terça-feira, 15 de maio de 2012

UM TEMA DIFERENTE NO DEBATE AMBIENTALISTA BRASILEIRO E MUNDIAL: CORRUPÇÃO


Aparentemente todo bom pensamento em Ecologia Política deveria ser sistêmico, procurando entender as questões não apenas dentro do espaço de conhecimento, mas também tentando captar todas as relações entre esse espaço interno de conhecimento e o restante.

O olhar da cultura dos países desenvolvidos sempre se debruçou com especial atenção sobre as deseconomias geradas pela corrupção e esquemas neopatrimonialistas nos países em desenvolvimento. Com efeito, há uma fortíssima correlação entre desenvolvimento/crescimento econômico, democracia e corrupção. Regimes autoritários e democracias jovens, com instituições ainda se formatando, como a nossa são um excelente campo para a ação de corruptos. No caso de jovens democracias talvez seus últimos momentos de domínio generalizado. Espera-se.

No momento em que se preparam para investir altas importância em tentativas de superação, prevenção ou mitigação dos eventos gerados pelas mudanças climáticas é natural que essa cultura dos países desenvolvidos olhe com desconfiança o ambiente e se preocupem com a possível ineficiência desses  investimentos pela apropriação privada dos recursos públicos.

Sem pretender que seja baixa-estima não é difícil entender a razão dessas preocupações. Basta olhar as primeiras páginas dos jornais brasileiros.

O movimento ambientalista brasileiro, certamente por ser excessivamente estatal-dependente, embora não seja uma característica brasileira apenas, nos seus diversos matizes ainda não refletiu sobre como a corrupção e a rede neo-patrimonialista podem impactar os diversos projetos não apenas na questão das mudanças climáticas, mas até mesmo nas questões mais básicas como as ZEEs, sua relação com os PDOTs, planos de longo prazo para o desenvolvimento de municípios, estados etc. em sua relação com a questão da exploração dos recursos naturais renováveis ou não, por exemplo.

Esse é um campo virgem de estudo e debates e essa ausência eventualmente pode dar a impressão de que há países distintos quando comparamos as páginas dos jornais com o debate ambientalista onde tudo ou é consequência nefasta do capitalismo ou é a redenção pela mão do Estado.

Apenas para reforçar: Segundo o Índice de Percepção de Corrupção da Transparência internacional no país está, do melhor para o pior, em 73° lugar, numa lista de 182 países.

Obviamente olhando para um evento mundial a preocupação não é apenas o Brasil, mas outra possível centena de países que poderão enfrentar os mesmos problemas se os debates ficaram apenas nas questões especificamente ambientais.

O texto abaixo, tradução livre como sempre, foi publicado originalmente no site justmeans.com e replicado indiretamente pelo aldeiacomum.com.

Demetrio Carneiro


De acordo com a pesquisa econômica e social em âmbito mundial, de 2011, da ONU (2011 World Economic and Social Survey) um “ seria necessário um investimento, incremental, verde por volta de 3% do PIB mundial (cerca de U$ 1,9 tri em 2012) para superar a pobreza e implementar a produção de alimentos visando acabar com a fome, mas sem degradar a terra e os recursos aquíferos e assim evitar uma mudança climática catastrófica.”[1]. O relatório assinala que mais de 50% do investimento  total deverá ser feito nos países em desenvolvimento...

Claramente isso foi e continua ser um forte desafio tendo em vista os montantes de investimentos na questão climática, que estão crescendo com bastante regularidade, mas também há a pressão de outro desafio posto, frente ao alto nível de corrupção no setor público e privado envolvendo essas altas quantias.

RIO +20: PORQUÊ A CORRUPÇÃO NÃO ESTÁ NA SUA AGENDA?

No “Futuro que nós queremos”(The Future We Want), o documento-rascunho elaborado para a Rio+20, Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas em junho próximo, a palavra “corrupção” nunca é mencionada. A questão da “transparência” mundial parece apenas uma vez, na página 8: “O aperfeiçoamento e reforma da matriz institucional deveria, entre outras coisas: a) integrar os três pilares do desenvolvimento sustentável e promover a implementação da Agenda 21 e questões correlatas consistentemente com os princípios da universalidade, democracia, transparência, custo-efetividade e accountability, tendo em vista os princípios do Rio, em particular responsabilidades comuns, mas diferenciadas”.[2]

Enquanto as delegações se preparam para o Rio, poderia a questão da corrupção no assunto do financiamento referente às questões climáticas ser adicionado à Agenda? Isso é exatamente o que Samuel Kimeu está procurando fazer. Kimeu é o director executive do escritório keniano da Transparência Internacional, uma sociedade civil que monitora a corrupção nos salões dos governos e escritórios das corporações.

“Se a Rio+20 não discutir e colocar na ordem do dia mecanismos para a transparência e combate à corrupção, então nós estaremos trabalhando para falharmos nesse projeto”, comentou Kimeu na Capital FM depois da reunião preparatória para  a Rio+20, o workshop “Economia Verde” em Naioróbi.[3]

INSTITUIÇÕES DO KÊNIA: ENTRE AS MAIS CORRUPTAS DO LESTE DA ÁFRICA


Kimeu sabe disso. Seus compatriotas sofreram muito devido a corrupção que grassa no Kênia, cuja posição no ranking é 154, num total de 182 países, conforme o Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional.[4]

Nosso interesse é trazer para o debate as questões de governança, transparência e perspectivas à respeito do combate à corrupção e colocá-las na negociação”, disse Kimeu. “Gostaríamos de ver os resultados da Rio+20 incorporarem claramente princípios de boa governança envolvendo recursos que estão postos fora das propostas de combate às mudanças climáticas, tendo assim seu destaque correto, não sendo postos de lado por outras questões...Os governos que oferecem os recursos precisam assegurar uma ampla diligência na sua assistência financeira para países potencialmente destinatários desses recursos, conduzindo políticas de governança que tenham em conta os riscos de corrupção”.[5]

DEFINIDO  A GOVERNANÇA DO FINANCIAMENTO VOLTADO PARA AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

A informação sobre o montante de fundos recebidos ou distribuídos para intervenções nas mudanças climáticas e como esses fundos foram gastos não está publicizado em diversos países, incluindo o Kenya, tornando a participação pública e o accountability frente as esses críticos processos de transformação da vida  virtualmente impossível” escreveu Judy Ndichu, responsável pelo programa governamental de mudanças climáticas da Transparência Internacional no Kênia. “A Necessidade de enfrentar os efeitos dessa ameaça cria uma base sólida para os esforços destinados  a promover a integridade e a participação pública na utilização desses recursos”. Ndichu define a governança das finanças voltadas para a questão das mudanças climáticas (climate finance governance – CFG) como “ as instituições governamentais, corpo técnico dos fundos, princípios mútuos, regulação, convenções internacionais, normas, salvaguardas e valores compartilhados que existem para financiar as causas e os efeitos  da mudança climática”.[6]

O financiamento das ações com relação às mudanças climáticas, em regime acelerado e em longo prazo podem não ser efetivos para prover a adaptação ou a mitigação se existirem déficits de governança e capacidade de ação.” ele assegura, “ Desenvolver boa governança das finanças para combater as mudanças climáticas requer suficiente nível de transparência, accountability e integridade, tanto no nível internacional, como local. Contudo, dadas as complexidades técnicas das instituicoes  e questões envolvidas essas garantias nem sempre estão presentes, A muitas pessoas afetadas pelas mudanças climáticas falta suficiente capacidade para participar do desenvolvimento e implementação e a monitoração das finanças envolvidas.”[7}

Na medida em que o Escritório das Nações Unidas  para o Processo Preparatório da Conferência Sobre Desenvolvimento Sustentável continua a deliberar sobre o rascunho inicial para a  Rio+20 eles poderiam considerar a fala de Kimeu. Poderiam também considerar um provérbio Swahilli, “Fimbo ya mbali hayiuwi nyoka”, o que quer dizer “Uma arma que você não tem nas mãos não pode matar uma serpente”. Para ser objetivo: existem serpentes no gramado das finanças para combater a mudança climática. A única forma de prover os governos com as armas certas é atacar as questões da corrupção e da transparência mês que vem no Rio.

NOTAS

[1] United Nations Department of Economic and Social Affairs. 
2011 World Economic and Social Survey. 2011. Acesso 15/05/212

[2] United Nations Conference on Sustainable Development. 
The Future We Want - Zero draft of the outcome document. January 10, 2012. Acesso 15/05/2012

[3] Karongo, Catherine. 
Tackle graft in climate financing - TI. Capital FM.

[4] Transparency International. 
Corruption Perception Index 2011. Acesso 15/05/2012

[5] Ibid.

[6] Ndichu, Judy. 
Climate Governance: The missing link in climate change mitigation and adaptation efforts. Transparency International. Acesso 15/05/2012.

[7] Ibid.