Aparentemente
todo bom pensamento em Ecologia Política deveria ser sistêmico, procurando
entender as questões não apenas dentro do espaço de conhecimento, mas também
tentando captar todas as relações entre esse espaço interno de conhecimento e o
restante.
O
olhar da cultura dos países desenvolvidos sempre se debruçou com especial
atenção sobre as deseconomias geradas pela corrupção e esquemas
neopatrimonialistas nos países em desenvolvimento. Com efeito, há uma fortíssima
correlação entre desenvolvimento/crescimento econômico, democracia e corrupção.
Regimes autoritários e democracias jovens, com instituições ainda se
formatando, como a nossa são um excelente campo para a ação de corruptos. No
caso de jovens democracias talvez seus últimos momentos de domínio
generalizado. Espera-se.
No
momento em que se preparam para investir altas importância em tentativas de
superação, prevenção ou mitigação dos eventos gerados pelas mudanças climáticas
é natural que essa cultura dos países desenvolvidos olhe com desconfiança o
ambiente e se preocupem com a possível ineficiência desses investimentos pela apropriação privada dos
recursos públicos.
Sem
pretender que seja baixa-estima não é difícil entender a razão dessas
preocupações. Basta olhar as primeiras páginas dos jornais brasileiros.
O
movimento ambientalista brasileiro, certamente por ser excessivamente
estatal-dependente, embora não seja uma característica brasileira apenas, nos
seus diversos matizes ainda não refletiu sobre como a corrupção e a rede
neo-patrimonialista podem impactar os diversos projetos não apenas na questão
das mudanças climáticas, mas até mesmo nas questões mais básicas como as ZEEs,
sua relação com os PDOTs, planos de longo prazo para o desenvolvimento de
municípios, estados etc. em sua relação com a questão da exploração dos recursos
naturais renováveis ou não, por exemplo.
Esse
é um campo virgem de estudo e debates e essa ausência eventualmente pode dar a
impressão de que há países distintos quando comparamos as páginas dos jornais
com o debate ambientalista onde tudo ou é consequência nefasta do capitalismo
ou é a redenção pela mão do Estado.
Apenas
para reforçar: Segundo o Índice de Percepção de Corrupção da Transparência internacional
no país está, do melhor para o pior, em 73° lugar, numa lista de 182 países.
Obviamente
olhando para um evento mundial a preocupação não é apenas o Brasil, mas outra
possível centena de países que poderão enfrentar os mesmos problemas se os
debates ficaram apenas nas questões especificamente ambientais.
O
texto abaixo, tradução livre como sempre, foi publicado originalmente no site justmeans.com e replicado indiretamente
pelo aldeiacomum.com.
Demetrio
Carneiro
De acordo com a pesquisa econômica e
social em âmbito mundial, de 2011, da ONU (2011 World Economic and Social
Survey) um “ seria necessário um investimento, incremental, verde por volta de
3% do PIB mundial (cerca de U$ 1,9 tri em 2012) para superar a pobreza e implementar
a produção de alimentos visando acabar com a fome, mas sem degradar a terra e
os recursos aquíferos e assim evitar uma mudança climática catastrófica.”[1]. O
relatório assinala que mais de 50% do investimento total deverá ser feito nos países em desenvolvimento...
Claramente isso foi e continua ser um
forte desafio tendo em vista os montantes de investimentos na questão
climática, que estão crescendo com bastante regularidade, mas também há a
pressão de outro desafio posto, frente ao alto nível de corrupção no setor
público e privado envolvendo essas altas quantias.
RIO +20: PORQUÊ A CORRUPÇÃO NÃO ESTÁ NA SUA AGENDA?
No “Futuro que nós queremos”(The Future We Want), o documento-rascunho elaborado
para a Rio+20, Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas
em junho próximo, a palavra “corrupção”
nunca é mencionada. A questão da “transparência”
mundial parece apenas uma vez, na página 8: “O aperfeiçoamento e reforma da matriz institucional deveria, entre
outras coisas: a) integrar os três pilares do desenvolvimento sustentável e
promover a implementação da Agenda 21 e questões correlatas consistentemente
com os princípios da universalidade, democracia, transparência, custo-efetividade
e accountability, tendo em vista os princípios do Rio, em particular
responsabilidades comuns, mas diferenciadas”.[2]
Enquanto as delegações se preparam para o Rio, poderia a questão da corrupção no assunto do financiamento referente às questões climáticas ser adicionado à Agenda? Isso é exatamente o que Samuel Kimeu está procurando fazer. Kimeu é o director executive do escritório keniano da Transparência Internacional, uma sociedade civil que monitora a corrupção nos salões dos governos e escritórios das corporações.
“Se a Rio+20 não discutir e colocar na ordem do dia mecanismos para a transparência e combate à corrupção, então nós estaremos trabalhando para falharmos nesse projeto”, comentou Kimeu na Capital FM depois da reunião preparatória para a Rio+20, o workshop “Economia Verde” em Naioróbi.[3]
INSTITUIÇÕES DO KÊNIA: ENTRE AS MAIS
CORRUPTAS DO LESTE DA ÁFRICA
Kimeu sabe disso. Seus compatriotas sofreram muito devido a corrupção que grassa no Kênia, cuja posição no ranking é 154, num total de 182 países, conforme o Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional.[4]
“Nosso
interesse é trazer para o debate as questões de governança, transparência e perspectivas
à respeito do combate à corrupção e colocá-las na negociação”, disse Kimeu.
“Gostaríamos de ver os resultados da Rio+20
incorporarem claramente princípios de boa governança envolvendo recursos que
estão postos fora das propostas de combate às mudanças climáticas, tendo assim seu
destaque correto, não sendo postos de lado por outras questões...Os governos que
oferecem os recursos precisam assegurar uma ampla diligência na sua assistência
financeira para países potencialmente destinatários desses recursos, conduzindo
políticas de governança que tenham em conta os riscos de corrupção”.[5]
DEFINIDO A GOVERNANÇA DO
FINANCIAMENTO VOLTADO PARA AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
“A
informação sobre o montante de fundos recebidos ou distribuídos para
intervenções nas mudanças climáticas e como esses fundos foram gastos não está
publicizado em diversos países, incluindo o Kenya, tornando a participação
pública e o accountability frente as esses críticos processos de transformação
da vida virtualmente impossível”
escreveu Judy Ndichu, responsável pelo programa governamental de mudanças
climáticas da Transparência Internacional no Kênia. “A Necessidade de enfrentar os efeitos dessa ameaça cria uma base sólida
para os esforços destinados a promover a
integridade e a participação pública na utilização desses recursos”. Ndichu
define a governança das finanças voltadas para a questão das mudanças
climáticas (climate finance governance – CFG) como “ as instituições governamentais, corpo técnico dos fundos, princípios
mútuos, regulação, convenções internacionais, normas, salvaguardas e valores
compartilhados que existem para financiar as causas e os efeitos da mudança climática”.[6]
“O
financiamento das ações com relação às mudanças climáticas, em regime acelerado
e em longo prazo podem não ser efetivos para prover a adaptação ou a mitigação
se existirem déficits de governança e capacidade de ação.” ele assegura, “ Desenvolver boa governança das finanças para
combater as mudanças climáticas requer suficiente nível de transparência,
accountability e integridade, tanto no nível internacional, como local. Contudo,
dadas as complexidades técnicas das instituicoes e questões envolvidas essas garantias nem
sempre estão presentes, A muitas pessoas afetadas pelas mudanças climáticas
falta suficiente capacidade para participar do desenvolvimento e implementação
e a monitoração das finanças envolvidas.”[7}
Na medida em que o Escritório das
Nações Unidas para o Processo Preparatório
da Conferência Sobre Desenvolvimento Sustentável continua a deliberar sobre o
rascunho inicial para a Rio+20 eles
poderiam considerar a fala de Kimeu. Poderiam também considerar um provérbio
Swahilli, “Fimbo ya mbali hayiuwi nyoka”,
o que quer dizer “Uma arma que você não
tem nas mãos não pode matar uma serpente”. Para ser objetivo: existem
serpentes no gramado das finanças para combater a mudança climática. A única
forma de prover os governos com as armas certas é atacar as questões da corrupção
e da transparência mês que vem no Rio.
NOTAS
[1] United Nations Department of Economic and Social Affairs. 2011 World Economic and Social Survey. 2011. Acesso 15/05/212
[1] United Nations Department of Economic and Social Affairs. 2011 World Economic and Social Survey. 2011. Acesso 15/05/212
[2] United Nations Conference on Sustainable Development. The Future We Want - Zero draft of the outcome document. January 10, 2012. Acesso 15/05/2012
[5] Ibid.
[6] Ndichu, Judy. Climate Governance: The missing link in climate change mitigation and adaptation efforts. Transparency International. Acesso 15/05/2012.
[7] Ibid.