois entre nós o gasto é utilizado como instrumento permanente de negociação de maioria. Entre nós o gasto está diretamente ligado à permanência no poder. Foi assim em 2010. E foi assim, com o caixa aberto, que choveram aliados e Dilme se elegeu. O segundo problema é quando o gasto excede a arrecadação. Foi assim com o BNDES que, primeiro para “combater” a crise e depois para garantir as eleições, recebeu do Tesouro Nacional algo por volta de R$230 bi sem que houvesse recurso a não ser criar Dívida Pública. Com efeito toda vez que o governo gasta mais do que arrecada necessariamente está criando Dívida Pública.

     Enfim, embora politicamente seja muito produtivo, pois coloca o boda na sala, acusar o BC é muito bom, mas ele não tem nada a haver com isso. Em situações em que a política fiscal é usada como forma de barganha a política monetária é “reativa” e não ativa. Há todo um sistema de pesos e contrapesos na política econômica de governo visando o controle da inflação. O BC pode até ter uma leitura mais “ortodoxa” e pautar para que a inflação não vá muito além da meta fixada, tendo uma política mais reativa e aumentando a taxa Selic com mais freqüência ou pode, como agora, ter “maior tolerância”. O que estamos presenciando agora: A “maior tolerância” já leva a inflação para o ponto mais alto da faixa de oscilação. Primeiro 2011 bateu no teto, mas 2012 “estava sob controle”. Agora 2012 também baterá no teto, mas 2013 “está sob controle”. Provavelmente logo, 2012 é ano eleitoral, 2013 também estará batendo ou passando o teto.

      O grande problema com a inflação, na realidade, são dois grandes problemas:
A partir de certo ponto ela fica fora de controle. Historicamente nós mesmos temos diversos exemplos e todos sabem ou leram onde foi terminar o processo: A hiperinflação.
A inflação é especialmente maléfica para os mais pobres. Argumentos de indexação jamais resolveram o problema da inflação. Apenas aceleraram o processo.

      Enfim, se o BC não é o diabo e muito menos o lugar onde criminosamente agentes públicos estão em conluiu com os banqueiros capitalistas, então onde está o problema?

     Certamente ele vai estar numa retomada da leitura eminentemente populista de desmonte dos mecanismos de Estabilidade e de retomada da lógica de irresponsabilidade fiscal, jogando o problema no colo do futuro.

      Por enquanto a palavra de ordem é “combater a crise” e garantir o nível de emprego. Não políticas econômicas plásticas. Só há uma saída: Para frente e para cima. Num mundo sem inflação e sem dívida pública até que seria uma boa solução.

      De momento o que dá para imaginar é que ao reduzir a taxa de juros o BC irá gerar mais estímulos à economia e assim teremos maior pressão sobre a inflação. O jogo da Mantega se baseia na previsão de que há uma tendência à queda da inflação. Nesse momento se o BC reduz em 0.25 a taxa Selic não é muito, mas será uma vitória política que certamente será capitalizada pelo governo na mídia. Criando finalmente um dado diferente, fugindo de todo o desgaste dos últimos meses. No final do dia a redução natural do ritmo somada ao estímulo acaba gerando uma economia levemente estimulada e poderá ocorrer uma permanência do ritmo inflacionário. Vamos dizer que a a diferença entre a inflação que poderia haver e a inflação que haverá é um custo político facilmente absorvível pela “vitória” obtida em dobrar o BC e dar uma resposta ao conluio crimonoso com a banca.

      O único problema dessa lógica eminentemente populista, além do flerte com o abismo, é que tudo muda e nada muda.
As centrais sindicais chapa-branca, mais o movimento estudantil chapa-branca, que estão ai criticando o conluio criminoso do BC até aqui não criticaram o juros que se cobra no financiamento dos bens de consumo. Eles seriam menos “criminosos” do que a Selic? Também não criticam os juros pagos pelos empresários para alavancar os negócios que geram os empregos que pagam o imposto sindical que sustenta as Centrais. Um e outro são resultado direto do sistema bancário brasileiro, fortemente oligopolizado. Os sindicatos dos bancários, todos controlados pelas centrais chapa-branca silenciam. Então, como fica? Quando é o BC que reaje aos gastos quase descontrolado é crime, mas o sistema bancário oligopolizado, com todo o beneplácito e estímulo dado por Lula em seus oito anos, não é “crime”? Também não é crime o governo até agora não ter sido capaz de regular o financiamento privado de longo prazo? Ou será porquê é mais interessante para os bancos viver dos juros escorchantes cobrados o consumidor? E isso não é conluio? O BC está errado e o governo está certo? São questões que não cabem na lógica oportunista do populismo.

      Há espaço para políticas mais arriscadas, afinal? Ou tudo isso quer dizer que fora dos mecanismos formais de Estabilidade não há saída?

      Mecanismos formais de Estabilidade são mecanismos e não políticas públicas pontuais. São instrumentos que buscam viabilizar um ambiente mais previsível para a execução dessas políticas. A questão mais relevante está é nas políticas propriamente ditas.

     Agora mesmo o governo comemora a vinda de uma montadora chinesa de veículos para o Brasil, quando, se fosse o caso, deveria estar buscando comemorar a criação de uma montadora nacional, com tecnologia nacional. É evidente que receber linhas de montagem gera empregos, mas é evidente que a parte do leão está na propriedade do conhecimento criando e não no veículo propriamente. Esse é um debate que remete diretamente ao modelo de desenvolvimento atual. Se as Centrais estivessem tão interessadas realmente estariam questionado é esse modelo desenvolvimentista dependente. É esse o melhor nome. O Brasil apenas mudou o parceiro. De americanos para chineses não mudou mais nada. Continuamos sendo exportadores de commodities sem qualquer tipo de valor tecnológico agregado. Continuamos a consumir bens de consumo importados. Não será uma política protecionista que só favorece os acionistas das empresas que resolverá isso. É preciso uma mudança de fundo e ela só virá se mudar a lógica de desenvolvimento.

      Por enquanto, e pelo resto da vida, é mais produtivo não discutir nada disso. Até porque um novo modelo de desenvolvimento coloca em cheque as atuais alianças de poder. Essa simbiose profunda do Capitalismo de Estado brasileiro, envolvendo os setores patrimonialistas, fundos de pensão via sindicatos, empresários nacionais beneficiários dos favores de governo, os diversos oligopólios aceitos e estimulados pelo governo como legítimos, agentes públicos, vai muito bem obrigado. Nossas Elites nos seu diversos formatos serem foram bem. Podemos não se tão bons e desconcentração de renda ou redução da desigualdade, mas somos muito bons em formar riquezas individuais. É só procurar saber quantos brasileiros estão entre os 100 mais ricos do mundo.

     Políticas heterodoxas são erradas? O economista americano Dan Rodrik acaba de publicar um extenso trabalho comparando as economias latino-americanas, africanas e asiática. Nele, usando séries históricas de  Renda Per Capita como referência ele mostra que:
a) Há uma convergência histórica entre a renda per capita das economias emergentes em relação às economias avançadas, mas apenas em uma situação específica que envolve o que ele chama de indústrias convergentes;
b) Que, portanto, essa convergência é diferenciada dentro do grupo das economias emergentes;
c) Que enquanto as economias asiáticas estão em regime de convergência acelerada as economias da África e da América Latina caminham em passo bem mais lento e até mesmo retrocederam com relação ao período pós-guerra, pelo que ele denomina de estruturas de mudança redutoras de crescimento.

     Dan Rodrik debita isso ao fato dessas economias africanas e sul-americanas terem seguido rigorosamente os manuais de boas práticas. O eu não foi feito pelas asiáticas. Na leitura de Rodrik políticas excessivamente ortodoxas travaram o desenvolvimento na região. Não é errado pensar assim. Provavelmente políticas mais heterodoxas seriam melhores. Na questão do protecionismo, por exemplo, há fortes evidências de que os países desenvolvidos usaram e abusaram dele para garantir suas indústrias. Em parte essa é a lógica que move o atual governo. Experimentos heterodoxos.

      Onde, a meu ver, Rodrik e o atual governo falham é que não adianta executar movimentos heterodoxos se o modelo de desenvolvimento não mudar. Por exemplo, a atual coalizão de poder compõe com os oligopólios bancários, os primeiros interessados em manter a alta estrutura de juros nos empréstimos ao consumidor e a não investir em financiamento de longo prazo. Sem financiamento sustentável de longo prazo aonde chegaremos?




    Rodrik chama de “growth-reducing”, “redutoras de crescimento”, as estruturas que, segundo ele, se confirmaram na América Latina e África, entre 1990 e 2008. Basicamente envolvendo um movimento das atividades de alta produtividade para os serviços de baixa produtividade e informalidade. No caso brasileiro vivemos um processo parecido, não tão radical, mas bem parecido. Somos fortemente exportadores de commodities, dedicados à indústria de manufatura, mas pouco voltados para intensificação do uso da produtividade pela via da criação de conhecimento. Nosso mercado interno se sustenta mais pela oferta de crédito do que pela renda. E, finalmente, os números da População Economicamente Ativa mostram uma lentíssima transição da informalidade para a formalidade. Cerca de 49% de nossa PEA ainda é de setores informais. Há evidente conexão entre baixa produtividade e informalidade e essa talvez seja a explicação mais forte para as nossas taxas históricas de crescimento estarem tão abaixo das taxas históricas de crescimento de outros emergentes.

     Se nosso conceito de desenvolvimento não estiver focado nesses aspectos dificilmente chegaremos a níveis de crescimento mais acelerado e sustentáveis no longo prazo. Naquilo que Rodrik chama de “convergence industries”, ou industrias geradoras de convergência. Referindo-se a convergência da renda per capita entre enmergentes e os países desenvolvidos.




      Enfim, ao invés de flertar com o retorno do populismo, onde todos os nacional-desenvolvimentistas de todos os matizes políticos irão se encontrar, instrumento verdadeiramente útil para ocultar os fatos reais e manter a estrutura de poder, as Centrais talvez devessem estar preocupadas com o emprego sustentável no longo prazo, esse sim promotor das melhorias, o que implica em questionar diretamente o atual modelo de desenvolvimento e tudo o mais que está conexo a ele, inclusive a estrutura do atual consórcio de poder da qual elas são parte integrante.




Demetrio Carneiro