
O texto abaixo postei alguns meses atrás no Portal Alternativa Brasil. Decidi por reeditá-lo, com algumas pequenas alterações, pois acho que está bastante atual.
Demetrio Carneiro
Um programa para a oposição terá que ser um programa que vá além da proposta conservadora. Porque é isso o que, na essência, boa parte da oposição é: um agrupamento com forte tendência conservadora. Não que não haja um desenvolvimentismo conservador ou que o novo conservadorismo não perceba a importância de reformas estruturais ou do desenvolvimento social. Ao contrário da manifestada visão chiita de parte da esquerda o novo conservadorismo percebe todas essas coisas. A esquerda tem a mania de confundir o conservadorismo clássico e determinado apenas pela visão tradicional dadivisão internacional do trabalho, a coisa mais feudal, com um conservadorismo que vem do crescimento endógeno de uma burguesia brasileira. Não consegue perceber as nuances desse processo e suas complexidades.
Foi a ditadura, chamada de entreguista, mas ferrenhamente protecionista para a burguesia nacional, que ao mesmo tempo em que aprofundava os vínculos, até hoje mantidos, com a divisão clássica do trabalho, através de investimentos em C&T para produtos agrícolas de exportação, estímulo à expansão das fronteiras agrícolas ( as fronteiras agrícolas brasileiras praticamente se esgotaram ainda durante a ditadura, é bom lembrar ), uso de tecnologia intensiva de mão-de-obra, estimulava a criação de grandes grupos econômicos, verdadeiros consórcios econômico-financeiros, que vão desde a agricultura, pecuária, indústria, mercado de capitais até bancos. Consórcios de capital nacional, basicamente.
Enfim, sempre sendo a mesma coisa o país foi se transformando em outra coisa e existe sim uma burguesia brasileira gerada nas entranhas do favoritismo estatal.
O projeto liberal de FHC foi para essa burguesia o grito do parto concluso. Finalmente havia meios para caminhar sozinha e o Estado de gestador passava a ser um parceiro incômodo. O capitalismo brasileiro já podia caminhar sobre suas próprias pernas.
O sonho liberal não durou tanto. Havia um novo ator em cena.
O amadurecimento capitalista deu-se em paralelo ao amadurecimento democrático e esse último acabou trazendo à luz do dia uma classe média urbana de baixo perfil, e mais, deu voz a um segmento do proletariado brasileiro sempre tratado, pelas agora decadente elite tradicional, como curral eleitoral. As elites tradicionais não jogaram com a burguesia urbana e seus currais simplesmente mudaram de bandeira, junto com parte importante da própria elite. Sarney que o diga. Tanto essa baixa classe média, como os setores do proletariado precisavam do Estado como agente acelerador de seu desenvolvimento social. Olhando por essa perspectiva: a necessidade de intervenção redistributiva do Estado, o projeto liberal passou a ser um empecilho. O desenvolvimento social sugeria mais e mais Estado. Nisso a situação econômica mundial foi facilitadora, pois viabilizou o financiamento de um crescimento sem precedentes da máquina estatal. O estado foi capaz de crescer não só em seu tamanho, como na remuneração de seus agentes, como e principalmente, no tamanho do guarda-chuva social. Mais que uma vontade foi uma necessidade histórica, expressão da luta de classes e de diferentes projetos de poder. Se a burguesia nacional, no seu pólo mais dinâmico, podia caminhar pelas próprias pernas, o mesmo não acontecia à baixa classe média urbana e o proletariado.
Na crise o que pode estar se esgotando é o modelo mais básico de desenvolvimento social dessas classes vitoriosas politicamente. Independentemente dela, que pode ser vista ai como um acelerador de contradições, os projetos de governo, de FHC e Lula, trouxeram uma parcela significativa da sociedade brasileira para um novo patamar de qualidade de vida e consumo. O problema está no "e agora?".
O atual Plano Plurianual, 2007-2011, deveria trazer um seu bojo parte da solução ao priorizar a questão da educação básica. Contudo havia uma crise no caminho e o modelo desenvolvimentista fundado nas categorias clássicas da exportação de meio-ambiente e da expansão do crédito pessoal acabou por se impor. No lugar da priorização do ensino tivemos a priorização do PAC.
Incapaz de poder fazer um pouco mais do mesmo (usar a extrema apropriação do produto nacional e o tamanho do Estado para manter o ritmo de desenvolvimento social), mas dizendo que está fazendo outra coisa, só resta ao governo o recurso do PAC e suas variantes. O guarda-chuva de 2009 está garantido, orçamentariamente falando. Desde que a queda de arrecadação não seja muito menor do que o previsto, já que ele depende de recursos que ainda irão entrar. Manobras estão sendo feitas, como, por exemplo, o aumento da margem de contribuição para a previdência, tentando reduzir o déficit de hoje, num evidente casuísmo de jogar o abacaxi para frente, para o próximo governo. A recentíssima manipulação dos números da Previdência mostra isto.
Então ficamos assim: De um lado o modelo liberal-conservador da burguesia nacional, incapaz de ir em frente pela identificação, fruto da cultura política, feita entre esses segmentos e todo o processo brasileiro que gerou o que Lula chamou de “dívida histórica”. De outro o modelo estatizante-desenvolvimentista de sustentação das baixas classes médias e do proletariado urbanos, esgotado em sua capacidade de sustentação.
O espaço que haverá para um programa novo será exatamente esse: um programa que viabilize de um lado o contínuo desenvolvimento social da baixa classe média urbana e do proletariado, mas que olhe para o Estado do lado da eficiência e da produtividade, viabilizando espaços para o mercado agir e consiga articular parcerias com a iniciativa privada, não para privilegiar grupos, mas porque ela pode ser mais eficiente.
Durante décadas o Estado foi visto apenas como agente indutor do crescimento. A partir da derrota da ditadura o preceito liberal de crescer o bolo para depois dividir foi abandonado, enquanto proposta, e o Estado passou a ter um segundo eixo de atuação: a questão social. O desenvolvimento social. Essa é uma escolha que não tem mais volta.
A premência da questão ambiental acaba por inserir um terceiro eixo e questões complexas serão geradas na tentativa de compatibilizar os três e acomodá-los no interior de um mesmo programa. São questões muito mais amplas que não são resolvidas apenas na utilização de palavras-chave como “desenvolvimento sustentável” ou “sustentabilidade”, tão em moda. Programa algum de governo poderá ser construído se não tiver isso em vista.
Não se trata tanto de uma plataforma de governo, daquelas cheias de generalidades óbvias, mas de uma proposta que possa se transformar em política de Estado, que deva ser levado à frente em qualquer governo, como foi o projeto desenvolvimentista estatizante, exportador de meio ambiente. Trata-se, então, de construir políticas públicas que respeitem e expressem esses três eixos e exponham suas interrrelações.
Por isso um programa de oposição terá que ir além, mais fundo.
Rodrik e Chumpeter. Dá certo?