Como em todo o resto o governo brasileiro vem emitindo sinais contraditórios e que não apontam um rumo claro. Depois de um bom tempo “neutro” o Brasil finalmente apoiou hoje, 23, uma resolução anti-Khadafi do Conselho de Direitos Humanas, mas é pouco. Muito pouco.
Lula e o lulismo tentaram reescrever muita coisa. Uma delas foi o papel da nossa diplomacia. É de Lula, M.A. Garcia e C. Amorim a proposta de inflexão para um estranho estilo de “realpolitik” que buscava sustentação da demanda brasileira pela via de apoio a meia dúzia de regimes autoritários espalhados pelo planeta. Sempre foram indisfarçáveis as simpatias de Lula e lulistas com o estilo autoritário. A democracia é algo que suportam desde que seja manipulável em favor de seu projeto de poder. Daí todos os testes de limite dos últimos anos que nos colocaram muito próximos da fronteira que separa os regimes democráticos dos regimes autoritários.
Contudo faltou a essa turminha uma leitura mais objetiva dos fatos da geo-estratégia internacional. O grande fator de atração entre a ideologia lulista e a ideologia autoritária sempre foi o anti-americanismo. Nesse caso em específico é uma visão terceiromundista típica do maniqueísmo existente antes da queda do sistema soviético. Aquele mundo tinha dois campos bem definidos. No campo do sistema soviético, mesmo que a China e alguns outros não estivessem numa aliança direta com a URSS eles estavam dentro desse campo e estavam no jogo, orbitavam diversos regimes proto-socialistas, num conceito totalmente difuso onde ser socialista era ser não-americanista, estabelecidos em países do, então, terceiro mundo. Conhecidência que fossem todos anti-democráticos e vissem na democracia um dos “males” do capitalismo? Não, na realidade o noção dominante na época sobre a ditadura do proletariado e o quanto seria necessária para mudar o Estado em favor do “povo” era um facilitador dessas relações.
O lulismo, mesmo sem o sistema soviético ainda vê esse mundo bipolar. Só que agora a contradição se dá entre países desenvolvidos e países não-desenvolvidos. Nessa lógica uma aliança do sul contra o norte passa a ter a prioridade. O problema é que a escolha de parceiros não foi das mais felizes.
No antigo sistema bipolar, EUAxURSS, as ditaduras tinham dois papeis importantes: Controlar o conflito distributivo em favor das elites locais e sua aliança com os centros dos dois pólos; manter essas nações alinhadas e compromissadas com seu campo. Não foi um processo desprovido de contradições. Aqui mesmo entre nós a ditadura civil-militar de 1964 teve seus momentos de autonomização, embora nem por isso tenham deixado de conter o conflito distributivo e assumir o alinhamento geral. Assim tivemos ditaduras à esquerda e à direita. O atual sistema, na realidade monopolar, dispensa essa condição e as ditaduras perderam a sua funcionalidade. Agora vão caindo.
Racionalmente não é muito difícil compreender o que está ocorrendo. O grande movimento sistêmico hoje é a busca de novos mercados e o centro está maduro para isso. Os mercados do Centro do sistema estão saturados pelo hiperconsumo e não conseguem mais sustentá-lo. De outro lado a polírica de exportação de cadeias produtivas por conta do aumento da concorrência e redução da mergem de lucro já vai alcançando até os setores mais modernos. Agora mesmo a HP já se mostra interessa em “abrir mão” de todo o segmento de produção de pc’s, justamente alegando perda de margem de ganho. A própria crise viabiliza todo um excedente de capital que precisa buscar novos pontos de aplicação. É ai que os crescentes mercados internos dos países emergentes vai assumindo um papel relevante. Certamente o efeito passa também para os países da periferia.
Mercado de consumo não combina com autoritarismo. O que combina com autoritarismo é cleptocracia e corrupção. Em boa parte dos países da periferia não haverá como expandir mercado em favor do Centro e, inclusive, em favor dos emergentes e semi-periféricos sem que o autoritarismo seja substituído por formas de democracia que viabilizem algum tipo de distributivismo, seja pela ação do Estado, seja pelo funcionamento da economia, seja por ambos, num formato combinado. Nos países da semi-periferia e periferia é esse o caminho do mercado.
Talvez estivesse nos sonhos do lulismo, através de acordos com as elites dirigentes desses regimes autoritários, algum tipo de “reserva de mercado” para o Brasil ou algum tipo de acordo de apoiamento nos fóruns multilaterais. Ou ambos. Evidentemente democracias e ditaduras têm o mesmo poder de voto nesses fóruns. Talvez o apoiamento a esses regimes garantissem algum tipo de “fidelidade de voto”. Isso só no futuro, depoimentos, documentos oficiais, se forem abertos, dirão.
Seja como for a diplomacia de respeito às políticas internas dos regimes autoritários e de aliança com suas elites vai desmoronando. O que deveria ser mais preocupante é que o questionamento interno, entre nós brasileiros, a essa política foi bem fraco. Mas não é apenas isso. Dilma não parece muito interessada na revisão dessa política. Logo após sua posse os sinais eram de revisão. Contudo com o passar do tempo tudo o que vemos é, no máximo, o silêncio autorizativo de nossa diplomacia e um comportamento que pode ser minimamente classificado de ambíguo.
De momento o que precisaria ficar mais claro é que não haverá revisão alguma se não houver debate e pressão. A diplomacia brasileira precisa abandonar esse beco sem saída, reconhecendo que a atual política faliu. O isolamento internacional ao lado de ditaduras decréptas não faz parte de nossas melhores tradições.
Demetrio Carneiro