O discurso de José Aníbal é construído de boas intenções e mostra com correção que é preciso haver algum nível de utopia na política, que é preciso se aproximar do eleitor etc. Vale para o PSDB e vale para toda a oposição.
Contudo José Anibal fala em dar “prioridade as pessoas” e em “atrair o cidadão comum”. Indo nesta direção “atrair o cidadão comum” é um belo problema vistas as pesquisas de opinião e percepção dos eleitores.
Para continuar precisamos antes procurar entender melhor as pesquisas. O Que a recente pesquisa, dando os 77% a Dilma, mostra é o descasamento da imagem da presidência do processo de governo. Nada que devesse necessariamente assustar a oposição já que a transferência de votos se mostrou não efetiva e a diferença de votos entre Dilma e Serra no segundo turno mostra muito mais o uso total da máquina pública, no estilo Velha República, de um lado e de outro os resultados de muitos erros estratégicos de Serra e seu grupo mais próximo durante a campanha.
Agora, mesmo assim Dilma ganhou e quem fala no bem estar do eleitor médio enquanto argumento da vitória está certo. É exatamente por isso que a estratégia da oposição de bater e bater está errada. Do ponto de vista do dilema intertemporal o eleitor já fez a sua escolha pelo presente.
Para a oposição chegar ao poder os cenários seriam ou de uma catástrofe econômica, que absolutamente não está no radar ou de uma mudança quantitativa na base de apoio da situação.
Evidentemente é a mudança na base de apoio que pode interessar. Trata-se então de se pensar como poderia se dar essa mudança. Evidentemente não estamos falando na cooptação dos fortes setores neopatrimonialistas instalados na política institucional. Podemos supor que há setores dentro da base de apoio da situação que seriam capazes de se movimentar em direção não tanto as oposições, mas a uma postura de “afastamento crítico” dentro da Coalizão. Um bom motivo seria escapar da hegemonização petista. O que em parte já vem ocorrendo com o PSB e o PMDB e se reflete no aparecimento do PSD. Não é exatamente um estar no muro. É mais complexo.
Outro motivo para mudanças dentro da Coalizão, como estratégia de sobrevivência política, seria a percepção uma mudança na posição do eleitor médio. Isso nos leva de volta ao princípio. Como e por que o eleitor médio mudaria de posição?
O eleitor médio fez sua escolha pelo presente com base no passado. A incorporação de largos segmentos de menor poder aquisitivo ao voto trouxe desequilíbrios no processo eleitoral. Não é mais a classe média urbana de maior poder aquisitivo mais tradicional quem elege e atua como stakeholder. Hoje há outros stakeholders ativos no processo e o voto mais forte vem dos segmentos de baixa classe média e mesmo do proletariado urbano e rural. É para esses eleitores que o presente importa e são eles quem têm massa crítica de votos para eleger. São eles também que olhando para o passado percebem que o presente é “bom”. Na realidade se no lugar de Lula ou Dilma estivesse um tucano eles apoiariam da mesma forma. Não é um voto ideológico, mas um voto baseado na experiência de vida.
Aliás, é bom anotar que há uma parte significativa da economia, quase a metade de toda a economia brasileira, que está nas sombras da informalidade e que quase metade da mão de obra habita este segmento. há estudos que mostram o quanto os nossos “empresários” emergentes, da baixa classe média, são sobreviventes e o quanto ser sobrevivente significa um comportamento muito mais tolerante com a corrupção, por exemplo. Para quem não conhece é bom ter em conta o papel desses “empreendedores” como stakeholders em suas comunidades e juntos aos seus empregados e prestadores de serviço. É uma complexa rede de relações para a qual a política ainda não consegue olhar por falta de formação mais acadêmica.
Enfim, não dá para disputar o “presente” com o governo e ficar apenas no terreno acusatório não é muito efetivo. De Collor para cá muito se apreendeu na arte de confundir, engabelar e se cercar, por segurança, de muitos aliados e cúmplices.
Só resta então o futuro. Seria necessário que o eleitor médio fizesse uma escolha pelo futuro. Seria necessário que a oposição fosse capaz de mostrar ao eleitor médio que o futuro pode dar mais qualidade de vida do que o presente, já que qualquer crítica ao presente esbarra justamente nessa qualidade de vida “melhor que o passado”.
Sendo assim a única forma de “atrair o cidadão comum” é discutir o futuro. O problema para a oposição é que discutir o futuro depende de proposições que rompam com o presente. Serra em sua campanha de 2010 e seus equívocos mostrou o quanto isso pode ser difícil dada a base comum de partida do pensamento nacional-desenvolvimentista. No fundo os quadros de oposição são diferentemente iguais aos quadros da situação quando o debate é sobre o desenvolvimento.
Para a oposição avançar seria necessário que ela fosse capaz de romper essa escrita histórica e repensasse todo o processo. O que parece muito difícil, pois estamos falando de uma ideologia plantada no inconsciente coletivo da esquerda brasileira há muitas décadas. Também seria necessário que a oposição se qualificasse na questão da gestão do Estado, o que parece ser uma grande dificuldade para quem imagina que a política tudo resolve.
Como nada disso parece muito fácil é de se imaginar que ainda estaremos na dependência de que a base de governo desmorone por razões e dinâmicas próprias.
Provavelmente somos e permaneceremos meros observadores.
Demetrio Carneiro