terça-feira, 15 de maio de 2012

UM DEBATE SOBRE A REPRESENTAÇÃO



  A representação não é o problema da democracia, ela é a solução, com a condição de incluir verdadeiramente os representados no processo.
Michael Saward

Cheguei nesse livro do qual falaremos mais à frente buscando referências para o debate sobre a questão intergeracional posta pelo pensamento político ecológico que coloca como questão fundamental a equidade entre gerações e não apenas intra-gerações. Equidade entre gerações implica em um tipo especial de representação voltada para o futuro, representar os que sequer nasceram ou são novos demais para constituir seus representantes. É claro que esse tipo de representação envolve todo um conjunto de questões. Mas, enfim, buscando esse debate cheguei ao livro de Saward. Sobre essa questão da representação entre gerações falarei outra hora.

Não me pareceu mais justo, pelo momento que vivemos e pela forte presença do tema “representação” e sua relação com a questão da democracia nos debates atuais, deixar de apresentar o livro. Principalmente tendo em mãos a excelente resenha feita por M. Louis.

Somos uma jovem democracia. Somos uma jovem democracia representativa. Passamos em pouco tempo por fortes crises, soubemos vencê-las e permanecemos uma democracia representativa. Nesse momento vivemos uma nova crise gerada pelo comportamento autoritário e arrogante, tendente a hegemônico, do PT. Com um projeto de poder fundado numa aliança profunda com o neopatrimonialismo revivemos de alguma forma parte de nossa história pré-democrática da República Velha(1). Apesar das rusgas, embates fratricidas, erros estratégicos, a base de poder ainda é tão ampla que o projeto de poder petista permanece e ainda se revigora na total desconexão entre a imagem paterna da presidência, quase que uma reminiscência cultural do império sabiamente manejada por Getúlio e ressuscitada por Lula, e a prática das políticas públicas. Que o digam os altos índices acumulados por Dilma.

Do lado da oposição, acuada em sua pouca significância como voto legislativo, desemponderada enquanto gestão e obrigada ao beija-mão do Poder Central e, portanto, sem saber bem se está aqui ou ali, sem projetos próprios pró-ativos e estruturantes, incapaz de lidar com a herança das dezenas de milhões de votos recebidos em 2010, o questionamento da representação, no sentido da democracia representativa é permanente.

A todo o momento surgem novas “promessas” tipo Democracia Direta ou Democracia de Redes, revitalização do movimento social, propostas com base no accountability. Promessas algumas substitutivas outras complementares. Mas basicamente a democracia representativa sofre forte desgaste. Os casos são quase diários, com corrupção explícita, dentro do legislativo ou dentro do executivo. Com o executivo menos exposto e menos pictórico, folclórico, é o legislativo quem paga a conta. Não são raras as propostas de voto nulo ou de simples eliminação das câmaras e assembleias.  

No que se refira ao viés negativo o debate sobre a democracia representativa é muito semelhante ao debate sobre o capitalismo. Ninguém gosta, ninguém quer, todo mundo critica, mas ninguém tem qualquer outra opção viável.

É nesse sentido que uma discussão aprofundada sobre “representação”, especialmente com relação ao seu processo de construção, sua legitimidade e novos formatos de representação passa a ser interessante e viabiliza que saiamos do terreno das constatações empíricas para algo mais prático no sentido da construção de projetos.

O texto abaixo, em tradução livre, publicado originalmente no La Vie des Idées, abre caminho para quem se interessar por esse debate, por meio de uma boa, e muito bem referenciada, resenha de MariekeLouis do livro de MichaelSaward The Representative Claim”(2).

Demetrio Carneiro
(1) A “novidade” dessa aliança é a inclusão dos sindicatos e dos movimentos sociais estatal-dependentes ou auto-sustentáveis como os movimentos religiosos de diversos matizes. Particularmente os sindicatos cujos líderes se transformam em agentes políticos num formato transpartidário, um movimento bem semelhante ao feito pelas religiões. A oposição ainda não foi capaz de avaliar o peso da inclusão dessas forças na coalizão vencedora e nem sabe como lidar com isso em termos de coalizão desafiante.

(2) Michael SAWARD, The Representative Claim, Oxford, Oxford University Press, 2010, 206 p. Esse livro esta disponível na Amazon no formato kindle.


por Marieke Louis

A representatividade dos partidos políticos, dos sindicatos, das instituições internacionais é uma questão recorrente das democracias contemporâneas, notadamente caracterizadas por uma exigência de transparência ampliada pela cidadania com relação a seus representantes e a esfera pública em geral. Os critérios “objetivos” (fontes de financiamento, números de adesões ou militantes, montante das cotizações, etc.) podem atestar a legitimidade de tal ator ou tal organização se exprimindo em nome da coletividade. No caso dos sindicatos a lei de 20 de agosto de 2008 terminou, em nome da “renovação da democracia social” com a pressuposição irrefutável da representatividade outorgada às cinco confederações sindicais(1), princ´pipio que lhes assegurava, entre outras coisas, participação sistemática nas mesas de negociação coletiva. E se esta evolução aparentemente se fundou sobre uma concepção errônea da própria natureza da representação e por consequência da representatividade?

Segundo Michael Saward, professor de ciência política da Open University (Reino Unido), a essência da representação reside na pretensão de um ator ou de um grupo em representar outras pessoas, sem que elas necessariamente tenham algo a dizer. Todo ato de representação tem por fundamento uma pressuposição de representatividade. , baseada  numa correspondência pretendida de interesses, transformando-se pouco à pouco em uma verdadeira pretensão de representação no espaço público. A tese que o autor defende na obra intitulada The Representative Clain coloca em causa a ideia de que a representatividade de um ator possa se “provar”, ou seja se mensurar a algum dos critérios “objetivos” de natureza processual ou numérica. Nessa obra ele aborda a representação não como uma instituição, um fato dado, mas como um discurso performático, o que leva a propor o conceito de “clain” que traduziremos aqui por “pretensão”.

A representação, que a maioria dos autores tende a tomar como ponto de partida de sua análise, é o produto de um processo complexo construído por declarações, iniciativas de mobilização dos cidadãos e, por fim, da validação ou não por esses últimos. As fronteiras da representação, vistas as coisas assim, parecem se estender ao infinito: Do cantor Bono, afirmando falar em nome dos povos oprimidos da África(2) ao eleito de uma municipalidade falando em nome de seus eleitores, o autor revisita o conceito de representação a partir  das suas “pretensões representativas” deixando aberta a questão de sua legitimdade democrática. Ele se debruça sobre as problemáticas clássicas associadas à representação: as mulheres, os partidos políticos e, primeiramente, das novas formas, aquelas do ambientalismo, da representação das gerações futuras e, last but not least, aquelas além do Estado-Nação.

Se de um lado o autor se inscreve resolutamente num ativismo teórico, com a ambição de propor um ponto de partida para a análise geral do conceito de representação, de outro ele recusa uma abordagem normativa desse último, pois entende que tende a reproduzir, vista a legitimidade, a ordem estabelecida. Se interessar unicamente pelo representantes, as pessoas, já “instaladas”  em sua função representativa tem, segundo ele, o efeito de excluir todos aqueles que não puderam aceder a essa função, mas que entretanto pretendem representar  um grupo de pessoas ou uma tendência política, artística ou outra em particular. Partir desses atores e suas pretenções permite integrar na análise categorias que são seguidamente excluídas. Se aproxima aqui de Marion Yong que, em Inclusion and Democracy(3), procura igualmente se colocar do ponto de vista dos excluídos, dos margiais, daqueles que não são representados. “A-normatif”, é uma obra não menos resolutiva politicamente. Ela se inscreve no debate contemporâneo sobre a crise da democracia representativa e visa, in fine, a revalorizar a representação enquanto uma necessidade democrática, uma tese que está longe de ser consensual num debate essencialmente dominado  para busca de alternativas à representação(4).

A REPRESENTAÇÃO COMO PRETENSÃO

O postulado subentendido na análise de Michael Saward é o seguinte: todo ato de representação repousa sobre uma pretensão entendida como a afirmação frente à reivindicação de um direito legítimo de representar outras pessoas e então falar e agir em seu nome. A essência da representação é então fundamentalmente de ordem discursiva. Portanto para compreender a representação precisamos apreendê-la como um processo e não como um fato que se impõe a nós. Esse processo é dinâmico, relacional e, sobretudo, intencional. Ele emana de um ator. Eleito ou não, se exprimindo em nome de outros atores, com ou sem seu consentimento e isso dentro de um espaço geográfico e temporal sem limites estabelecidos à priori. A questão de essa pretensão é legítima ou não pode ser posta antes que a essência e o funcionamento dessa pretensão hajam sido divulgados.

Essa tese se apoia numa leitura  profunda das principais obras cujo objeto Saward percebe uma aproximação excessivamente normativa e focalizada nas instituições governamentais por meio de uma atenção quase-exclusiva posta sobre as eleições no contexto estado-nacional. 

A argumentação começa pela discussão das teses de Hanna Pitkin na sua obra pioneira lançada em 1967 intitulada The Concept of Representation(5). Se ele reconhece a grande contribuição de Piktin que afirma que a representação é um fenômeno construído, um “quebra-cabeças” a se reconstituir, a distinção que ela propõe entre representação formal, simbólica e substancial congela, segundo o autor, a representação (e o debate sobre ela) em categorias que são na prática não somente interrelacionadas, mas sobretudo complementares. Em outro sentido ele critica Pitkin por se concentrar essencialmente sobre a figura  do representante em detrimento do representado. Ou, segundo Michael Saward, a capacidade de representar repousa sobre o tipo de acessibilidade e mesmo conhecimento dos interesses de representar(em). As teses de Jane Mansbridge, Andrew Rehfeld, Iris Marion Young e Nadia Urbinati, ocupam igualmente um lugar importante na análise. O autor se apoia com muita ênfase no conceito de “representante substituto”(subrogate representative)(6) de Jane Nansbridge para recusar a idéia de que a eleição condiciona a existência de uma relação de representação, assom como os de “audiência” e de “circunscrição”(constituency) desenvolvidos por Andrew Rehfeld(7) que, segudo ele, são cruciais para valorar o caráter relacional da representação enquanto processo de “clain making” e “claim receiving”. Ele se reconhece na visão dada por Young(8) da representação como um processo relacional evoluindo no tempo e necessitado de inclusão de pessoas susceptíveis de portar novas “perspectivas” ao debate democrático, perspectivas geradas pelas experiências particulares partilhadas sobretudo de interesses fixos e distintos. Finalmente o interesse assumido por Nadia Urbinati(9) com referência à relação entre representantes e cidadãos e ao caráter deliberativo da representação para além da eleição constitui igualmente outra fonte de inspiração do autor.  Essas análises partilham, entretanto e segundo ele o mesmo defeito: aquele de se concentrarem sobre as formas de representação e sobre os representantes e de induzir que certos representantes seriam mais legítimos que outros. Assim a “boa” questão a ser posta ao se pensar a representação não seria tanto “o que é a representação”, nem “como representar bem”, mas “do que é feita a representação e como ela funciona?” (What’s going on in representation?). Michael Saward coloca assim o ator e o contexto dentro do qual ele se inscreve no centro da análise.

UMA LEITURA “PENTAGONAL” DA REPRESENTAÇÃO

Se o autor critica o recurso sistemático as classificações e as tipologias correntes nas análises da representação, ele não propõe menos: sob uma fórmula quase-matemática, um modelo de análise desse “representative claim”  e isso da forma seguinte: “A maker of representation(‘M’) puts forward a subject(‘S’) which stands for na object(‘O’) that is related to a referent(‘R’) and is offered to na audience(‘A’). O recurso a esses cinco elementos que são o autor, o sujeito, o objeto, o referente e a audiência, leva o autor a uma cartografia da representação feita de seguinte forma:

Pretensão a representar
Os interesses
De uma pessoa
Pretensão a encarnar
As necessidades
De um grupo
Pretensão a defender
As preferências
De um país ou de uma região
Pretensão a simbolizar
O caráter autentico
De uma natureza não-humana

Cada linha da primeira coluna pode ser relacionada com nõ importa qual linha da segunda e da terceira colunas(10). A vantagem de tal conceitualização do problema é religar categorias anteriormente separadas. Esse esquema sintetiza a concepção do autor faz da representação, a saber: um processo variável (formal e informal, eleitoral ou não, nacional e transnacional), contingente, dinâmico e parcial. Ele questiona voluntariamente as fronteiras da representação substantiva, descritiva ou ainda simbólica, tão cara a Hanna Pitkin. Nessa perspectiva o autor dessas pretensões, o representante potencial, não saberia se analisar sem referência a audiência e/ou a eleitor (“constituency”) ao qual ele se dirige, esses podem ser reais (“actual”) ou visados (“intended”). A representação aparece assim como um processo co-constitutivo onde o representante escolhe os representados da mesma forma que é escolhido por eles. A diferença entre audiência e eleitorado reside na intenção do autor da pretensão cujo desejo é transformar a audiência em eleitorado real ou visado.

O autor vai mais longe na análise dessa relação co-constitutiva, anteriormente posta em evidência por Bourdieu(11) e reprisada por Young, entre o representante e o representado, ao atribuir a pretensão de representação, no discurso, um caráter performático. Não somente o representante (ou o autor da pretensão) designa sua audiência, mas ele contribui para criá-la, a lhe dar consciência de si mesma. “the intended audience of a representative claim may or may not be conscious of it self as an audience prior to the making clains” (p.45). De onde a necessidade de se debruçar sobre as estratégias dos atores na construção da audiência, a partir de diferentes “regimes de representação”, esses repertórios do “representável”  e do “não representável”, disponíveis e acessíveis em um lugar e um momento dados (p.122). Michael Saward pertence a uma corrente sociológica da ciência política que apreende as instituições como construções sociais, como produto de uma certa “engenharia política” que o autor exprime da maneira que se segue: “ [..] in order to be representative clains, these clains need to be made, acted out, and packaged” (p. 67). Finalmente, o autor da pretensão não encarna a figura do empreendedor político?

APLICAÇÃO AOS DEBATES CONTEMPORÂNEOS: O AMBIENTALISMO, AS MULHERES, OS PARTIDOS POLÍTICOS

Segundo Michael Saward, a corrente da ecologia política contribuiu largamente, senão reabilitou,ao reatualizar ao menos o aspecto simbólico da representação através de construção desse objeto que é a natureza ou o meio ambiente. O exemplo verde constitui uma ilustração entre outras da importância do conceito de audiência. Uma das grandes etapas da ecologia política reside com efeito no reconhecimento das necessidades das “gerações futuras”, uma audiência que não vota, visto que não existe ainda, mas para as quais certos empreendedores políticos contribuem construindo seus interesses, malgrado a inexistência de relações eletivas. O recurso a noção de “desenvolvimento sustentável” sobre a qual se apoiam as pretensões representativas do movimento ecologista mostra bem a importância do “condicionamento conceitual” ou “packaging” mencionado antes, para que as pretensões sejam “eficientes” e alcancem a audiência visada.

Apoiando-se sobre essa ideia de que os interesses a representar são construídos e evoluem no tempo, Michael Saward aborda o problema da (sub) representação das mulheres nas instituições políticas e, portanto, contra o falso pressuposto induzido pela ideia de "representação substantiva" das mulheres, nomeadamente a existência de interesses específicos de cada sexo. A pluralidade e a variabilidade espacial e temporal dos interesses das mulheres constituem segundo ele um ponto de partida, não um ponto de chegada. Para Michael Saward, muito pouco espaço foi dedicado aos mecanismos que contribuem para transmitir, ao longo do tempo, alguma representação das mulheres como portadoras de interesses específicos. Ele insiste igualmente na multiplicidade de locais e contextos nos quais a representação das mulheres se coloca, embopra a maior parte dos investigadores se concentre  sobre sua representação institucional (especificamente a parlamentar). Embora o autor não se refira a isso diretamente podemos pensar, em muitas outras, sobre a proliferação de organizações não-governamentais ( Aliance Internatinale dês Femmes, Womenaid International etc,) que se reivindicam como porta-vozes das mulheres na maior patê dos encontros internacionais. A crítica correntemente endereçada a essas organizações não é relativa à sua “representatividade autoproclamada” em oposição a uma “representatividade eletiva” julgada, com ou sem razão, mais legítima? O último exemplo considerado pelo autor é aquele dos partidos políticos. Lá, ainda, ele sugere alterar o debate sobre a ascensão ou declínio dos partidos políticos pelo interesse em sua evolução para outros modos de representação: quais dinâmicas representativas caracterizam os partidos políticos? À excessão de sua reticência inicial a aboedagem de tipologias o autor distingue três ideias-tipo que permitem analisar as pretensões representativas dos partidos: o modo popular ( “popular mode”), o modo “estatal” (“statal mode”)(12) e o modo reflexivo (“reflexive mode”). O primeiro é caracterizado pelas pretensões dos líderes de se apresentar como delegados dos interesses de certas classes sociais. Esse modo é característico da segunda metade do século 20, durante a qual os partidos se encarregaram de organizar as relações sociais e da definição das prioridades da sociedade. Ele pressupõe a existência de um clima ideológico com clivagem, postulação de interesses (de classes, étnicos, regionais) pré-exisitentes. A legitimidade dessas pretensões reside essencialmente em seu fundamento eleitoral. O modo estatal é caracterizado por atore originados nos partido políticos, mas se apresentando como representantes  a-partidários do povo, da coletividade, dos interesses gerais. Pensamos nas declarações dos representantes governamentais, dos ministros agindo e falando no nome e no interesse do povo e não de seu partido. Esse modo de representação poderia se aplicar também aos “experts” que afirmam se exprimir de um ponto de vista  não partidário sobre questões específicas, técnicas, em um viés de desplitização da representação. Pode-se ainda ir além e ampliar esse modo estatal para a esfera internacional onde os experts exercem uma influência pouco negligenciável ( pensamos no GIEC[13]). O declínio das categorias mais amplas do tipo “capital/trabalho”, “empregador/assalariado”, contribuiu largamente para o desenvolvimento desse modo de pretensões representativas à priori apartidárias. O último modo, reflexivo, é caracterizado pelas diferentes pretensões dos partidos que se posicionam não tanto como representantes, mas como simpatizantes de uma causa local, na maioria das vezes, ainda desconectada de um engajamento partidário. Essas categorias não devem ser vistas de maneira cronológica: elas coincidem ou se sobrepõe segundo os contextos.

Lamentamos que a questão da representação pós ou transnacional, das quais observamos as premissas nas  das organizações internacionais, intergovernamentais e não governamentais seja abordada de maneira elíptica pelo autor. Lá está a falha principal, quase inevitável, da obra – que é antes de tudo um ensaio de pensamento político – de haver pouco desenvolvido a parte empírica, se apoiando essencialmente sobre os estudos realizados por outros autores.

UMA PRESSUPOSIÇÃO DE LEGITIMIDADE

No último capítulo intitulado “Representation, legimaticy and democracy”, Michael Saward que, já no início da obra, insistia sobre a necessidade de “retardar” o momento da avaliação do caráter legítimo ou não dessas pretensões representativas, aborda (enfim) essa questão. Entretanto quando se poderia esperar que o autor apresentaria uma lista de critério para orientar nosso juízo, como é frequente em ensaios desse tipo, sua resposta é a seguinte: “Nenhuma pretenso representativa é intrinsecamente mais democrática que outra”( p.127). De uma maneira um pouco provocativa podemos tentar concluir: Bono, Davd Cameron, Bernard Thibault, os Indignados estão no mesmo combate representativo.

Se alguns concluirão que o autor se esquiva da questão normativa, sua resposta é de fato mais complexa e se apoia sobre uma concepção radical da democracia, vista do ponto de vista do cidadão (“the ciitzen standpont”). O  autor enuncia a condicação da legitimidade democrática da seguinte maneira: “a aceitação [dessa pretensão] pelos constituintes e as audiências interessadas”(p. 144), as manifestações dessa aceitação podem ser extramente diversas...os sujeitas a controvérsias, ondo da sustentação manifestada por uma certa parte da população a um grupo ou partido político e expressa por meio de enquetes ou de sondagens ao seu reconhecimento via sufrágio universal.

Para o autor cabe ao cidadão, no longo prazo, aceitar ou recusar assumir uma posição sobre a pretensão de tal ou qual ator que pretenda lhe representar. Percebem-se bem claramente os limites práticos de uma tal “pretensão”  notadamente se incluímos na análise audiências que ainda não existem como é o caso das gerações futuras. Certamente o autor está consciente de uma das condições cruciais para a aplicabilidade de sua teoria, a saber, um certo grau de abertura das sociedades. Com efeito que tal sociedades não democráticas onde os cidadãos não têm a oportunidade de se exprimir e tomar partido de tal ou qual representante? É, sem dúvida, ali que o autor passa de uma postura analítica para uma postura quase militante. A sociedade deve ser suficientemente aberta e tolerante para aceitar ter em conta unicamente o ponto de vista do cidadão e suspender (temporariamente) seu julgamento sobre tal ou qual ato (pag. 159). A representação não é o problema da democracia[14], ela é a solução com a condição de incluir verdadeiramente os representados no processo. O essencial da ação política deve então ser orientado, segundo Saward, para o crescimento das capacidades do cidadão em exercer seu julgamento, a responder as pretensões feitas em seu nome e sob a condição de uma verdadeira deliberação. Saward agrega aqui os promotores de um sistema que presta verdadeiramente conta de suas ações, esse que os anglo-saxões exprimem por meio da noção de “accountability” e que certos autores vêm como o conceito de um novo horizonte da democracia[15].(grifo da tradução.DC).

Se retornamos ao debate atual sobre a representatividade dos sindicatos sublinhado na introdução, parece por ser devido a demanda inversa que se coloca. Mais que se interessar pelas capacidades reais do mundo do trabalho de se organizar e se dotar de representantes, política e mídia se envolvem em desconstruir (talvez mais para retirar credibilidade do que para defender) as pretensões representativas de certos sindicatos. O mesmo raciocínio vale, em graus separados, para os numerosos representantes que tão rapidamente se instalaram nas suas funções representativas se veem na obrigação de justificar sua legitimidade representativa. Então a leitura dessa obra se impõe, numa hora onde os debates contemporâneos são dominados pelo tema da crise da democracia representativa[16] e a busca de alternativas para a representação com base no modo participativo[17]. Para Michael Saward, não será mirando um horizonte “pós-representativo”  que nós resolveremos essas questões, mas sim revalorizando a dimensão representativa,  inclusive em nossa sociedade, naquilo que podemos chamar de “democratizar a democracia”.

Marieke Louis

Notas

[1]  Confédération générale du travail, Confédération générale du travail-Force ouvrière, Confédération française des travailleurs chrétiens, Confédération générale des cadres e a Confédération française du travail. Para uma análise detalhada desas lei e da questão da representação sindical consultar especialmente BÉROUD, Sophie, YON, Karel (coord.), La loi du 20 août 2008 et ses implications sur les pratiques syndicales em entreprise : sociologie des appropriations pratiques d’un nouveau dispositif juridique, Rapport de recherche, Convention DARES « Impact des nouvelles règles de représentativité sur les pratiques et stratégies syndicales », février 2011, 336 p.

[2] Num discurso pronunciado em 2004 o cantor dizia : « I represent a lot of people
[in Africa] who have no voice at all […]. They haven’t asked me to represent them. It’s cheeky but I hope they’re glad I do », repris par Michael Saward, op. cit., p. 82.

[3] Young, Iris Marion, Inclusion and Democracy, Oxford, Oxford University Press, 2000, 304 p.

[4] Nesse caso ver a entrevista de Bernard Manin et Nadia Urbinati por Hélène Landemore,publicada no  laviedesidées.fr le 27 mars 2008

[5] Pitkin, Hanna, The Concept of Representation, Berkeley, Los Angeles, California
University Press, 323 p.

[6] Mansbridge, Jane, « Should Blacks Represent Blacks and Women Represent Women ? A Contingent ‘Yes’ », The Journal of Politics, vol. 61, n°3, 1999, p. 628-657 et « Rethinking Representation », American Political Science Review, vol. 97, n°4, 2003, p. 515-528.

[7] Rehfeld, Andrew, The Concept of Constituency : Political Representation, Democratic Legitimacy and Institutional Design, Cambridge, Cambridge University Press, 2005, 259 p.

[8] Young, Iris Marion, op. cit.

[9] Urbinati, Nadia, Representative Democracy : Principles and Genealogy, Chicago,
University of Chicago Press, 2006, 328 p.

[10] Dentro de certos limites a noção de preferência é dificilmente aplicável à natureza não humana.

[11] Bourdieu, Pierre, Ce que parler veut dire, Paris, Fayard, 1982, 243 p.

[12] O ator assume que se trata de uma adjetivo pouco familiar que que ele prefere àquele de nacional no qual ele encontra a desvantagem da noção weberiana de Estado como uma reunião de organizações assumindo o monopólio da violência legítima  sobre um território dado. Ele utiliza “statal” sob a forma de adjetivo mais que “state”com fins de equivalência gramatical com “popular’ e “repflexivo”

[13] Grupo de especialistas intergovernamentais sobre e evolução do clima.

[14] cotrariamente a Olle Törnquist que em Rethinking Popular Representation comença afirmando que « The Problem Is Representation » (Törnquist, Olle, Webster Neil, Stokke, Kristian (eds.), op.cit., p. 1.)

[15] Ver a entrevista de Bernard Manin e Nadia Urbinati por Hélène Landemore, publicada em  laviedesidées.fr le 27 mars 2008. Ver também Andeweg, Rudi, “Beyond Representativeness ? Trends in Political Representation”, European Review, vol. 11, n°2, 2003, p.147-161.

[16] Para uma síntese dessa questão ver especialmente o dossier feito por Emilie
Frenkiel : « Democracy : Bridging the Representation Gap », publicado em  laviedesidées.fr le 28 décembre 2011. Ver também Mineur, Didier, Archéologie de la représentation politique. Structure et fondement d’une crise, Paris, Presses de Sciences Politique, 2010, 292 p.

[17] Ver Törnquist, Olle, Webster Neil, Stokke, Kristian (eds.), Rethinking Popular Representation, New York, Palgrave Macmillan, 2009, 288 p.

[18] Ver a entrevista de  Loïc Blondiaux por Ivan Jablonka, publicada em laviedesidées.fr le 6 janeiro 2011