quarta-feira, 12 de maio de 2010

AS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ

Caso alguém tivesse ido à lua num programa turístico e tivesse ficado por lá nos últimos, digamos, seis meses, sem acesso ao rádio e à TV, levaria um susto ao ler as notícias nos últimos dias.

Estamos vivendo uma inversão total de sinais. A se acreditar no que vai na mídia.

Temos uma Dilma “responsável”, defensora da estabilidade e mesmo privatizante e um Serra estatizante.

O debate sobre o Banco Central, gerado a partir de uma entrevista de Serra à CBN continua rendendo ao ponto do Correio Braziliense ( Mercado compra Dilma, edição de hoje, 12.05 ) já identificar em Serra a imagem que deveria, por hipótese, estar colada em Dilma.

A confusão é muito grande e Serra não se sai bem. Quando falou no necessário entrosamento entre as políticas monetária e fiscal, registrado pelo Estadão, na edição de ontem, 11, não soube especificar exatamente do que estava falando, o que só fez aumentar o problema. 
Dilma não disse é nada, mas foi curta e direta: Sou pela autonomia do BC. Como também foi em um debate sobre infraestrutura e admitiu a privatização da Infraero, se fosse necessário.

Na edição de terça-feira do Estadão, que citei antes, há uma belíssima foto com Dilma em primeiro plano. Em segundo plano estão Palocci e Marco Aurélio Garcia. Nada mais emblemático. O fotógrafo captou numa imagem a essência do momento político: Responsanbilidade interna e irresponsabilidade externa. A prática e o discurso.

Palocci, no próximo dia 19, irá falar sobre o próximo governo em Nova Yorque. Certamente já sabemos que fará o discurso da estabilidade, pois todos, principalmente com a crise da Grécia, já sabem que sem recursos externos o crescimento do Mantega, de mais de seis por cento ,vai para o sal. 
Serra pelo visto não se deu conta desse pequeno detalhe de que é o mercado quem baliza os investimentos com base em expectativas que os agentes públicos criam ou não.

A “virada” petista já vem de longe.
Foi o último Congresso do PT o divisor de águas. Quem acompanhou o intenso debate dos petistas durante a crise. ..Quem leu todos as falas alertando para o fim do neoliberalismo, para a retomada do desenvolvimentismo keynesiano de gastos público etc...ficou surpreso ao constatar as metas petistas e verificar que entre elas estava a defesa do conceito de estabilidade econômica. Mais surpreso deve ter ficado ainda ao ver a crítica ao caráter violentamente regressivo da tributação.

De lá para cá as coisas foram evoluindo a ponto de ver o nosso Mantega defendendo!!! O corte de gastos públicos caso a meta de inflação ficasse prejudicada pelo crescimento de mais de seis por cento.

Pode parecer o samba do crioulo doido, mas a necessidade de recursos de investimento para um projeto extremamente ambicioso num país sem capacidade interna de investimentos pode fazer milagres. Existe uma clara previsão de estrangulamento a partir dos 5% por conta do nosso custo-Brasil, a questão da infraestrutura.

Certamente o PT “roubou” o discurso de Serra e ele não estava preparado para isso e, pior, não soube rastrear os acontecimentos.

E agora, Serra não tem discurso? 
Vai posar de “estatizante”?
Já tem alguns meses que estamos chamando a atenção para o erro de fazer o debate “em partes”. Claro que nosso interesse não é pautar o discurso dele, mas mostras que  poderia ter sido outra a estratégia.
Não que não haja o que falar e nós falamos. 
Tentamos mostrar o erro de transformar o debate dos juros num problema do BC quando os juros reais são determinados pelo mercado e se são altos o são como resultado da razões estruturais. 
Da mesma forma tentamos mostrar que soluções conjunturais na questão cambial não são eficientes e só adiam a solução dos problemas. 
Até mesmo para a falta de compatibilidade entre as políticas fiscal e monetária já apresentamos uma proposta que está registrada em um texto do Tony e meu na nº 25 da Revista Política Democrática da Fundação Astrojildo Pereira.

O que procuramos estabelecer é que o debate de partes só tem sentido se você lida com o todo. Ou seja, só dá para debater partes se em tua cabeça há um claro projeto de desenvolvimento.

Este é o ponto. 
O debate que Serra devia forçar é o debate sobre o modelo de desenvolvimento que queremos e que apontará para o nosso futuro enquanto nação. 
O modelo do desenvolvimentismo keynesiano está superado. Defasado. 
Temos que ter a ousadia de buscar novas propostas de desenvolvimento que respondam às demandas de nosso tempo. Esse deveria ser o centro do debate. 
As questões da macroeconomia e da microeconomia, o papel do Estado, a questão das políticas públicas, tudo isto ou tem um eixo orientado para o desenvolvimento que queremos ou serão um debate perdido.

PT que “comprou” pragmaticamente a estabilidade tem ai o seu ponto fraco, pois continua percebendo no velho desenvolvimentismo keynesiano a única saída.

Demetrio Carneiro